sábado, 31 de maio de 2014

A Igreja do diabo


JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

— Meu caro Joteli, pensas escrever sobre os vícios e leste “A Igreja do Diabo”, de nossa autoria. Descobriste, nesse conto, que o ser humano é incoerente; mas tudo é contraditório, na Terra, Jo, menos Deus e seu Filho unigênito, que, porém, ainda não são deste mundo.
Houve um tempo, em que o Governo estava nas mãos dos legítimos representantes do povo e de Deus. Quem não estivesse alinhado com esses representantes fazia parte dos “eleitos do demo”. Como “na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, segundo Lavoisier, os detentores provisórios do poder também “não se criam”, se transformam.
Só há um porém: nessa mutação, algo se ganha, algo se perde.
— Exemplifique, meu caro Machado.
— Pois não, o que o brasileiro está ganhando, atualmente, é uma “liberdade” que “nunca na história deste país” foi vista. Como consequência, cito sete conquistas:
a) o direito de manifestação pacífica tem levado às ruas milhares de pessoas;
b) no carnaval, milhões de camisinhas são distribuídas aos interessados gratuitamente;
c) foi proposta por uma sexóloga política de São Paulo a abolição do casamento;
d) também, insistentemente, vem-se incentivando a liberdade de escolha sexual;
e) há forte apelo feminista pela legalização incondicional do aborto;
f) já está sendo proposta, também, a prática legal da eutanásia;
g) o Supremo Tribunal Federal acaba de autorizar a realização da “marcha da maconha” em Brasília, sob a alegação de que, constitucionalmente, todos têm direito à liberdade de expressão.
Então, os manifestantes saíram às ruas com faixas como estas: “Descriminaliza”; “Maconha: cultive esta ideia”; “Legaliza a maconha”; “Legalizar o cultivo caseiro é combater o tráfico”.
— Meu bom Bruxo, afirma-se que “uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade”...
— “Bombruxo” é a... 
— Você falou sobre o que se ganha, mas o que se perde?
— Caro Jo, o que se perde resulta do que se ganha, afinal, como já te disse, o ser humano é a contradição em pessoa. Consequentemente:
a) ainda não houve sequer uma manifestação “pacífica” que não resultasse em enormes danos patrimoniais públicos e privados;
b) como é mais prazeroso transar sem camisinha, milhares de pessoas, de todas as idades, contraem Aids e diversas doenças venéreas; outras, jovens, engravidam sem o desejarem;
c) os adeptos da abolição do casamento recrudesceram ao estado de bárbaros sociais;
d) a liberdade de escolha sexual rebaixa o homem a um estágio evolutivo inferior ao da maioria dos animais, que ainda optam pelo acasalamento macho e fêmea; consequentemente, é negada, com essa prática, a lei de evolução humana;
e) a legalização do aborto dá à mulher poderes superiores aos da Divindade, proporcionando-lhe o direito de matar o ser que é gerado em seu ventre por Vontade de Deus; com isso, ela nega o “seja feita a Vossa Vontade” da prece “Pai Nosso” ensinada pelo Cristo, nosso modelo e guia de aperfeiçoamento espiritual;
f) a prática da eutanásia é semelhante ao homicídio legal, o que viola o mandamento divino do “não matarás”;
g) autorizar a realização da “marcha da maconha” é incentivar a propaganda ao comércio e consumo das drogas.
— É por isso, Machado, que três quartas partes da humanidade acende uma vela para Deus e outra para o diabo.
— Falta-lhes coerência, meu caro Joteli.
— O que se percebe, atualmente, Bruxo, é que o vício e as paixões atingiram tal grau de devastação nas consciências humanas, que os pervertidos são considerados normais e os normais são considerados pervertidos.
— Pois o que parecia pior ainda pode piorar. Com a permissividade dos costumes do jeito que está, o que é bem vai virar mal e o que é mal vai virar bem. Nesse dia, o demo terá concluído a sua obra e a Igreja de Deus será substituída pela Igreja do diabo.




sexta-feira, 30 de maio de 2014

Pílulas gramaticais (105)



A regência do verbo “dar” apresenta facetas curiosas.
Eis alguns casos de uso correto desse verbo:
– O deputado deu boas notícias aos eleitores (e não “para os eleitores”)
– O amigo Ivan sempre deu contribuições à entidade (e não “para a entidade”).
– O advogado deu entrada a um processo contra o vereador corrupto (e não “entrada em um processo”)
– Maria deu-se ao luxo de ir de longo à festa do sobrinho.
– O governador deu-se ao trabalho de telefonar pessoalmente ao velho amigo.
– Joana deu à luz três filhos (e não “deu a luz a três filhos”).
O último caso explica-se assim: dar à luz significa “pôr no mundo”.
  
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A locução “que nem” deve ser evitada. Assim, não digamos: “É inteligente que nem o pai”, mas sim: “É inteligente como o pai”.



quinta-feira, 29 de maio de 2014

Segundo o Espiritismo, que é médium?


Vilma pergunta-nos se uma pessoa qualquer que não tenha nenhum conhecimento do Espiritismo pode ser médium.
A resposta é sim. A mediunidade não é propriedade dessa ou daquela religião e, portanto, pode haver médiuns em qualquer meio e em qualquer povo.
Moisés foi um médium poderoso, assim como Jeremias e mais tarde, na época do Cristo, João, o evangelista.
Maomé recebeu, em momentos de transe, as suratas que formam o Alcorão.
Em todos esses casos o mundo não conhecia ainda a Doutrina Espírita, que nos ensina que a faculdade mediúnica é inerente ao homem e, por isso, não constitui privilégio de ninguém em especial.
Segundo o Espiritismo, todo aquele que sente, num grau qualquer, a influência dos Espíritos é, por esse fato, médium, e raros são os indivíduos que disso não possuam alguns rudimentos.
Essa é a explicação por que certas pessoas que jamais viram ou ouviram Espíritos ao longo de uma existência, quando chegadas a certa idade puderam vê-los e mesmo ouvi-los, fato que também se dá nos casos de enfermidade prolongada que debilita o corpo físico e, com isso, favorece o desprendimento da alma.
Esclareça-se, no entanto, que para fins didáticos só chamamos de médiuns aqueles em que a faculdade mediúnica se mostra caracterizada e se traduz por efeitos patentes, de certa intensidade, o que depende de uma organização mais ou menos sensitiva.



quarta-feira, 28 de maio de 2014

A paz não nos vem pela inércia



Continuamos, ontem à noite, o estudo metódico e sequencial do livro Ação e Reação, obra escrita por André Luiz, psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier e publicada em 1957 pela Federação Espírita Brasileira.
Eis o texto que serviu de base ao estudo realizado:

Questões para debate

A. Por que a Mansão Paz era, com certa frequência, atacada por entidades infelizes?
B. Como a Mansão Paz se defendia desses ataques?
C. Quem era o Espírito que fora trazido à Mansão em situação lastimável?

Texto para leitura

13. A Mansão é atacada – Silas ia continuar, quando estranho ruído chamou-lhe a atenção. Um mensageiro abeirou-se, então, de Druso e anunciou que, depois de amainada a tormenta, voltara o assalto dos raios desintegrantes. O dirigente determinou fossem ligadas as baterias de exaustão e convidou André e Hilário a irem com ele observar a defensiva, instalados na Agulha de Vigilância. Após percorrerem vastíssimos corredores e largos salões, subiram a uma torre, provida de escadaria helicoidal, algumas dezenas de metros acima do grande edifício. No topo, André viu em pequeno gabinete interessantes aparelhos que lhes permitiram contemplar a paisagem exterior. Assemelhavam-se a telescópios diminutos, que funcionavam como lançadores de raios que eliminavam o nevoeiro, permitindo-lhes a exata noção do ambiente constrangedor que os cercava, povoado de criaturas agressivas e exóticas, a fugir, espavoridas, ante vasto grupo de entidades que manobravam curiosas máquinas à guisa de canhonetes. A instituição estava assediada por um exército de irmãos infelizes. Com semelhante invasão – que era ali fato comum – os infelizes pretendiam deslocar a Mansão e levar seus trabalhadores à inércia, a fim de senhorearem a região. Os adversários valiam-se de equipagens estranhas. "Podemos defini-las como canhões de bombardeio eletrônico –  informou Druso. –  As descargas sobre nós são cuidadosamente estudadas, a fim de que nos atinjam sem erro na velocidade de arremesso." E se elas alcançassem o alvo? A esta pergunta, o dirigente respondeu: "Decerto provocariam aqui fenômenos de desintegração, suscetíveis de conduzir-nos à ruína total, sem nos referirmos às perturbações que estabeleceriam em nossos irmãos doentes, ainda incapazes de qualquer esforço para a emigração, porque os raios desfechados contra nós contêm princípios de flagelação, que provocam as piores crises de pavor e loucura". (Obra citada, capítulo 3, pp. 36 a 38.)

14. A paz não nos vem pela inércia – Ruído soturno vibrava na atmosfera. Tinha-se a impressão de que milhares de projéteis invisíveis cortavam o ar, violentamente, sibilando a reduzida distância e acabando em estalidos secos, a infundir em André e Hilário pavorosa impressão. Druso confortou-os: "Estejamos tranquilos. Nossas barreiras de exaustão funcionam com eficiência". Em seguida, mostrou-lhes longa muralha, constituída por milhares de hastes metálicas, cercando a cidadela em toda a extensão, qual se fosse larga série de para-raios habilmente dispostos. Em todos os lances do flanco atacado, surgiam faíscas elétricas, a fulgurarem nos pontos de contacto, atraídas pelas pontas a prumo. "Os conflitos aqui são incessantes – disse Druso –; no entanto, temos aprendido nesta Mansão que a paz não é conquista da inércia, mas sim fruto do equilíbrio entre a fé no Poder Divino e a confiança em nós mesmos, no serviço pela vitória do bem." Dito isto, o Instrutor foi atender um doente recolhido na noite anterior, que nada dizia, nem dera nenhum indício de identificação. Estava ele numa sala de regulares proporções, que primava pela simplicidade e pelo azul repousante. Em uma mesa desmontável, aquele homem disforme estirava-se em decúbito dorsal, respirando apenas. O aspecto do infeliz era repelente, apesar dos cuidados de que já fora objeto. Parecia sofrer inqualificável hipertrofia, mostrando braços e pernas enormes. O aumento volumétrico do corpo perispirítico era, no entanto, mais desagradável justamente na máscara fisionômica, em que todos os traços se confundiam: a cabeça do enfermo era tal qual uma esfera estranha.  (Capítulo 3, pp. 38 e 39)

15. A deformidade é de origem espiritual – O infeliz fora trazido até a Mansão por uma de suas expedições socorristas. Por enquanto, nada se sabia a seu respeito, salvo que deixara o círculo carnal sob o império de terrível obsessão, tão terrível que não pôde recolher o amparo espiritual das legiões caridosas que operam nos túmulos. "As regiões infernais – lembrou Druso – estão superlotadas do sofrimento que nós mesmos criamos. Precisamos equilibrar a coragem e a compaixão no mesmo nível, para atender com segurança aos nossos compromissos nestes lugares." Aludindo, em seguida, à causa da deformidade do infeliz irmão, o Instrutor informou a André: "O fenômeno, todo ele, é de natureza espiritual. Recorda-se você de que a dor no veículo físico é um acontecimento real no encéfalo, mas puramente imaginário no órgão que supõe experimentá-la. A mente, através das células cerebrais, registra a desarmonia corpórea, constrangendo a urdidura orgânica ao serviço, por vezes torturado e difícil, do reajuste. Aqui, também, o aspecto anormal, até monstruoso, resulta dos desequilíbrios dominantes na mente que, viciada por certas impressões ou vulcanizada pelo sofrimento, perde temporariamente o governo da forma, permitindo que os delicados tecidos do corpo perispirítico se perturbem, tumultuados, em condições anormais". "Em tal situação – acrescentou Druso –, a alma pode cair sob o cativeiro de Inteligências perversas e daí procedem as ocorrências deploráveis pelas quais se despenha em transitória animalização por efeito hipnótico." O Instrutor inclinou-se, então, sobre o enfermo, com a ternura de alguém que auscultasse um irmão muito amado, propondo: "Procuremos ouvi-lo". Incapaz de conter o assombro que o empolgava, André perguntou se ele dormia. Druso fez um gesto afirmativo, esclarecendo que o irmão se encontrava sob terrível hipnose. "Inegavelmente – aduziu o dirigente –, foi conduzido a essa posição por adversários temíveis, que, decerto, para torturá-lo, fixaram-lhe a mente em alguma penosa recordação." Qual seria a causa daquele martírio? Druso explicou que, excetuados os sacrifícios escolhidos pelas grandes almas, "não se ergue o espinheiro do sofrimento sem as raízes da culpa". "Para atingir a miserabilidade em que se encontra, nosso irmão terá acumulado débitos sobremaneira escabrosos." (Capítulo 3, pp. 39 a 41)

16. A entidade começa a falar – Druso passou, ato contínuo, a atuar diretamente sobre o enfermo, explicando: "Desintegremos as forças magnéticas que lhe constringem os centros vitais e ajudemo-lhe a memória, para que se liberte e fale". André e Hilário estabeleceram, então, uma corrente de oração, que colaborou para fortalecer o Instrutor, que passou, assim, a operar magneticamente, aplicando passes dispersivos no companheiro em prostração. Decorridos alguns minutos, Druso pousou a destra sobre a cabeça disforme, como se lhe chamasse a memória ao necessário despertamento e, logo em seguida, o desventurado começou a gemer, revelando o pavor de quem suspira por desvencilhar-se de um pesadelo. O Instrutor interrompeu, porém, a operação, deixando o enfermo naquele estado, o que levou Hilário a indagar, aflito: "Deverá permanecer, então, assim, à beira da vigília, sem reapossar-se de si mesmo?" Druso respondeu: "Não lhe convém o imediato retorno à realidade. Poderia sofrer deplorável crise de loucura, com graves consequências. Conversará conosco, assim qual se vê, com a mente enovelada à ideia fixa que lhe encarcera os pensamentos no mesmo círculo vicioso, a fim de que lhe venhamos a conhecer o problema crucial, sem qualquer distorção". A palavra do dirigente denotava grande experiência na psicologia dos Espíritos vitimados nas trevas. Druso fez nova intervenção sobre a glote. O infeliz descerrou as pálpebras e, mostrando os olhos esgazeados, começou a bramir: "Socorro! socorro!... sou culpado, culpado!... Não posso mais... Perdão! perdão!" Dirigindo-se ao Instrutor, e pensando que ele fosse algum juiz, exclamou: "Senhor juiz, senhor juiz!... até que enfim, posso falar! Deixem-me falar!..." Druso afagou-lhe a cabeça atormentada e replicou em tom amigo: "Diga, diga o que deseja". O rosto do enfermo cobriu-se de lágrimas e ele começou a falar, compungidamente: "Sou Antônio Olímpio... o criminoso!... Contarei tudo". (Capítulo 3, pp. 41 e 42)

Respostas às questões propostas

A. Por que a Mansão Paz era, com certa frequência, atacada por entidades infelizes?
Semelhantes invasões tinham o objetivo de deslocar dali a Mansão e levar seus trabalhadores à inércia, a fim de senhorearem a região. Para isso, seus adversários valiam-se de equipagens estranhas. "Podemos defini-las como canhões de bombardeio eletrônico – informou Druso. – As descargas sobre nós são cuidadosamente estudadas, a fim de que nos atinjam sem erro na velocidade de arremesso." (Ação e Reação, cap. 3, pp. 36 a 38.) 

B. Como a Mansão Paz se defendia desses ataques?
A cidadela era defendida por várias barreiras de exaustão, que funcionavam com eficiência. Cercava-a uma longa muralha, constituída por milhares de hastes metálicas, qual se larga série de para-raios estivessem ali habilmente dispostos. "Os conflitos aqui são incessantes – disse Druso –; no entanto, temos aprendido nesta Mansão que a paz não é conquista da inércia, mas sim fruto do equilíbrio entre a fé no Poder Divino e a confiança em nós mesmos, no serviço pela vitória do bem." (Obra citada, cap. 3, pp. 38 e 39.)

C. Quem era o Espírito que fora trazido à Mansão em situação lastimável?
Era Antônio Olímpio. Depois de ser atendido por Druso, ele descerrou as pálpebras e, mostrando os olhos esgazeados, começou a bramir: "Socorro! socorro!... sou culpado, culpado!... Não posso mais... Perdão! perdão!" Dirigindo-se ao Instrutor, e pensando que ele fosse algum juiz, exclamou: "Senhor juiz, senhor juiz!... até que enfim, posso falar! Deixem-me falar!..." Druso afagou-lhe a cabeça atormentada e replicou em tom amigo: "Diga, diga o que deseja". O rosto do enfermo cobriu-se de lágrimas e ele começou a falar, compungidamente: "Sou Antônio Olímpio... o criminoso!... Contarei tudo". (Obra citada, cap. 3, pp. 41 e 42.)




terça-feira, 27 de maio de 2014

A gratidão pela vida torna-se luz para a caminhada



CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR

Com miseravelmente pouco, muitos são extraordinariamente felizes.
E de fato, com simplicidade material, mas com prosperidade de entendimento, torna-se, indubitável, uma alma mais satisfeita e posteriormente um espírito mais venturoso.
Quanto bem-estar resplandece onde há pessoas amorosas, otimistas e que buscam a luz da compreensão, pois essas dificilmente ficarão alojadas no mesmo ancoradouro por um período maior de tempo, elas, assim, com naturalidade, conquistam estados mais felizes e patamares também mais elevados.
Foi como a passagem de um homem na África. Ele se denominava trabalhador das nascentes da vida; o seu trabalho consistia em ligar canos simples, de plástico, das nascentes de água e direcionar esse bálsamo a povoados que dificilmente tinham acesso a essa fonte.
O pagamento pelo trabalho era irrisório, mas a alegria e o sorriso estampados na face eram as características vistas naquele homem simples que se importava com os irmãos da jornada contemporânea. Ainda a cada ligação que construía e entregava ao novo povoado, no ato da cessão, ministrava, com humildade, sobre a real importância de preservar e manter a fonte de água fresca e vital. Ensinava-o a cuidar da nascente e o orientava a protegê-la da melhor maneira. O ensinamento ainda era mais objetivado às crianças, pois são a grandeza da continuação de tudo.
Todos se encontram onde serão proveitosos, aprendizes ou professores.
Um homem simples, em sua singeleza, em muitos casos, é a roupagem de um espírito com eminentes características amparadoras, mesmo assim, também a aprender e a reparar, como era o caso do senhor africano das nascentes.
No entanto, em meio a tão gigantescas vicissitudes, ele era feliz, seu olhar sorria juntamente com seus lábios de meia idade. O brilho dos olhos eram feixes seguros de luz.
Quando se reconhece o valor da vida, razão de tudo, por meio do respeito, paciência e amor, as mais simples coisas tornam-se fatores primordiais para a conquista das aparentemente maiores que, na verdade, são apenas as singelas que se desenvolveram.
Contentar-se hoje é criar forças para o passo de amanhã, pois se sabe quão mais produtivo, edificante e benéfico é o coração que se mantém feliz.
Entretanto, debilitar-se pelos fatores infelizes criados pelo próprio ser é, sem dúvida, permanecer no mesmo lugar com os olhos voltados para o chão, sem forças, sem esperança. A vida é luz, é estrada maravilhosa, a atenção deve haver para o caminho que se busca e a maneira que se anda.
E muitas nascentes puras ainda existem e são direcionadas aos que desejam libertar-se da ignorância e da autopiedade.
Como os campos floridos, o sorriso de criança, um abraço em quem se ama, a primeira onda que molha os pés, a água fresca que mata a sede; a vida é também isso, a vida é tudo e é presente e deve ser recebida e aberta, delicadamente, com o alegre sentimento de gratidão por, mais uma vez, brilhar a luz e trazer a oportunidade para o progresso da centelha que também é divina, mas necessita desenvolver-se para o aprimoramento, e isso concretizado com alegria tanto mais fácil será para o próprio coração, com evidência para todo o bem do plano coletivo.

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segunda-feira, 26 de maio de 2014

As mais lindas canções que ouvi (89)


Mágoas de caboclo

Leonel Azevedo e J. Cascata


Cabocla, seu olhar está me dizendo
Que você está me querendo,
Que você gosta de mim...
Cabocla, não lhe dou meu coração,
Hoje você me quer muito,
Amanhã não quer mais não.

Não creio mais em amor nem amizade,
Vivo só para a saudade
Que o passado me deixou,
A vida para mim não vale nada
Desde o dia em que a malvada
O coração me estraçalhou.

Às vezes pela estrada enluarada
Lembro-me de uma toada
Que ela para mim cantava,
Quando eu era feliz e não pensava
Que a desgraça em minha porta
Passo a passo me rondava.

Depois que ela partiu eu fiquei triste,
Nada mais pra mim existe,
Fiquei no mundo a penar...
E quando eu penso nela,
Oh! grande Deus!
Eu sinto dos olhos meus
Triste lágrima rolar...


Você pode ouvir a canção na voz de um dos cantores abaixo, clicando nos respectivos links:



domingo, 25 de maio de 2014

Afinal, quem somos e que queremos?



A sociedade terrena encontra-se mergulhada numa situação muito difícil.
A um só tempo os órgãos de comunicação nos mostram pessoas que morrem à míngua em diversos países do planeta, multidões vitimadas por flagelos naturais inúmeros, crianças sem abrigo, jovens que partem deste mundo após um aborto malsucedido, políticos flagrados com o dinheiro da corrupção, oculto até nas meias, e, por fim, a busca da legalização da eutanásia em países diversos, como já ocorreu, anos atrás, na Holanda.
Se acrescentarmos a isso as tribulações pessoais, veremos mais: o drama dos que se encontram desempregados, os jovens que buscam nas drogas ou no suicídio a solução para os seus dilemas e a falência moral dos tempos modernos, que engendra o crime, a violência, a corrupção e o desespero, até mesmo em um país como o nosso, rico por natureza e onde o povo se intitula garbosamente adepto do Cristianismo.
Afinal, quem somos e que queremos?
Como Allan Kardec escreveu certa vez, se a Humanidade fosse considerada somente pelo ângulo da vida no planeta Terra, poder-se-ia concluir que a espécie humana triste coisa é. Seria como se analisássemos a população de uma grande cidade levando-se em conta somente os enfermos de um hospital ou os detentos de uma penitenciária. Ora, uma cidade não se resume aos que vivem nos referidos locais, mas é a reunião de todos os elementos que a compõem: os enfermos, os criminosos, as pessoas sadias, os pobres, os ricos, os velhos, os jovens e as crianças.
Desse modo, assim como em uma penitenciária não se encontra toda a população da cidade, a Humanidade não se acha inteiramente na Terra. Os Espíritos não pertencem exclusivamente ao nosso orbe. Existem muitas moradas na casa do Senhor, conforme Jesus fez questão de nos revelar, e todas elas são necessárias para o nosso progresso.
No planeta em que vivemos ocorre o que muitos chamam de estranho paradoxo. O avanço científico extraordinário dos últimos cem anos coincidiu com a eclosão de duas guerras mundiais e com o estado de alerta permanente dos povos que temeram por muito tempo, com razão, o advento de uma terceira grande guerra, que certamente seria a última.
A contradição apontada por alguns é, porém, falsa, porque o planeta sempre esteve envolto em guerras. Estas têm marcado a história da Humanidade terrena. Como o progresso científico verificado no globo não foi acompanhado de um equivalente progresso moral, tem-se a impressão de que se verifica na Terra um processo de involução ou retrocesso, quando o que ocorre é, efetivamente, uma revolução, derivada dos séculos de tortura, perseguições, exploração e morte, cuja finalidade é limpar o terreno para as futuras gerações comprometidas com a paz e a justiça social.
Nesse sentido, devemos ter sempre em mente estas palavras de Jesus: “Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra”. (Cf. Mateus 5:5.)
Nunca será demais repetir que a morte e a reencarnação estabelecem um sistema de trocas entre o plano material e o plano espiritual. A morte leva daqui, todos os dias, as gerações acumpliciadas com a velha ordem. A reencarnação traz de novo à cena os seres que, havendo por aqui passado inúmeras vezes, retornam com novas ideias e ânimo redobrado no sentido de estabelecer o reino de Deus na Terra.
É necessário, porém, que as ideias materialistas, fortalecidas pelo materialismo dos que se intitulam cristãos, não concorram para o efeito contrário, que seria a destruição em vez da preservação desta morada acolhedora que dá o alimento e o amparo a todos os que a buscam com espírito de tolerância, trabalho e solidariedade.
O estado de fome e penúria em que vivem muitos povos é um fenômeno antes moral que econômico, visto que ninguém ignora que os recursos aplicados na arte da guerra são mais que suficientes para erradicar a miséria e implantar as escolas de que o mundo carece.
Não devemos chegar, obviamente, ao ponto de somente mirar as coisas do céu. Em tudo, o meio termo é sinônimo de bom senso. Mas não deixemos que a visão estreita da vida, esse materialismo desenfreado que nos consome, aniquile as possibilidades imensas que se encontram à nossa disposição para o nosso crescimento no rumo do infinito, o qual nos aguarda a todos, queiramos ou não, seja qual for a concepção que tenhamos da vida.


sábado, 24 de maio de 2014

As moscas e as moças


JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

Caro leitor, há milhares de anos, o ser humano vem sendo assassinado por nefastos animais. Perguntará você se essas feras seriam os leões, os jacarés, a cobra cascavel, a sucuri, os enormes elefantes ou os tubarões. Ante nossa resposta negativa, imaginará ferozes cães (Nenhuma intenção de rimar com tubarões, é claro.). E eu lhe responderei: “Não, não e não”.
Para tirá-lo do suspense, meu caro, dir-lhe-ei que as feras assassinas são de tal modo subestimadas por nós que as chamamos de insetos, mais precisamente, mosquitos da dengue, da malária, da febre amarela... Não há piquenique que não seja atrapalhado por eles. Também, por analogia, denominamos assim as pessoas desprezíveis, insignificantes, como este mísero escrivão que lhe tenta transmitir minhas luminosas ideias, com pífio sucesso.
Pois bem, tentando controlar a proliferação de insetos, inventamos o DDT, cujos efeitos colaterais têm sido devastadores para a natureza e para a saúde humana. Na busca de uma alternativa ao combate da multiplicação das moscas, cientistas analisaram, no laboratório da Universidade Rockefeller, os processos sensoriais por meio dos quais os mosquitos escolhem suas vítimas.
Agora vem a parte científica da coisa (Que coisa!): para estudar o modo de pousar, picar e alimentar desses insetos, os pesquisadores enfiam o braço na toca dos mosquitos e se deixam picar. As picaduras vão depender de dois quesitos: genética do mosquito e característica da pele do cientista.
A new chapter in our life. Tão logo descubram o que leva os mosquitos a nos picar ou deixar em paz, as soluções irão de pulseiras repelentes a armadilhas para reduzir drasticamente as populações desses insetos. Quando isso acontecer, muita coceira e muitas mortes serão evitadas. Ainda bem que as cobaias têm como se prevenir desses efeitos colaterais, não é mesmo, leitora paciente?
Curiosamente, os machos não são hematófagos; só as fêmeas se alimentam do nosso sangue. Os machos são hematófobos. Na civilização atual, a inversão de gostos sexuais tem sido uma verdadeira epidemia. Será por que o número de picados pelas moscas tem provocado uma mutação genética entre os humanos? Não sei, nem quero saber. Afasta-te de mim, satanás.
É por isso que nosso orgulho é perda de tempo. Um simples inseto mata mais gente no mundo do que todos os grandes animais reunidos. Com todo o respeito aos cientistas que se expõem às picadas, eu é que não dou meu braço à picadura de mosca alguma. Prefiro picar as moças.




sexta-feira, 23 de maio de 2014

Pílulas gramaticais (104)


A preposição contra exige hífen antes de palavra iniciada pelas letras “a” e “h” e, excepcionalmente, nas palavras contra-erva, contra-erva-bastarda e contra-erva-do-peru.
Exemplos:
contra-ataque
contra-almirante
contra-habitual
contra-harmonia.
Nos demais casos, o hífen não é mais aplicável, como nos exemplos seguintes: contracepção, contrabaixo, contracenar, contrarregra, contrassenso, contrarreforma, contrasseguro.
Quando substantivada, a palavra contra é variável, como ocorre com os substantivos em geral. Exemplo: Os contras da Nicarágua ficaram famosos na época do presidente Reagan.
Quando se une à palavra “mão”, formando o vocábulo contramão, pode ter o valor de substantivo, de adjetivo ou de advérbio.
Exemplos:
O automóvel entrou na contramão (substantivo).
Pista contramão (adjetivo).
Ruas contramão (adjetivo).
O motorista entrou contramão (advérbio).
Seu prédio fica contramão para mim (advérbio).
Há casos em que a preposição forma palavras estranhas ao vernáculo. “Contraceptivo”, por exemplo, é considerado galicismo. Devemos usar, então, em seu lugar o vocábulo “anticoncepcional”.
Em caso de dúvida pertinente à ortografia, é sempre útil consultar o VOLP - Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Eis o link - http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=23



quinta-feira, 22 de maio de 2014

Como nasceu a doutrina espírita?



Como foi elaborada a doutrina espírita?
Mais de um neófito em matéria de Espiritismo já nos apresentou essa questão, um assunto que mesmo entre os adeptos da doutrina espírita é pouco discutido. Conhecendo-o, passamos a valorizar ainda mais o trabalho dos pioneiros que, junto de Allan Kardec, fizeram com que as ideias espíritas formassem um corpo harmônico e lógico.
Kardec, em diversos itens de A Gênese, sua derradeira obra, escreveu a respeito do assunto. Assim, o que adiante diremos baseia-se nas informações firmadas pelo próprio Codificador do Espiritismo.
Como meio de elaboração, o Espiritismo procedeu exatamente da mesma forma que as ciências positivas, aplicando o método experimental.
Fatos novos se apresentavam, que não podiam ser explicados pelas leis conhecidas. Ele os observou, comparou, analisou e, remontando dos efeitos às causas, chegou à lei que os rege. Em seguida, deduziu-lhes as consequências e as aplicações úteis.
Não se estabeleceu nenhuma teoria preconcebida. Desse modo, não foram sugeridas como hipóteses a existência e a intervenção dos Espíritos, nem o perispírito, nem a reencarnação, nem qualquer dos princípios da doutrina. É bom lembrar que não existiam espíritas àquela época, e que o meio onde os fenômenos se tornaram marcantes era dominado por católicos e protestantes.
A existência dos Espíritos se impôs quando isso ressaltou evidente da observação dos fatos, e de igual maneira se procedeu quanto aos outros princípios. Não foram os fatos que vieram confirmar a teoria: a teoria é que veio, subsequentemente, explicar e resumir os fatos.
Esse é o motivo que levou Kardec a afirmar, categoricamente, que o Espiritismo é uma ciência de observação e não produto da imaginação. Sabe-se que as ciências em geral só fizeram progressos importantes depois que seus estudos se basearam sobre o método experimental. Ocorre que muitos pensavam que esse método só era aplicável à matéria, ao passo que ele é também aplicável às chamadas coisas metafísicas, e foi exatamente esse o mérito de Kardec.
Eis um exemplo por ele citado:
Ocorre no mundo espiritual um fato muito singular, de que seguramente ninguém houvera suspeitado: há Espíritos que, embora desencarnados, não se consideram “mortos”, ou seja, pensam que ainda pertencem ao plano em que nós, encarnados, militamos.
Os Espíritos superiores, que sabem perfeitamente disso, não vieram dizer antecipadamente: «Há Espíritos que julgam viver ainda a vida terrestre, que conservam seus gostos, costumes e instintos». Não foi isso que ocorreu. Eles provocaram a manifestação de Espíritos que se encontravam na aludida situação, para que fossem observados.
Tendo-se visto Espíritos incertos quanto ao seu estado, ou afirmando ainda serem deste mundo, julgando-se aplicados às suas ocupações ordinárias, deduziu-se a regra. A multiplicidade de casos análogos demonstrou que o fato não era excepcional e que constituía mesmo uma das fases da vida espírita, pela qual muitos passam. Pôde-se então estudar todas as variedades e as causas de tão singular ilusão, apurando-se, graças à observação, que tal situação é própria, sobretudo, de Espíritos pouco adiantados moralmente e peculiar a certos gêneros de morte, mas é sempre temporária, ainda que, em alguns casos, possa durar semanas, meses ou anos.
Foi assim que a teoria nasceu da observação e o mesmo se deu com relação a todos os outros princípios da doutrina.




quarta-feira, 21 de maio de 2014

A culpa é sempre uma nesga de sombra eclipsando-nos a visão



Demos prosseguimento, ontem à noite, ao estudo metódico e sequencial do livro Ação e Reação, obra escrita por André Luiz, psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier e publicada em 1957 pela Federação Espírita Brasileira.
Eis o texto que serviu de base ao estudo realizado:

Questões para debate

A. Por que uma pessoa abastada pode reencarnar em condições de vida paupérrimas?
B. Por que muitos Espíritos não se lembram de suas existências anteriores?
C. A reencarnação é, às vezes, para um Espírito uma oportunidade de libertação dos círculos tenebrosos?

Texto para leitura

9. Efeitos do amor mal conduzido – Tão logo Druso se calou, uma senhora triste dirigiu-se a ele em lágrimas: "Meu amigo, releve-me a intromissão. Quando partirei para o campo terrestre com meu filho? Tanto quanto posso, visito-o nas trevas... Não me vê, nem me escuta... Sem se dar conta da miséria moral a que se acolhe, continua autoritário e orgulhoso... Paulo, no entanto, não é para mim um inimigo... é um filho inolvidável... Ah! como pode o amor contrair tamanho débito?!..." O Instrutor, antes de dizer àquela senhora que em breve se daria o retorno de ambos ao cenário terrestre, para o necessário resgate, ponderou-lhe que o amor é força divina que frequentemente aviltamos. Com ela temos inventado o ódio e o desequilíbrio, a crueldade e o remorso, que nos fixam indefinidamente nas sombras... "Quase sempre – disse ele –, é mais pelo amor que nos enredamos em pungentes labirintos no tocante à Lei... amor mal interpretado... mal conduzido..." A pobrezinha se retirou com um sorriso de paciência e Druso confidenciou: "Nossa irmã possui excelentes qualidades morais, mas não soube orientar o sentimento materno para com o filho que jaz nas sombras. Instilou nele ideias de superioridade malsã, que se lhe cristalizaram na mente, favorecendo-lhe os acessos de rebeldia e brutalidade. Transformando-se em tiranete social, o infeliz foi fisgado, sem perceber, ao pântano tenebroso, em seguida à morte do corpo, e a desventurada genitora, sentindo-se responsável pela sementeira de enganos que lhe arruinou a vida, hoje se esforça por reavê-lo". E, respondendo uma pergunta de Hilário, informou: "Nossa irmã, que amoleceu a fibra da responsabilidade moral no excesso de reconforto, voltará à reencarnação em círculo paupérrimo, recebendo aí, quando novamente mulher jovem, então desprotegida, o filho que ela própria complicou nas antigas fantasias de mulher fútil e rica. Ser-lhe-á, na carência de recursos econômicos, a inspiradora de heroísmo e coragem, regenerando-lhe a visão da vida e purificando-lhe as energias na forja da dificuldade e do sofrimento". Se vencerem, eis a felicidade almejada. Se novamente se perderem, "regressarão em piores condições aos precipícios que nos circundam", acrescentou Druso. (Capítulo 2, pp. 28 a 30)

10. Esquecimento do passado – Logo depois, um velhinho cambaleante aproximou-se dizendo: "Ah! meu Instrutor, estou cansado de trabalhar nos tropeços daqui!... Há vinte anos carrego doentes loucos e revoltados para este asilo!... Quando terei meu corpo na Terra para descansar no esquecimento da carne, aos pés dos meus?" Druso afagou-lhe a cabeça e respondeu, comovido: "Não desfaleça, meu filho! Console-se! Também nós, faz muitos anos, estamos presos a esta casa, por injunções de nosso dever. Sirvamos com alegria. O dia de nossa mudança será determinado pelo Senhor". O ancião calou-se. Um moço quis saber, então, por que não se lembrava de suas existências anteriores. O Instrutor respondeu: "Bem, os Espíritos que na vida física atendem aos seus deveres com exatidão, retomam pacificamente os domínios da memória, tão logo se desenfaixam do corpo denso, reentrando em comunhão com os laços nobres e dignos que os aguardam na Vida Superior, para a continuidade do serviço de aperfeiçoamento e sublimação que lhes diz respeito; contudo, para nós, consciências intranquilas, a morte no veículo carnal não exprime libertação. Perdemos o carro fisiológico, mas prosseguimos atados ao pelourinho invisível de nossas culpas; e a culpa, meu amigo, é sempre uma nesga de sombra eclipsando-nos a visão". "Nossas faculdades mnemônicas, relativamente às nossas quedas morais, assemelham-se, de certo modo, às conhecidas chapas fotográficas, as quais, se não forem convenientemente protegidas, sempre se inutilizam." Após ligeira pausa, Druso continuou: "Imaginemos a mente como sendo um lago. Se as águas se acham pacificadas e límpidas, a luz do firmamento pode retratar-se nele com segurança. Mas, se as águas vivem revoltas, as imagens se perdem..." Se nosso pensamento vive preso aos sítios e paisagens da Crosta, identificando-se com as reminiscências que permanecem ao longe – o lar, a família, os compromissos mal resolvidos –, tudo isso representará lastro, inclinando a mente para o mundo físico... Indispensável, pois, libertar o espelho da mente que jaz sob a alma do arrependimento, do remorso e da culpa, "e esse espelho divino refletirá o Sol com todo o esplendor de sua pureza". (Capítulo 2, pp. 30 a 32)

11. Dificuldades à vista – A explicação de Druso foi interrompida com a chegada do Assistente Barreto, que, exibindo recôndita aflição a sombrear-lhe os olhos, avisou que, na Enfermaria Cinco, três dos irmãos recém-acolhidos entraram em crise de angústia e rebeldia... Druso determinou, de imediato: "Retire os enfermos normais e aplique na enfermaria os raios de choque. Não dispomos de outro recurso". Tratava-se de um caso de loucura por telepatia alucinatória. Os recém-chegados não estavam, ainda, suficientemente fortes para resistir ao impacto das forças perversas que lhes eram desfechadas, a distância, por companheiros infelizes. Logo que Barreto saiu, outro servidor notificou: "Instrutor, a tela de aviso que não funcionava, em consequência da tormenta agora em declínio, acaba de transmitir aflitiva mensagem... Duas das nossas expedições de pesquisas estão em dificuldade nos desfiladeiros das Grandes Trevas..." Druso recomendou-lhe desse ciência do fato ao diretor de operações urgentes, para que o auxílio fosse enviado o mais depressa possível. Chegou então, de modo inesperado, outro colaborador, que pediu: "Instrutor, rogo-lhe providências na solução do caso Jonas. Recolhemos agora um recado de nossos irmãos, cientificando-nos de que a reencarnação dele talvez seja frustrada em definitivo". O dirigente da Mansão, mostrando intensa preocupação no olhar, indagou: "Em que consiste o obstáculo?" "Cecina, a futura mãezinha – informou o mensageiro –, sentindo-lhe os fluidos grosseiros, nega-se a recebê-lo. Estamos presenciando a quarta tentativa de aborto, no terceiro mês de gestação, e vimos fazendo o que é possível por mantê-la na dignidade maternal." O Instrutor, esclarecendo ser preciso que Jonas ficasse pelo menos sete anos no corpo físico, determinou que Cecina fosse trazida até a Mansão, tão logo se entregasse ao sono natural, para que a pudessem auxiliar com a necessária intervenção magnética. (Capítulo 3, pp. 33 e 34)

12. Reencarnações expiatórias – André Luiz estava intrigado. Quem eram aqueles funcionários que se dirigiam assim ao Instrutor, com tantas consultas, quando os trabalhos da administração poderiam ser subdivididos? O Assistente Silas, a quem André dirigiu suas dúvidas, informou que aqueles mensageiros não eram simples tarefeiros, mas condutores de serviço em subchefias determinadas, todos eles Assistentes e Assessores, cultos e dignos, com enormes responsabilidades, e que somente demandavam a presença de Druso, depois de movimentarem todas as providências cabíveis no âmbito de sua autoridade. O problema não era, pois, de centralização, mas de luta intensiva. Para explicar o caso da reencarnação de Jonas, que perigava, Silas falou-lhe: "Para que me faça compreendido, convém esclarecer que, se existem reencarnações ligadas aos planos superiores, temos aquelas que se enraízam diretamente nos planos inferiores. Se a penitenciária vigora entre os homens, em função da criminalidade corrente no mundo, o inferno existe, na Espiritualidade, em função da culpa nas consciências. E assim como já podemos contar na esfera carnal com uma justiça sinceramente interessada em auxiliar os delinquentes na recuperação, através do livramento condicional e das prisões-escolas, organizadas pelas próprias autoridades que dirigem os tribunais humanos em nome das leis, aqui também os representantes do Amor Divino podem mobilizar recursos de misericórdia, beneficiando Espíritos devedores, desde que se mostrem dignos do socorro que lhes abrevie o resgate e a regeneração". Há, assim, reencarnações que valem como "preciosas oportunidades de libertação dos círculos tenebrosos". Como tais renascimentos na carne não possuem senão característicos de trabalho expiatório, em muitas ocasiões são empreendimentos planejados e executados ali mesmo, por benfeitores credenciados para agir e ajudar em nome do Senhor. Druso gozava, nesse sentido, de relativa competência, como autoridade intermediária, nos processos reencarnatórios. Duas vezes por semana, ele e seus Assistentes reuniam-se no Cenáculo da Mansão (templo íntimo da instituição) e os mensageiros da luz – prepostos das Inteligências angélicas –, por instrumentos adequados, deliberavam quanto ao assunto, apreciando os processos que a Casa lhes apresentava. Silas, sorrindo, acrescentou: "Assim como o doente exige remédio, reclamamos a purgação espiritual, a fim de que nos habilitemos para a vida nas esferas superiores. O inferno para a alma que o erigiu em si mesma é aquilo que a forja constitui para o metal: ali ele se apura e se modela convenientemente..." (Capítulo 3, pp. 35 e 36)

Respostas às questões propostas

A. Por que uma pessoa abastada pode reencarnar em condições de vida paupérrimas?
Tal providência tem caráter educativo. Este livro focaliza um desses casos em que determinado Espírito, que amoleceu a fibra da responsabilidade moral no excesso de reconforto, voltaria à reencarnação em círculo paupérrimo, recebendo aí, quando novamente mulher jovem, então desprotegida, o filho que ela própria complicou nas antigas fantasias de mulher fútil e rica. Ela, então, será para o filho, na carência de recursos econômicos, a inspiradora do heroísmo e da coragem, regenerando-lhe a visão da vida e purificando-lhe as energias na forja da dificuldade e do sofrimento. Se vencerem, eis a felicidade almejada. Se novamente se perderem, regressarão em piores condições ao plano espiritual. (Ação e Reação, cap. 2, pp. 28 a 30.)

B. Por que muitos Espíritos não se lembram de suas existências anteriores?
Um moço desencarnado fez esta mesma pergunta ao Instrutor Druso, que assim lhe respondeu: "Bem, os Espíritos que na vida física atendem aos seus deveres com exatidão, retomam pacificamente os domínios da memória, tão logo se desenfaixam do corpo denso, reentrando em comunhão com os laços nobres e dignos que os aguardam na Vida Superior, para a continuidade do serviço de aperfeiçoamento e sublimação que lhes diz respeito; contudo, para nós, consciências intranquilas, a morte no veículo carnal não exprime libertação. Perdemos o carro fisiológico, mas prosseguimos atados ao pelourinho invisível de nossas culpas; e a culpa, meu amigo, é sempre uma nesga de sombra eclipsando-nos a visão". Dito isto, Druso acrescentou: "Nossas faculdades mnemônicas, relativamente às nossas quedas morais, assemelham-se, de certo modo, às conhecidas chapas fotográficas, as quais, se não forem convenientemente protegidas, sempre se inutilizam". (Obra citada, cap. 2, pp. 30 a 32.)

C. A reencarnação é, às vezes, para um Espírito uma oportunidade de libertação dos círculos tenebrosos?
Sim. Há reencarnações que visam exatamente a esse objetivo. Como tais renascimentos na carne não possuem senão característicos de trabalho expiatório, em muitas ocasiões são empreendimentos planejados e executados ali mesmo, por benfeitores credenciados para agir e ajudar em nome do Senhor, e Druso gozava, nesse sentido, de relativa competência, como autoridade intermediária, nos processos reencarnatórios. (Obra citada, cap. 3, pp. 35 e 36.)




terça-feira, 20 de maio de 2014

Juan García e o segredo de uma vida


CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR

O doce e o azedo; o frio e o gelado; o claro e o escuro; o fundo e o raso; o sim e o não; o bem e o mal.
Pela aparência das árvores e a grande quantidade de folhas amarronzadas para o laranja, a estação era o outono. Este tempo se situa entre o verão e o inverno, e na vida humana sua posição se encontra na fase anterior à velhice.
Naquela estação de trem, um jovem estrangeiro estava pela primeira vez. Gostaria de ter chegado ao determinado país para realizar estudos do idioma, aperfeiçoamento da língua inglesa, nativa, daquele lugar.
Há certos casos em que os fatos são bem distintos quanto à idealização. Então, não havia ninguém para aguardá-lo, pois não houve acordo algum anterior à sua chegada. Estava muito interessado em aprender o novo idioma, no entanto, a verdade era que o jovem viera em busca de uma vida com melhores oportunidades financeiras. Em seu bolso, havia pouco mais da quantia para se fazer uma refeição diária por cinco dias.
Santiago deixara a vida no Chile dos vinhedos para a esperança da britânica ocasião, onde o céu era cinza na maioria das vezes, entretanto, a polidez usual e a valorização cidadã inspiravam-no a uma sociedade mais ideal do que conhecera em sua terra até agora vivida.
Os olhos do jovem, ainda na estação, buscavam o lado direito do caminho, não estavam certos, então, desejaram observar o outro lado e depois à frente; a direção seria tomada para o horizonte que mais se afinizasse com seu coração. Pois bem, o jovem escolhera e o primeiro passo recebeu a energia comandada pela programação bem antes assumida.
Mas aonde ir? Não havia lugar para o pernoite, e Santiago andou por ruas largas e algumas estreitas. Tentando economizar o mísero dinheiro, pensou que conseguiria ficar sem comer, sem alimentar o corpo físico, mas este é movido a energia apropriada para a sua manutenção. Há de se alimentar os corpos com o alimento compatível à sua formação: corpo somático ou físico, perispírito e espírito.          
Durante o caminho escolhido, quantos pensamentos surgiram na mente do rapaz. Vinham a voz esclarecedora sugerindo ânimo e a voz desanimadora podando a luz da esperança. Quando percebeu que a inquietação interna estava realmente desordenada, teve apenas uma atitude: a prece.
O jovem deixou a maleta ao lado e com a fé aliada ao ensinamento da família quanto à importância da oração, por ser ele oriundo de um núcleo familiar bastante religioso, na calçada mesmo, rogou a Deus, proteção, sabedoria e discernimento para o presente e futuro tão próximo.
Naquele momento, cuja concentração, fé e energia amorosa se fundiram, a luz brilhante uniu Santiago ao Alto e um determinado raio de extensão ao seu redor também se iluminou com a luz radiosa, curadora, esclarecedora e protetora da oração sincera. Após a conexão, o jovem estava mais calmo e revigorado com a capacidade de, pelo menos por aquele momento, poder orientar-se, fortalecer-se e proteger-se de investidas negativas e maléficas.
Após aquela conturbação vencida, Santiago, caminhando com mais equilíbrio e paz, deparou-se com um anúncio pregado num poste na calçada, que dizia estas palavras: “Contrata-se jovem para trabalhar em oficina; há quarto para dormir. Entrevistas somente na terça-feira de manhã.” O jovem sofrera para compreender o novo idioma, mas entendeu. E a terça seria o dia seguinte. Ele se ajeitou sobre uma cobertura comercial e começou a comer o lanche que havia comprado minutos antes de enxergar o anúncio.   Mesmo com muita fome, o rapaz comera com calma e mastigava várias vezes antes de engolir. O corpo agradecia a energia para manter-se com força a fim de continuar o seu objetivo.
Depois de alimentado e de ter amansado a sede com um restinho de água da garrafa que trouxera da viagem, ajeitou-se no local que mesmo público e sem conforto acolhedor, pôde se acomodar para, pelo menos, descansar um pouco para no dia seguinte dar início, de fato, aos passos nos degraus de seu objetivo.
Os primeiros raios de sol, incrivelmente, começaram a surgir no cenário gris londrino. Então, quando Santiago acordou, com um pequeno brilho iluminando seu rosto, sem dúvida, sentiu que a nova etapa poderia, sim, ser muito feliz. Preparou-se como pôde e logo pegou a direção de onde se precisava: do jovem que viera da América do Sul.
Santiago caminhava com a confiança da realização do iminente primeiro objetivo; como ainda é um plano material, faz-se necessária a energia do dinheiro, e o trabalho honesto é o meio mais seguro e confiável para a aquisição desse recurso.
E os seus passos levaram-no para o estabelecimento de interesse. O rapaz, com sua pequena maleta, olhou, procurou por alguém, entrou alguns passos e, logo, um homem, muito bem vestido veio ao seu encontro.
– Bom dia, em que posso ajudá-lo? – o homem perguntou com um olhar bastante simpático.
– Bom dia, senhor! Estou aqui por causa da vaga para ajudante de mecânico, ou melhor, para trabalhar em que precisar na oficina – o rapaz respondeu um pouco acanhado.
– Você tem alguma experiência?
– Não, senhor, mas preciso muito trabalhar e também de um local para dormir.
– Pelo sotaque, vejo que não é inglês.
– O senhor está certo. Sou do Chile e meu nome é Santiago.
– Então, você é a capital do país? – o homem falou em tom leve de brincadeira.
Santiago sorriu.
– Quantos anos você tem? – o homem quis saber.
– Tenho vinte anos, senhor! – respondeu o jovem.
– De início, não é um salário muito bom, mas poderá se manter. E penso que precisará aprender o idioma para melhor se comunicar e compreender.
– Sim, senhor! Quero muito aprender – respondeu o rapaz.
– Pois bem, seja bem-vindo ao país e ao seu novo trabalho. Se quiser... já está contratado – o homem, sucintamente, falou.
– Quero, quero, sim. Muito, muito obrigado!
Apertaram-se as mãos.
– Desculpe-me, por favor, como é o seu nome, senhor?
– Ah, sim. Meu nome é Juan García.
Santiago admirou-se:
– O senhor é...
– Sim, também sou chileno – falou interrompendo.
– Quanta coincidência! – o jovem estava muito surpreso.
– Coincidência não existe, rapaz. Há sempre um fio que liga os acontecimentos da vida, as pessoas pelas quais passaremos e as quais passarão por nós. Venha, vou lhe mostrar o seu quarto – o homem convidou.
Santiago seguiu Juan. Durante o percurso, o dono da oficina apresentou-lhe alguns funcionários e mecânicos e também o levou para conhecer o local onde ficavam os carros para o conserto. Era uma grande área total.
Finalmente, o rapaz chegou ao quarto no qual poderia guardar sua maleta com tão poucas roupas.
– Este será seu dormitório enquanto trabalhar na oficina. É individual.
– Gostei muito, senhor. É quase do tamanho de minha casa, no Chile, na qual moravam cinco pessoas, agora, quatro – Santiago, feliz, estava. – Senhor, com profundo sentimento, agradeço-lhe. Farei todo o trabalho com muita disciplina e capricho. Muito obrigado, senhor – o rapaz curvou-se e abaixou um pouco a cabeça demonstrando seu respeito e reconhecimento pela oportunidade.
– Tudo bem! Tudo bem! Receberei sua gratidão com um bom trabalho realizado. Vamos! Vamos! Tome um banho, troque-se de roupa e vá para o refeitório tomar o café da manhã. Após a refeição, passe no meu escritório para regularizar os documentos e, em seguida, começará a aprender o ofício. Procure pelo senhor Dimitrius.
Os jovens olhos, atentamente, compreenderam a ordenação. Outra vez agradeceram.
O senhor Juan, atropelando sua emoção, deixou logo o jovem e voltou ao trabalho.
Durante o trajeto até o escritório, o homem estava conturbado; seus pensamentos estavam confusos, recebiam informações incoerentes e as imagens lançadas poderiam ser reveladoras ou, simplesmente, algumas situações com equívocos próprios da mente.
Quando Juan chegou à sua sala, pegou um copo d’água com a crente promessa de se acalmar e voltar ao normal, ou melhor, à forma mais estável e serena cotidiana. No entanto, a vida é a própria arte e não há como fugir do espetáculo.
Santiago, em trinta minutos, havia tomado banho e estava no refeitório para tomar o café da manhã. Um pouco tímido, aproximou-se do balcão no qual lhe ofereceriam a bandeja com pão, leite, café e uma fruta. Recebeu o desjejum e foi sentar-se para a refeição.
Carregando a bandeja, não acreditava que já havia conseguido emprego e lugar para ficar. Sentia-se tão feliz, pois em breve poderia enviar algum dinheiro para a família.
Comera tudo o que lhe fora servido. Então, devolveu a bandeja no balcão e agradeceu a senhora que o servira.
Com passos mais rápidos, foi procurar pelo senhor Dimitrius, quem lhe ensinaria o trabalho.
Encantou-se com o local. Perguntando pelo senhor, logo o encontrou.
– Bom dia, senhor! Sou Santiago.
– Bom dia, meu rapaz. Sou Dimitrius. Seja bem-vindo e venha que você começará a aprender o ofício.
O jovem acompanhou o senhor.
Do primeiro andar, o senhor Juan García tinha a visão completa da oficina que era especializada na parte elétrica de automóveis. O dono podia ver, mas não era visto pelo vidro, havia um insulfilm espelhado, impedindo a visão interna.
O dono da oficina tinha um filho, Estevan, com dezenove anos. O jovem observou, silencioso, todo o desencadeamento e a contratação de Santiago. Como conhecia seu pai, percebeu que ele estava, de certa forma, inquieto por algo relacionado ao rapaz chileno. Estevan também reparou que o pai estava em pé e observava, pelo vidro, alguma coisa na parte da oficina.
Sem comentar, o curioso filho levantou-se e buscou a mesma direção do olhar paterno. O único alvo para o ângulo era a figura do jovem Santiago que aprendia o novo trabalho.
– O que tanto interessa ao senhor? Nunca o vi observar por mais de dez segundos sequer... e já dura quase dois minutos sua observação com um certo interesse... parece-me – o filho, incomodado e com desconforto, questionou o pai.
– Não... somente observo se o novo rapaz está interessado realmente pelo trabalho, apenas isso – o pai respondeu um pouco desconsertado.
– Isso é estranho, pois nem sequer vira os novos contratados, mal sabia o nome – insistiu o filho.
– Por favor, Estevan, chega de falar! – o pai pediu rispidamente.
O filho saiu e bateu a porta do escritório. O pai fechou os olhos com a batida, mas logo os abriu e buscou, mais uma vez, a figura de Santiago que, ao mesmo tempo, o incomodava e lhe trazia tanta alegria.
Os dias se passavam.
Dimitrius ensinava todo o trabalho para o rapaz chileno que aprendia com maestria e muito capricho.
Sempre havia os olhos de Estevan cuidando dos passos do novo funcionário. E a perseguição passou a se transformar em ciúme doentio, rivalidade exacerbada, descontrole emocional.
E Santiago não possuía nenhum sentimento negativo, muito menos pelo filho do patrão; na verdade, quase nem o via, quase nem o conhecia. No entanto, a cada dia, Estevan sentia maior o sentimento negativo e começou a criar formas de pôr fim a essa situação.
Algo incomum foi Juan García querer conhecer mais o jovem chileno. Então, para não se aproximar tanto do rapaz, passou a perguntar a Dimitrius como o jovem era, como era o seu comportamento. E o responsável pelo trabalho o elogiava com os mais significativos atributos. A cada descoberta, Juan passava a gostar mais do jovem estrangeiro.
Passou a se enxergar em Santiago quando tinha essa mesma idade em sua juventude.
Estevan, após quase um ano de sofrimento, pelo ciúme e inveja do jovem estrangeiro, que era pobre e sozinho, sugeriu ao pai que o demitisse.
– E qual seria o motivo? – perguntou Juan.
– O motivo é que não faz um bom trabalho e ainda não sabe se comunicar – o filho respondeu com frases incoerentes para quem conhecia o jovem estrangeiro.
– Que mais? – o pai perguntou, rude.
– E não é o suficiente? – o filho respondeu com outra pergunta. – Pai, diga-me, por que o senhor o admira tanto e lhe tem todo esse carinho? E por que nunca me admirou e nem demonstra afeto por mim? – o filho questionou com sentimentos em desequilíbrio.
Juan García, no escritório onde estavam, sentiu-se tão perturbado perante as palavras e o estado do filho.
– Estevan, meu filho, não sei aonde quer chegar! – simplesmente o pai falou. – O que lhe falta? Tem tudo – o pai respondeu também alterado.
– Não tenho, não! O senhor só se refere a coisas materiais... Por Santiago, sente um carinho que nunca teve por mim. Por que para ele, enquanto eu sou o seu filho? – o rapaz gritou e saiu do escritório batendo a porta.
Juan García permaneceu no lugar. Seu estado emocional também era perturbador.
Nenhum funcionário percebera; os dois se desentenderam a portas fechadas.
E por ordem de Dimitrius, Santiago foi levar uma nota de serviço ao patrão. Dificilmente Santiago subia ao escritório; raras foram as vezes. No entanto, naquele momento acontecera.
Com vergonha e receio, o rapaz chegou à sala. Bateu silenciosamente à porta, recebeu uma voz de autorização para entrar.
Quando os olhos do homem perceberam o rapaz, foi como fazer descer uma cortina de agradável imagem à sua frente. Tudo se apaziguou.
– Senhor, Dimitrius pediu para trazer-lhe esta nota de serviço – o rapaz, em tom baixo, falou.
– Sim, Santiago. Entre, por favor!
O jovem encostou, cuidadosamente, a porta e se aproximou do patrão com o documento, entregando-lhe.
Juan García pegou o papel, mas logo pediu:
– Por favor, sente-se, gostaria de conversar um pouco.
Santiago, com muita timidez, se sentou ocupando apenas parte da dianteira do assento da cadeira demonstrando desconforto pela situação, pois muito simples e humilde era o rapaz.
– Você está contente aqui, meu jovem? – perguntou.
– Sim, senhor. Estou muito – ponderava o que era necessário.
– Não sei muito sobre você, sobre sua família. Como era a sua vida no Chile? – perguntou interessado.
– Senhor, vivia uma vida com muita privação... minha família ainda vive assim – o rapaz respondeu.
– Conte-me um pouco sobre você – pediu o patrão.
– O senhor quer saber, mesmo? – insistiu pela insegurança de falar de fato.
– Por favor, sobre sua família também.
O rapaz observou-o desacreditando que estivesse interessado em sua história, mas, assim, começou:
– Minha família é muito pobre. Bem, a história começa por minha mãe que foi abandonada há quase vinte anos por um homem, quando soube que ela estava grávida; portanto, não conheço meu pai de verdade, mas Lorenzo me criou como seu próprio filho, tornando-se meu pai do coração e eu, seu filho do peito; ele sempre cuidou muito bem de minha mãe. Quando eles se casaram, eu estava com dois anos, mas minha mãe me contou que nos dois anos antes de conhecê-lo, muita fome passamos. Não havia ninguém para nos ajudar e meus avós maternos não aceitaram minha mãe, grávida e solteira – o rapaz, com calma, contava. – O senhor quer que eu continue? – perguntou com receio.
– Por favor, Santiago! – o senhor pediu.
– Depois do casamento, nasceram os meus dois irmãos, Azucena e o caçula Paco; cada vez mais nos sentíamos uma família, mas a dificuldade financeira aumentou, até que minha mãe adoeceu recentemente e por falta de trabalho, decidi buscar uma nova oportunidade de emprego para ajudar minha família.
A cada palavra, Juan García se sentia mais interessado e, ao mesmo tempo, tão incomodado com os fatos revelados.
– E quando cheguei aqui e encontrei este trabalho, tanto agradeci a Deus e ainda, com lugar para dormir, pois economizaria e enviaria mais dinheiro ao tratamento de minha mãe querida – Santiago completou.
Fez-se um silêncio. Olhos se olharam.
O semblante do rapaz era tão bom, mesmo com tantas situações aflitivas já vividas.
– Desculpe-me, senhor Juan – o rapaz se sentiu constrangido pelo silêncio do interlocutor.
– Santiago, por favor, qual era o nome de sua mãe? Se quiser responder – pediu o homem.
– Posso, sim, senhor. Minha mãe se chama María Dolores.
Quando Juan ouviu esse nome, seus olhos se dispersaram no horizonte em busca de suas memórias. Estático, completamente, estático, ele ficou.
– O senhor está bem? – Santiago perguntou, assustado, com a fisionomia pálida de Juan.
Ele demorou a responder e quando voltou para aquele momento, lançou outra pergunta:
– Por favor... e qual é o sobrenome?
– De minha mãe?
– Sim...
– Sosa. María Dolores Sosa – falou o nome completo.
Juan buscou subitamente a cadeira mais próxima para não se perder no chão.
– O senhor está bem? – Santiago, rapidamente, se aproximou. – Vou pegar um copo d’água.
Naquele momento o jovem serviu o senhor.
Como um quebra-cabeça, o homem juntava algumas informações e intensamente simpatizava com o rapaz. O rosto de uma jovem mulher ficava rondando a mente de Juan com exagerada insistência. Atos do passado investiam contra os do presente.
Quando um pouco de equilíbrio estava prestes a aparecer, a porta bruscamente se abriu e Estevan presenciou a pior cena para o seu ciúme exagerado: Santiago, com uma das mãos no ombro de Juan e com a outra oferecia-lhe um copo d’água, com o cuidado tão próximo.
Naquele momento, todo sentimento denso e negativo do filho foi lançado ao pai e ao jovem chileno. Palavras depreciativas, esbravejadas e infelizes foram lançadas e direcionadas tão ferozmente.
Minutos perduraram horas angustiantes. Por fim, três almas feridas dividiam o mesmo ambiente.
Estevan, então, desnorteado, saiu do escritório; sem entender nada, Santiago pediu para se retirar; Juan García, com incontáveis pensamentos confusos, procurou a ficha do jovem rapaz para conferir o seu nome completo e, principalmente, se certificar do nome do genitor.
Com as mãos trêmulas, procurava sem encontrar a ficha desejada; o nervosismo sempre cega os olhos da razão, o que tão claro e próximo está.
Desorganizou todos os ordenados documentos e, finalmente, os olhos lacrimejados identificaram o nome do rapaz e conferiu: Santiago Sosa Hernandez.
Como se o homem despencasse num abismo em sua consciência e soltasse o desassossegado monstro que tanto o ameaçara e o ferira durante duas décadas e um pouquinho mais.
Veio como uma espada em brasa também a lembrança de seu sobrenome que há muito não usava: Juan García Hernandez. Seu peito sentiu-se diminuir querendo deixar de existir, fugir para um lugar onde, neste momento, não haveria, pois à sua consciência pertence tanto o momento favorável quanto o desesperador.
Reviveu com forte emoção a ocorrência do passado que não o deixara até o momento desses dias. Lutou a cada amanhecer contra sua consciência implacável que o acusava incessantemente, carregava o seu próprio juiz.
Lembrou-se do primeiro sorriso de María Dolores, em sua companhia e, na mesma hora, ouviu mais uma vez o choro da mulher quando lhe contara que esperava um filho seu. Juan não quis tamanho compromisso e despejou a mulher grávida na ladeira do desgosto e da infelicidade. Desde esse ato em diante, ele não mais encontrou o brilho do sol, nem o colorido das flores, muito menos, os segundos de paz, nem mais uma noite de verdadeiro descanso e refazimento. Sua vida se compunha de antes e depois da arbitrária decisão cometida.
Então, o homem buscou novos ares em terras estrangeiras, imaginou que longe da situação, do local e da pessoa, pudesse recomeçar como se nada houvesse... mas não se foge do que lhe pertence; aonde quer que se vá também vão as dores e os amores que se hajam conquistado.
Conheceu nova mulher e logo constituiu família tentando a paz, mas garantindo apenas uma grande decepção permitida pela ilusão criada por ele.
Quantas noites, já com a nova etapa em outro país, ficou em claro sem poder dormir, sem a tranquilidade que restaura o corpo e a alma, eterno espírito.
E o outro filho nascera no núcleo atual, mas Juan não era capaz de se alegrar com a nova criatura sabendo que havia outra talvez passando por tanto sofrimento, necessidade primária e até mesmo de toda sorte.
Com as estações que se passavam, Juan não conseguia cultivar amor pelo filho do convívio, pois sempre sofria com a comparação de um que podia ter tudo o que precisava e de outro que nem ao menos sabia se fora capaz de sobreviver e, se assim fosse, quantas necessidades e desgostos, podia ele ter passado.
O homem começou a repelir o filho; não havia carinho, amor. O tratamento era somente de um pai provedor das questões materiais.
E assim, Juan deixou de cumprir sua obrigação diante dos comprometimentos acordados no plano imaterial, tanto com um filho quanto com outro; espíritos compromissados para retificação e posterior progresso. Entretanto, ainda pela imperfeição de espíritos perfectíveis, o sofrimento ocupava a maior parte das emoções.
Estevan cresceu com a ausência do pai presente; Santiago, com um pai que lhe renegara num impulso impensado, mas com a bondade do Alto recebera um pai que o amara tanto e lhe proporcionou ensinamentos sobre moral e os bons sentimentos.
Um pai e dois filhos que se imaginavam perto, cada um com seu segredo, com o seu desejo de conviver. O pai que se cobrava pela irresponsabilidade; o filho mais velho desejoso de conhecer e compreender o motivo do abandono; o filho mais novo insistindo pelo amor paterno sob o mesmo teto, mas não um lar.
Com a emoção dando início ao equilíbrio, Juan García estava novamente junto de seu corpo, retornara da imensa viagem em sua memória, lembranças tão presentes e atormentadoras pelos atos, pelo tempo.
Olhou para o Alto como uma alma que roga a Deus, força, discernimento, amparo. Naquele dia, mais nenhuma emoção seu coração suportaria.
A noite veio, e muitas questões difíceis se resolvem durante o sono dos aflitos, com amparo dos bons amigos.
Pela manhã, o homem pediu, no escritório, a presença de seu filho Estevan e também a do jovem Santiago.
Os dois jovens atenderam ao pedido e estavam presentes.
No começo da conversa, os olhos se incomodavam uns com os outros e fugiam rapidamente de suas indagações. No entanto, as resoluções também são imprescindíveis e sempre ocorrem.
E este era um dos momentos no qual se encerra um tempo para um novo caminho.
– Chamei-os a fim de elucidar um acontecimento, por uma ação inadequada, irracional, o profundo equívoco e desencontro.
Durante o esclarecimento, as lágrimas rancorosas e ciumentas de Estevan passaram a se transformar em compadecidas lágrimas e amorosamente fraternais, pois ainda aqui, em graus de parentesco, eram, sim, irmãos em busca do horizonte de paz.
As lágrimas mais doces e amparadoras de Santiago abraçaram o pai tão desejado e embalaram com amor o choro carente do irmão.
Palavras apropriadas foram intuídas pelo amparo rogado com tanto amor e piedade. Enquanto Juan García expunha todo o ocorrido era-lhe ministrada energia calmante e refazedora do Alto, de mãos amigas e bondosas; dois amigos espirituais rodeando os três também amparavam e protegiam a ocasião.
Os jovens ouviam não mais a dor, mas um sentimento maior de amor e perdão fortalecidos pela compreensão.
E naquele momento, o pai e os dois filhos de hoje se ouviam e começaram, pela primeira vez em tantas oportunidades falidas, um entendimento de que somente com amor sustentado pelo perdão é que poderiam encontrar a paz tão necessária para a trilha da vida, caminho da libertação.
Estevan olhou o pai com olhar de um menino puro, simples, carente do carinho paterno que, agora, sim, começou a receber e como se redescobriu sendo irmão.
Santiago, com o contentamento pleno da alma, admirava estar ao lado do pai e mais ainda se felicitou em observar no olhar do recém-irmão a força a mais para uma grande caminhada que teriam pela frente, os três.
Aquela quinta-feira recebeu o brilho do sol. O pai, com seus dois meninos, abraçou-os, beijou-os; seu coração depois de, aproximadamente, vinte anos passou a compassar na harmonia que só a bondade, a paz e o amor promovidos pelo perdão são capazes de sintonizar o perfeito intervalo para o sopro da vida.

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