sábado, 19 de setembro de 2015

Os urubus e a economia brasileira


JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

Você deve estar lembrada, leitora amiga, da conversa que tive com as pombas, no Rio de Janeiro, no dia 23 de agosto de 1896. Há poucos dias, portanto... Saiu n’A Semana.
Passara num banco onde estivera para obter notícias do câmbio e... para encurtar a história, relatei-lhe que o câmbio oscilava, mas não subia dos nove réis. Repentinamente, fui informado que o câmbio baixara à casa dos oito, o que, para os especuladores era mau agouro, principalmente pela possibilidade desse fato ocorrer avant la lettre (1) .
O que poderia suceder quando o estado definitivo fosse definido para baixo? O preço das minhas calças, na Rua Primeiro de Março, subiria aos céus.
Fui andando e vi a igreja da Cruz dos Militares... Cruz! Deus me livre de nova intervenção... Já basta o Ministério Público, o juiz Sérgio Moro, o STF... Ops, esqueci-me de que estou no século XIX, embora as coincidências com o século XXI... Pause!
De repente, o que vejo hoje? Não três pombas, mas sete corvos. Lembrei-me, então, de um dos versos do soneto “Budismo moderno”, de Augusto dos Anjos: “Ah! um urubu pousou na minha sorte”. Foi quando pensei: Que são os devaneios bachelardianos ante tais aves?  Também a elas se referiu, entretanto, Jesus, quando nos pediu para olhar “as aves do céu”.
Sim, amigo leitor, “elas não semeiam, não segam, não ajuntam nos celeiros os provimentos”... antes, observam do espaço os seres que aqui embaixo jazem sem vida e insepultos para se banquetearem de suas carcaças. Já imaginou se todos agissem com a sabedoria dos urubus? Ninguém precisaria se preocupar com a alta do dólar, pois não comemos dólar.
Foi quando ouvi a proposta de um dos sete urubus que “pousaram em minha sorte”:
— Propomos ao povo brasileiro que não mais trabalhe. Basta-lhe observar a natureza e suas sábias leis. No momento oportuno, pegue uma mandioca, nos vastos campos da nação e alimente-se dela. Ou melhor, com os conhecimentos inúteis que a civilização atual alcançou, reproduza seus alimentos, em três dimensões, num dos modernos computadores que o Estado colocará, por minha sugestão, à disposição de todo o povo brasileiro e... bom apetite.
Outro corvo falou:
— Quanto aos estudos, “ó gente incrédula, até quando te suportarei?” Atém-te àquilo que te proporcione ser mais esperto que teu semelhante. Não haverá mais escolas, pois o real sumiu do país, os preços das mensalidades estão exorbitantes e o Estado aboliu a escola pública. Deixemos os 30 ou 40 bilhões desviados (versão oficial) nos bancos dos “paraísos fiscais”. Ninguém mais aqui precisará de papel-moeda. Afinal, cá, em se plantando, tudo dá.
— Hospital para quê, criatura de Deus? Disse uma terceira ave preta. Se é que você acredita nesse Ser que nos enviou um Messias em que quase ninguém mais crê. Ora, já se viu! andar sobre águas, ressuscitar mortos, multiplicar quatro pães e dois peixes e, com eles, alimentar cerca de 4 ou 5 mil pessoas? Absurdo! Isso são histórias... A não ser que os pães e peixes fossem de Itu, onde tudo é gigantesco... Adoeceu, trate-se com ervas. Morreu, enterre em qualquer buraco, para adubar esta terra que já existia e era povoada por seus antepassados muito antes de Cabral aqui chegar.
Foi então que percebi haver ali urubus de outras cores: um era branco; outro, amarelo; outro mais era azul e o último... vermelho. O branco trazia no pescoço uma fita onde se lia paz; o amarelo ostentava uma espiga de milho descascada em seu bico; o azul estava de costas para os demais (Crocitaram seus colegas que era devido à sua mania de grandeza.); e, por fim, o vermelho liderava todos os demais. Fora ele quem passara as instruções a seus colegas para acalmarem o nosso povo. Suas últimas palavras foram as seguintes:
— Povo tupiniquim! a partir de hoje, nossa bandeira terá uma só cor: a minha. Tudo será de todos e todos serão de tudo...
Foi quando resolvi pegar meu jatinho e me mudar para a Suíça. Mas, então, me lembrei: que jatinho?!

(1) Avant la lettre: antes do seu tempo.




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