A morte e os
seus mistérios
Ernesto Bozzano
Parte 4
Continuamos o estudo do clássico A morte e os seus mistérios, de Ernesto Bozzano,
conforme tradução de Francisco Klörs Werneck. O estudo será aqui apresentado em 24 partes. Nossa
expectativa é que ele sirva para o leitor como uma forma de iniciação aos
chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do
texto abaixo.
Questões preliminares
A. Que sensação os médiuns de efeitos físicos costumam
registrar por ocasião dos fenômenos de transfiguração?
B. Há médiuns que têm a faculdade de provocar fenômenos de
assombramento no lugar em que se encontrem?
C. Que podemos entender por “transfiguração alternante”?
Texto para
leitura
48. O Caso 8 foi extraído do livro Um caso de desmaterialização parcial do corpo de um médium, de
Alexandre Aksakof, que reproduziu em sua obra o relato feito em um artigo da
Srta. Killingsbury, publicado em The
Spiritualist, de 22 de outubro de 1876.
49. Eis o relato: "A Sra. Crocker, médium particular
de Chicago, contou-me que há alguns meses, sob a direção de seu ‘guia’
espiritual, iniciou uma série de sessões para o desenvolvimento de uma nova
fase de sua mediunidade, as quais se realizaram no seu círculo familiar. Uma
noite, à luz das velas que ardiam no recinto e ao clarão da lua, sofreu uma transformação
do seu rosto, que mudou de tamanho, forma e natureza, brotando depois sobre ele
uma barba negra e abundante. Todos os assistentes viram a mesma transformação e
o primo da médium, que estava sentado junto ao mesmo exclamou: ‘É o rosto de
meu pai!’ - Desaparecida a manifestação, confirmou que se tratava da efígie
perfeita do rosto paterno. Pouco depois, a médium se transformou em uma
velhinha de cabelos brancos. Todas estas metamorfoses se realizavam sob os
olhares dos presentes, que não deixaram de as observar um instante. Ela afirma
que conservou sempre a consciência de si mesma, mas que havia experimentado uma
sensação muito viva de formigamento e comichão em todo o corpo, tal como se
estivera apertando com as mãos os dois polos de uma forte bateria
elétrica...".
50. Esta alusão final da médium, que disse experimentar uma
viva sensação de formigamento e comichão em todo o corpo, reveste grande
importância do ponto de vista probatório, uma vez que bom número de médiuns de
efeitos físicos acusa justamente a mesma sensação, quer antes, quer durante a
manifestação dos fenômenos. A Sra. D'Esperance aludia muitas vezes a essa
sensação, que é como um prenúncio dos fenômenos, e com Eusápia era habitual a
mesma sensação. Quando durante as nossas experiências de três anos, em Gênova,
com o Prof. Morselli, ouvíamos o médium acusar a sensação de comichão em todo o
corpo, ficávamos na expectativa, pois sabíamos, por prática adquirida, que era
o prelúdio da produção dos fenômenos. Repito, portanto, que do ponto de vista
probatório essa espécie de detalhes secundários adquire não pouca importância
em favor da legitimidade dos fatos, pois eles pertencem a um gênero que um
médium fraudulento, como também um narrador infiel, não pensam em assinalar.
51. Sobre o caso, Alexandre Aksakof disse o seguinte:
"Um argumento de peso em favor da legitimidade de tais manifestações
consiste na consideração de que não só não se mostram contraditórias com o
princípio de acordo com o qual se produzem os fenômenos de materialização, como
constituem, ao contrário, uma espécie de fase inicial transitória, prestes a
transformar-se em outra, sob a ação de uma força organizadora ignorada”.
52. O Caso 9 foi colhido no livro autobiográfico da médium
Sra. Russell Davies, The Clairvoyance of
Bessie Williams (A Clarividência de Bessie Williams), publicado a conselho
de sua amiga Sra. Florence Marryat. Nele lê-se, entre outras coisas, que a referida
médium possuía a pouco invejável faculdade de provocar fenômenos de
assombramento cada vez que permanecia em alguma casa onde tivessem ocorrido, no
passado, cenas de sangue.
53. Sucedeu então que tendo a médium adquirido uma casa de
verão, onde se alojara com sua família, não tardaram a manifestar-se fenômenos
de assombramento muito importunos como sejam: ruídos insistentes de passos
pesados, que deambulavam pela casa, de lutas e de combates violentos, seguidos
de quedas de corpos ao solo.
54. Certa noite produziu-se um fenômeno impressionante de
transfiguração do rosto da Sra. Russell Davies, descrevendo-a seu esposo nos
seguintes termos: "Estava eu sentado à mesa da sala de jantar e minha
senhora diante de mim, com o menino nos braços. De repente ela exclamou: ‘Sinto
como se me tivessem ferido em um braço. Oh! que dor!’ Fiz-lhe observar: ‘Minha
querida, são dores reumáticas’. Como não replicasse, olhei para aquele lado e
notei que sua fisionomia se havia transformado horrivelmente e ficado embrutecida,
adquirindo uma expressão de diabólica perversidade. Em lugar de minha esposa,
sempre afável e sorridente, se achava diante de mim um velho repugnante, de
fronte proeminente, cujos olhos de abutre se esquivaram ao meu olhar, com
intenções furtivas que quase me faziam desmaiar de terror. Eu havia ouvido
falar em fenômenos de ‘transfiguração’, porém jamais assistira ao
desenvolvimento deles. Levantei-me apressadamente para acudir em auxílio do
menino. O braço de minha esposa o foi deixando lentamente nos meus, ao mesmo
tempo que sua outra mão se estendia sinistramente para uma faca que estava
sobre a mesa e que eu me apressei a pôr fora do seu alcance. Pouco depois minha
senhora suspirou profundamente, e, com grande regozijo para mim, vi que o seu
rosto voltava ao estado normal...".
55. Averiguou-se, logo depois, que alguns séculos antes
aquela casa fora uma hospedaria cujo dono, quando se lhe mostrava propícia a
ocasião, assassinava os hóspedes para roubá-los. Naturalmente, depois do
referido fenômeno de "transfiguração", os Russell Davies
apressaram-se em abandonar a casa.
56. Nesse episódio, como em outros já relatados,
dever-se-ia admitir que o fenômeno de "transfiguração" do rosto da
médium no de um "velho repugnante, de fronte proeminente e com olhos de
abutre" teve origem na combinação das diversas modalidades de produção que
os mesmos fenômenos comportam: contração e adaptação dos músculos faciais,
distribuição de ectoplasma ou subtração de substâncias vivas nas zonas a serem
modificadas no rosto da médium.
57. Do ponto de vista da hipótese espírita, mostrar-se-ia
sugestiva e instrutiva a causa determinante do fenômeno de
"transfiguração", que se realizara pelo fato de encontrar-se a médium
em um ambiente onde outrora haviam ocorrido vários crimes, ambiente que se
tornou assombrado tão somente devido à presença de uma "sensitiva"
que, mediante seus "fluidos" exteriorizáveis, tornara possível a
produção dos usuais fenômenos de assombramento, isto é, tornara possível a
manifestação aos vivos, na forma que se mostrara realizável, dos protagonistas
dos dramas que se verificaram em um determinado ambiente.
58. Os Casos 10 e 11 foram recolhidos pelo autor no número
de julho de 1930 da revista inglesa The
Occult Review, em que o Sr. R. M. Sidgwick relata uma série de experiências
obtidas em seu círculo familiar com sua própria mediunidade combinada com a de
uma senhora a quem denomina Sra. A. Entre outros, cita ele dois casos de
"transfiguração alternante", nos quais se materializou duas vezes a
efígie do seu avô; a primeira vez, com a mediunidade da Sra. A. e a segunda,
com sua própria mediunidade.
59. Eis o seu relato: "Numa tarde de inverno, fui
visitar a Sra. A., que possui notáveis faculdades mediúnicas. Encontrei-a
sentada junto ao fogão, onde ardiam alguns carvões, porém sem chama, irradiando
em torno uma forte luz vermelha. A luz do dia havia desaparecido quase
completamente, deixando o quarto em plena obscuridade, salvo um amplo círculo
em volta do fogão. A Sra. A. se achava muito perto do fogo, de maneira que seu
rosto aparecia vivamente iluminado. Conversamos durante um bom pedaço de tempo;
logo fizemos uma pausa que se prolongou durante dois ou três minutos, após o
que lhe fiz uma pergunta, sem obter resposta. Ao mesmo tempo notei que minha
amiga respirava ruidosamente e, olhando-a fixamente no rosto, verifiquei que
sua fisionomia, assim como sua respiração, não davam mostras de achar-se em um
estado de sonolência normal. Fiquei, pois, à espera de alguma manifestação e,
tal como ocorre com frequência em nossas experiências, a manifestação teve
lugar, mas, por certo, mais distinta do que eu podia esperar. Enquanto eu
vigiava atentamente a médium, percebi que o seu semblante ia lenta, mas
positivamente, se transformando. O oval do rosto, as linhas, os traços da
fisionomia já não eram os mesmos tão familiares para mim. Logo se produziu
improvisadamente a transformação final, desaparecendo também o nariz aquilino
da Sra. A., vendo-me eu diante de um rosto de homem. Com indescritível assombro
reconheci nessa cara a reprodução perfeita do meu avô. Fiquei a tal ponto
impressionado que deixei escapar um grito de estupor, o que determinou a
instantânea desaparição do fenômeno e diante de mim ficou a Sra. A., já
desperta, a qual se apressou a pedir-me desculpa por haver dormido, incorrendo
em uma falta de atenção”.
60. Eis a parte final do relato: “Nada lhe disse de quanto
havia ocorrido, pois eu esperava que esse fenômeno teria ulteriores
desenvolvimentos e sabia por experiência que as manifestações adquiriam maior
valor teórico quando o médium ignorava os antecedentes... Transcorreu algum
tempo, e outra vez se produziu o inesperado... que, provavelmente, se realizou
por ter-se reproduzido casualmente uma idêntica situação de ambiente. Com efeito,
eu de novo me achava sentado ao lado da Sra. A., na sala de jantar, junto do
fogão, onde ardiam vivamente, mas sem chamas, alguns tições, que irradiavam em
torno uma brilhante luz vermelha. Achava-se então também presente a filha da
Sra. A. Não tardou que eu notasse não serem as condições de ambiente
inteiramente normais, sentindo um gelado sopro de ar que, baixando do teto, me
envolvia a cabeça. Esta última circunstância, unida às demais sensações
subjetivas, me induziu a vigiar atentamente o que estaria ocorrendo com relação
à Sra. A.; reparei, porém, que por sua vez ela me fitava com uma expressão de
grande assombro. Transcorrido algum tempo ela falou por fim, explicando que,
alguns momentos antes, meu rosto havia desaparecido debaixo da máscara de outro
rosto muito mais velho, de olhos claros e pele corada, com uma massa compacta
de cabelos branquíssimos. Ao mesmo tempo, tivera a impressão subjetiva de que
era meu avô que se manifestava. Sua filha, que estava sentada atrás de mim,
nada havia visto, naturalmente, de tal transfiguração, mas ficara alguns
momentos perplexa ao ver uma espécie de emanação de luz lunar em torno da minha
cabeça. O que mais me surpreendeu em tudo isto foi o fato de a Sra. A. nada
saber, em absoluto, a respeito de meu avô, apesar do que me descreveu com
muitíssima fidelidade. Era, pois, inegável que lhe percebera a imagem.
Estendi-me mais do que costumo fazer na descrição destas duas manifestações,
não só porque pertencem a uma categoria bem mais rara e interessante, como também
porque, no meu entender, das mesmas sobressai manifestamente o deliberado
propósito de proporcionar-me a tão desejada prova da sobrevivência do Espírito
humano. Da primeira vez fui testemunha do fenômeno; da segunda, porém, o foi a
Sra. A. e isto quer dizer que houve dois testemunhos independentes, que
assistiram ao mesmo fenômeno, com a formação do mesmo rosto de defunto, o que
reforça notavelmente a prova exigida acerca da realidade objetiva do fenômeno
em referência”.
61. Tais são as conclusões do relator e protagonista dos
fatos e o significado probatório, que decorre da observação coletiva do mesmo
fenômeno, é desta vez eficientemente reforçado pela circunstância, quiçá única,
da sucessiva manifestação do mesmo defunto mediante a transfiguração dos rostos
de dois médiuns.
62. Do ponto de vista da interpretação espírita dos fatos,
mostra-se sem dúvida notável a primeira manifestação do defunto por um médium
que jamais o conhecera e que ignorava o seu semblante: circunstâncias de fato
estas que induzem a concluir que o fenômeno da transfiguração do rosto da
médium no da entidade não poderia, desta vez, atribuir-se às "faculdades
modeladoras" da subconsciência.
63. Neste ponto parece indispensável que eu me detenha em
examinar o assunto nos limites que circunscrevem os denominados "poderes
criadores" da subconsciência humana e isso com o fim de eliminar algumas
opiniões errôneas a propósito, as quais não são apenas compartilhadas por
nossos opositores, mas, sob certos aspectos, também pelos propugnadores da
hipótese espírita. Entre estes últimos há, de fato, quem admite que os
"Espíritos dos defuntos" estão em condição de tomar a "forma
fluídica" ou a "forma materializada", animada e inteligente, de
outro defunto, mistificando de tal forma os vivos, enquanto os opositores
sustentam que o subconsciente do médium é capaz de criar fluidicamente ou
materializar fantasmas animados e inteligentes de defuntos por ele conhecidos
em vida, ou de defuntos também pelo médium desconhecidos, mas conhecidos de
algum dos presentes (clarividência telepática ou telemnésia).
64. Ora, tudo concorre para demonstrar que estão em erro
tanto os nossos antagonistas quanto certos espíritas, já que a análise
comparada dos fatos demonstra, ao contrário, que os "Espíritos
encarnados" como os "desencarnados" não estão em condições de
exteriorizar ou de reproduzir outra forma fluídica ou materializada, animada e
inteligente, que não a sua.
Respostas às
questões preliminares
A. Que sensação
os médiuns de efeitos físicos costumam registrar por ocasião dos fenômenos de
transfiguração?
A sensação relatada por muitos médiuns é uma espécie de
formigamento e comichão em todo o corpo, como se o médium estivera apertando
com as mãos os dois polos de uma forte bateria elétrica. Segundo Bozzano, um
bom número de médiuns de efeitos físicos acusa a mesma sensação, quer antes,
quer durante a manifestação dos fenômenos. A Sra. D'Esperance aludia muitas
vezes a essa sensação, que é como um prenúncio dos fenômenos, e com Eusápia
Paladino ocorria o mesmo. (A Morte e os
seus Mistérios, Caso 8.)
B. Há médiuns
que têm a faculdade de provocar fenômenos de assombramento no lugar em que se
encontrem?
Sim. Esse era o caso da médium Sra. Russell Davies, que
possuía a pouco invejável faculdade de provocar fenômenos de assombramento cada
vez que permanecia em alguma casa onde tivessem ocorrido, no passado, cenas de
sangue. (Obra citada, Caso 9.)
C. Que podemos
entender por “transfiguração alternante”?
Por “transfiguração alternante” entende-se o caso em que o
mesmo Espírito vale-se de dois médiuns para produzir, em fenômenos sucessivos,
a transfiguração, reproduzindo a efígie do seu próprio rosto. Dois casos desses
foram relatados pelo Sr. R. M. Sidgwick. No primeiro caso, materializou-se por
duas vezes a efígie do seu avô; a primeira vez, com a mediunidade da Sra. A. e
a segunda, com a sua própria mediunidade. (Obra citada, Casos 10 e 11.)
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