JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
Você deve estar lembrada, leitora amiga,
da conversa que tive com as pombas, no Rio de Janeiro, no dia 23 de agosto de
1896. Há poucos dias, portanto... Saiu n’A Semana.
Passara num banco onde estivera para
obter notícias do câmbio e... para encurtar a história, relatei-lhe que o
câmbio oscilava, mas não subia dos nove réis. Repentinamente, fui informado que
o câmbio baixara à casa dos oito, o que, para os especuladores era mau agouro,
principalmente pela possibilidade desse fato ocorrer avant la lettre (1) .
O que poderia suceder quando o estado
definitivo fosse definido para baixo? O preço das minhas calças, na Rua
Primeiro de Março, subiria aos céus.
Fui andando e vi a igreja da Cruz dos
Militares... Cruz! Deus me livre de nova intervenção... Já basta o Ministério
Público, o juiz Sérgio Moro, o STF... Ops, esqueci-me de que estou no século
XIX, embora as coincidências com o século XXI... Pause!
De repente, o que vejo hoje? Não três
pombas, mas sete corvos. Lembrei-me, então, de um dos versos do soneto “Budismo
moderno”, de Augusto dos Anjos: “Ah! um urubu pousou na minha sorte”. Foi
quando pensei: Que são os devaneios bachelardianos ante tais aves? Também a elas se referiu, entretanto, Jesus,
quando nos pediu para olhar “as aves do céu”.
Sim, amigo leitor, “elas não semeiam,
não segam, não ajuntam nos celeiros os provimentos”... antes, observam do
espaço os seres que aqui embaixo jazem sem vida e insepultos para se
banquetearem de suas carcaças. Já imaginou se todos agissem com a sabedoria dos
urubus? Ninguém precisaria se preocupar com a alta do dólar, pois não comemos
dólar.
Foi quando ouvi a proposta de um dos
sete urubus que “pousaram em minha sorte”:
— Propomos ao povo brasileiro que não
mais trabalhe. Basta-lhe observar a natureza e suas sábias leis. No momento
oportuno, pegue uma mandioca, nos vastos campos da nação e alimente-se dela. Ou
melhor, com os conhecimentos inúteis que a civilização atual alcançou,
reproduza seus alimentos, em três dimensões, num dos modernos computadores que
o Estado colocará, por minha sugestão, à disposição de todo o povo brasileiro
e... bom apetite.
Outro corvo falou:
— Quanto aos estudos, “ó gente
incrédula, até quando te suportarei?” Atém-te àquilo que te proporcione ser
mais esperto que teu semelhante. Não haverá mais escolas, pois o real sumiu do
país, os preços das mensalidades estão exorbitantes e o Estado aboliu a escola
pública. Deixemos os 30 ou 40 bilhões desviados (versão oficial) nos bancos dos
“paraísos fiscais”. Ninguém mais aqui precisará de papel-moeda. Afinal, cá, em
se plantando, tudo dá.
— Hospital para quê, criatura de Deus?
Disse uma terceira ave preta. Se é que você acredita nesse Ser que nos enviou
um Messias em que quase ninguém mais crê. Ora, já se viu! andar sobre águas,
ressuscitar mortos, multiplicar quatro pães e dois peixes e, com eles,
alimentar cerca de 4 ou 5 mil pessoas? Absurdo! Isso são histórias... A não ser
que os pães e peixes fossem de Itu, onde tudo é gigantesco... Adoeceu, trate-se
com ervas. Morreu, enterre em qualquer buraco, para adubar esta terra que já
existia e era povoada por seus antepassados muito antes de Cabral aqui chegar.
Foi então que percebi haver ali urubus
de outras cores: um era branco; outro, amarelo; outro mais era azul e o
último... vermelho. O branco trazia no pescoço uma fita onde se lia paz; o
amarelo ostentava uma espiga de milho descascada em seu bico; o azul estava de
costas para os demais (Crocitaram seus colegas que era devido à sua mania de
grandeza.); e, por fim, o vermelho liderava todos os demais. Fora ele quem
passara as instruções a seus colegas para acalmarem o nosso povo. Suas últimas
palavras foram as seguintes:
— Povo tupiniquim! a partir de hoje,
nossa bandeira terá uma só cor: a minha. Tudo será de todos e todos serão de
tudo...
Foi quando resolvi pegar meu jatinho e
me mudar para a Suíça. Mas, então, me lembrei: que jatinho?!
(1)
Avant
la lettre: antes do seu tempo.
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