O Espiritismo perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 6
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de
Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa
servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do
Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas
encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. Por que, apesar da renovação
incessante das células do nosso corpo, a memória se mantém intacta?
B. Do exame isento de todas as teorias
científicas apresentadas, que dedução se extrai com relação à existência da
alma?
C. O magnetismo já era conhecido entre
os povos da antiguidade?
Texto para leitura
141. Luys foi o primeiro que propôs
assimilar a faculdade da memória a uma ação física. Supondo as células nervosas
como certos corpos capazes de armazenar, de algum modo, as vibrações que lhes
chegam, tal como as substâncias fosforescentes que continuam a brilhar depois
de desaparecida a fonte luminosa, assim as células nervosas poderiam vibrar,
mesmo depois que cessasse de agir a causa excitante.
142. Niepe de Saint Victor, em suas
pesquisas sobre as propriedades dinâmicas da luz, chegou a mostrar que as
vibrações luminosas podiam armazenar-se numa folha de papel, em estado de
vibrações silenciosas, durante um tempo mais ou menos longo, prestes a
reaparecerem sob a ação de uma substância reveladora. Foi assim que se pôde,
tendo-se conservado, na obscuridade, gravuras expostas precedentemente aos
raios solares, revelar, muitos meses após a insolação, com auxílio de reativos
especiais, os traços persistentes da ação fotogênica do Sol sobre a superfície
delas.
143. Em apoio à sua teoria, Luys cita
exemplos de fosforescência orgânica, tirados do funcionamento dos órgãos dos
sentidos. Ele atribui à fosforescência orgânica as ações que derivam do hábito,
como os exercícios do corpo, a dança, a esgrima, o toque dos instrumentos de
música, etc. Depois, filia a essa fosforescência todos os fenômenos da memória.
144. Essa explicação não nos pode
satisfazer, por muitas razões: a fosforescência dos elementos nervosos está
demonstrada para um tempo muito curto; ademais, nenhuma experiência estabeleceu
que ela existisse no cérebro.
145. Há uma segunda razão que destrói
radicalmente a suposição de um armazenamento da vibração. Diz Luys
textualmente: “Esta aptidão maravilhosa (fosforescência orgânica) da célula
cerebral, incessantemente entretida pelas condições favoráveis do meio em que
ela vive, mantém-se, incessantemente, em estado de verdor, enquanto as
condições físicas de seu agregado material respeitadas, e ela está associada
aos fenômenos vitais do organismo.”
146. Como já vimos, Moleschott supõe
que o corpo se renova de trinta em trinta dias; sem ir tão longe, podemos
admitir que todas as moléculas do corpo são substituídas por outras ao fim de
sete anos, como quer Flourens. Esse naturalista, operando em coelhos, mostrou
que, em determinado lapso de tempo, os ossos estavam inteiramente mudados, e
que, em lugar dos antigos, novos se haviam formado.
147. Ora, o que se dá com os ossos,
dá-se com os demais tecidos e com as células nervosas em particular. Se a fosforescência
orgânica é uma propriedade do elemento nervoso, ela impressiona ou o conjunto
da célula, ou as moléculas que a compõem. Quando a célula inteira se renova,
isto é, quando os elementos que a constituem são absorvidos pelo organismo, as
moléculas que vêm tomar o lugar das que desapareceram não possuem mais o
movimento vibratório que impressionou suas antecessoras, de sorte que, quando
todas as células são mudadas, não existe nenhum dos movimentos vibratórios
antigos, ou por outra, a fosforescência orgânica desapareceu, tanto de cada uma
das moléculas como do conjunto da célula.
148. Se só nessa propriedade residisse
a memória, deveria esta ficar aniquilada completamente ao fim de um tempo mais
ou menos longo, mas que não poderia exceder de sete anos. De sete em sete anos,
teríamos que reaprender tudo que já sabíamos; ou melhor, como a evolução das
partículas do corpo se faz constantemente, nossas lembranças desapareceriam à
medida que as moléculas se renovassem, de sorte que seríamos incapazes de aprender
o que quer que fosse.
149. Sabemos que não é o que acontece,
e que nossa personalidade e nossa memória persistem, apesar da torrente de
matéria que atravessa nosso corpo. A despeito das moléculas diversas que se
incorporam em nós, temos a lembrança e a consciência de sermos sempre os
mesmos, e isto só se pode explicar admitindo a existência de uma força que não
varia como a matéria na qual se registram os conhecimentos que adquirimos pelo
trabalho. Esta força, essência imaterial, é a alma, que, apesar das negações
materialistas, revela sua presença, por pouco que se estudem, imparcialmente,
os fenômenos que se passam em nós.
150. Luys define o automatismo: A
propriedade que apresentam as células nervosas vivas de entrarem
espontaneamente em movimento e traduzirem de modo inconsciente os estados
diversos da célula postos em agitação. Por outra forma: A atividade automática
da célula viva é a reação espontânea da sensibilidade íntima da célula,
solicitada de qualquer maneira.
151. É sempre a teoria do elemento
nervoso que age diretamente, em virtude de suas forças íntimas, e de modo
próprio; e é com tal equívoco que o autor pode interpretar o fato a seu favor.
É incontestável que se passam em nós ações de que não temos consciência. As
experiências de Charles Robin, feitas no cadáver de um supliciado, mostraram
que as funções da medula se perpetuavam enquanto a vida dos elementos não havia
desaparecido, e isto com tanta regularidade como se o cérebro as dirigisse.
152. Devemos atribuí-las às
propriedades íntimas das células nervosas? Para o saber, recorramos a Claude
Bernard, que assim se exprime:
“No homem há duas espécies de
movimentos: 1°. os conscientes ou voluntários; 2º. os inconscientes,
involuntários, ou reflexos (ou automáticos), porque, sob nomes diversos, são a
mesma coisa.
O movimento reflexo é um movimento
para cuja execução concorrem sempre três ordens distintas de elementos do
sistema nervoso: o elemento sensitivo, o elemento motor e a célula.
Se se produzisse um movimento sem uma
dessas condições, sem a participação de um desses elementos, não seria mais um
movimento reflexo. Com efeito, todo movimento reflexo implica três coisas bem
distintas:
1º. uma excitação do nervo sensitivo
num lugar qualquer de seu comprimento;
2º. uma excitação do nervo motor que
se traduz pela contração de um músculo;
3º. um centro que serve de transição
e, por assim dizer, de traço de união desses dois elementos, de maneira a
produzir a irritação do segundo, sob a influência do primeiro.”
153. Sabemos que a matéria viva é
inerte, que não pode entrar em movimento por si própria; as ações automáticas
são devidas sempre à irritação de um nervo sensitivo, que transmite a excitação
a um nervo motor por meio da célula. É por esta forma que se executam os atos da
respiração, da contração do coração, da digestão etc., nos quais a vontade não
intervém habitualmente; entretanto, verificou-se que existe um ponto colocado
no cérebro que modera as ações reflexas. A alma manifesta, por conseguinte, a
sua presença sempre, quer de maneira direta, pelos movimentos voluntários, quer
indireta, nas ações reflexas, pela intervenção dos centros moderadores.
154. A argumentação de Luys limita-se
a afirmações desmentidas pela ciência, de sorte que seus raciocínios,
apoiando-se em bases falsas, chegam a deduções em oposição formal à verdade.
Nem a sensação, nem a fosforescência, nem o automatismo têm o sentido e o
alcance que se lhes quer emprestar. É por meio dessas interpretações mutiladas
que a teoria materialista parece ter uma força que efetivamente ela não possui.
155. Das teorias examinadas até agora,
nenhuma dá a certeza de que a alma não seja uma entidade. Com um exame atento,
deduz-se, pelo contrário, a convicção de que o espírito ou alma existe
realmente e manifesta sua presença em todas as ações da vida. Nem os profundos
conhecimentos químicos de Moleschott, nem o grande talento de sábios como
Broussais, Buchner, Carl Vogt, Luys etc. são suficientes não só para invalidar
a crença na alma como, simplesmente, para fazer duvidar de sua realidade.
156. Há um século temos a nosso
alcance um poderoso instrumento de investigação que nos revela, de maneira
formal, a existência da alma; queremos falar da ciência magnética. Nas
discussões precedentes, ainda podem subsistir dúvidas no espírito de certos
leitores. Mas, com os fatos fornecidos pelo magnetismo, separa-se a alma do
corpo; ela dele se desprende e manifesta sua realidade por fenômenos
surpreendentes; ela se afirma separada do seu invólucro carnal e se diz vivendo
uma existência especial.
157. Esta é a razão pela qual nos
ocuparemos, na segunda parte, dos fatos que deixam fora de dúvida a existência
do eu pensante, da alma.
158. Muito tempo desconhecido,
ridicularizado e mesmo perseguido, o magnetismo, como todas as grandes
verdades, tem vida forte; longe de definhar ao sopro das perseguições, tomou um
desenvolvimento considerável e se nos apresenta com seu cortejo de homens
ilustres e eruditos, com milhões de experiências probantes, como para mostrar à
Humanidade de que aberrações são capazes as corporações científicas.
159. Há hoje uma reação em seu favor.
Em todas as partes, os jornais e as revistas médicas se ocupam com os fatos
maravilhosos produzidos pelo hipnotismo, nome novo de que o magnetismo se
revestiu. Ao abrigo desse pseudônimo, insinuou-se no santuário dos príncipes da
ciência, que o não reconhecendo, a princípio, lhe fizeram boa acolhida; agora,
porém, sabendo com que tratam, desejaria negar-lhe o parentesco estreito com o
magnetismo, que continuam a proscrever.
160. Antes de estudar esse recém-chegado
em capítulo especial, ocupemo-nos do magnetismo propriamente dito. Na primeira
parte desta obra, ficou estabelecido que a ciência não autorizava ninguém a
falar em seu nome, quando se trata de combater a existência da alma. Os mais
eminentes fisiologistas reconhecem sua incapacidade para explicar a vida
intelectual, sem a intervenção de uma força inteligente. A filosofia concluiu
pela necessidade do princípio pensante; a experiência, por sua vez, prova à
evidência, pelos processos do magnetismo, a presença da alma como potência
diretriz da máquina humana.
161. Há um século pesquisas minuciosas
se fazem nesse domínio. Homens sérios, convictos e dedicados mostraram que o
charlatanismo não tem parte alguma nas verdadeiras ações magnéticas e que se
achavam em face de uma modificação nervosa que era preciso estudar.
162. Puységur, Deleuze, Du Potet,
Charpignon, Lafontaine e outros, homens de ciência e de incontestada
honestidade, descreveram, em suas numerosas publicações, milhares de
experiências verídicas, que constam em atas assinadas pelos nomes mais honestos
e mais conhecidos. Negar hoje os fatos seria infantilidade ou má-fé.
163. A fim de mostrar nossa
imparcialidade, só tomaremos, como demonstração da existência da alma, as
experiências bem averiguadas; reportar-nos-emos, em grande parte, ao relatório
sobre o magnetismo apresentado à Academia de Medicina, e lido nas sessões de 21
e 28 de junho de 1831, em Paris, por Husson, relator.
164. Os outros testemunhos serão
tomados, ora a adversários das doutrinas espiritualistas, que não poderão ser
acusados de complacência, ora a escritores especiais, que trataram destas
questões, mas, neste caso, as suas narrativas se apoiam na autoridade de
médicos, que as acompanharam em todas as suas fases.
165. A ciência magnética compreende
certo número de divisões, conforme as diferentes categorias de fenômenos.
Assinalaremos, aqui, os fatos que se relacionam com o desprendimento da alma,
deixando de lado o aspecto terapêutico dessa ciência cultivada pelos nossos antepassados.
166. Sem fazer a história detalhada do
magnetismo, podemos lembrar que ele foi conhecido em todos os tempos. Os anais
dos povos da antiguidade formigam em narrativas circunstanciadas, que mostram o
profundo conhecimento que do magnetismo tinham os antigos sacerdotes.
167. Os magos da Caldeia, os brâmanes
da Índia curavam pelo olhar e por meio dele proporcionavam o sono. Ainda hoje,
na Ásia, os sacerdotes estão de posse do segredo dos seus predecessores, e
particularmente no Hindostão os faquires cultivam com êxito as práticas
magnéticas, como relatam os viajantes que percorreram essas regiões.
168. Os egípcios colheram sua religião
e seus mistérios na grande fonte da Índia; empregavam, no alívio dos
sofrimentos, os passes e a aposição de mãos, como os executamos ainda em nossos
dias. Cita Heródoto, em muitas passagens, os santuários onde iam ter os
peregrinos, desejosos de curar-se com os remédios que os hierofantes descobriam
em sonho. Diodoro de Sicília diz positivamente que os doentes chegavam em
multidão ao templo de Ísis, para aí serem adormecidos pelos sacerdotes. A maior
parte dos pacientes caíam em crise e indicavam, eles mesmos, o tratamento que
os devia reconduzir à saúde.
169. O templo de Serápis, de
Alexandria, era afamado, porque restituía o sono aos que dele se viam privados.
Conta Estrabão que, em Mênfis, os sacerdotes adormeciam e nesse estado davam
consultas médicas. A História está repleta das narrações de curas por esse
processo. Arnóbio, Celso e Jâmblico ensinam em seus escritos que havia entre os
egípcios, em todas as épocas, pessoas dotadas da faculdade de curar por meio da
aposição das mãos e de insuflações, conseguindo, muitas vezes, fazer
desaparecer doenças tidas como incuráveis.
Respostas às questões preliminares
A. Por que, apesar da renovação incessante das células do
nosso corpo, a memória se mantém intacta?
Esse fato só se pode explicar
admitindo-se a existência de uma força que não varia como a matéria na qual se
registram os conhecimentos que adquirimos pelo trabalho. Esta força, essência
imaterial, é a alma, que, apesar das negações materialistas, revela sua
presença, por pouco que se estudem, imparcialmente, os fenômenos que se passam
em nós. (O Espiritismo perante a Ciência,
Primeira Parte, Cap. II - O materialismo positivista.)
B. Do exame isento de todas as teorias científicas
apresentadas, que dedução se extrai com relação à existência da alma?
De acordo com Delanne, nenhuma das
teorias examinadas nos dá a certeza de que a alma não seja uma entidade. Com um
exame atento, deduz-se, pelo contrário, a convicção de que o espírito ou alma
existe realmente e manifesta sua presença em todas as ações da vida. (Obra
citada, Primeira Parte, Cap. II – O materialismo positivista.)
C. O magnetismo já era conhecido entre os povos da
antiguidade?
Sim. Ele foi conhecido em todos os
tempos. Os anais dos povos da antiguidade formigam em narrativas
circunstanciadas, que mostram o profundo conhecimento que do magnetismo tinham
os antigos sacerdotes, seja na Caldeia, na Índia ou no Egito. (Obra citada,
Segunda Parte, Cap. I – O magnetismo e sua história.)
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