JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
1 E o profeta, vendo a multidão que se
manifestava pacificamente nas grandes cidades brasileiras, subiu ao palanque em
Brasília. E, sem se sentar, aproximou-se de estranho boneco com roupa de
presidiário e dois números desconhecidos: 13 e 171;
2 E, abrindo a sua boca, estimulava-os,
em alto e bom som de um alto-falante:
3 Mal-aventurados os que tentam enganar
o povo, porque deles é o fogo do inferno;
4 Mal-aventurados os que riem da
desgraça popular causada por eles, porque serão desgraçados;
5 Mal-aventurados os raivosos e
enfurecidos, porque eles serão expulsos da terra que não lhes pertence;
6 Mal-aventurados os que são corruptos e
roubam nossas riquezas, porque eles serão presos;
7 Mal-aventurados os ímpios, porque eles
serão tratados com impiedade;
8 Mal-aventurados os sujos de coração,
porque eles verão os espíritos das trevas;
9 Mal-aventurados os que incentivam a
guerra, porque eles serão trucidados;
10 Mal-aventurados os que tentam torcer
a justiça, porque eles ficarão tortos;
11 Mal-aventurados sois vós, quando vos
desmascararem e lançarem nas celas pútridas das prisões brasileiras e, dizendo
a verdade, vos responsabilizarem por todo o mal que fizestes contra a causa do
bem, da justiça e da honestidade.
12 Chorai e entristecei-vos, porque é
pequena a vossa alma, e nada vale a pena, quando a alma é pequena.
E nada mais disse o profeta, mas o povo
passou a gritar:
— Fora, bandidos, abaixo a corrupção do
13 e o estelionato do 171! Queremos um país livre de ladrões, criminosos,
estelionatários, aliciadores e exploradores do povo!
Nesse instante, uma bandeira gigante foi
estendida e carregada pelos manifestantes, que diziam em voz alta:
— Nossa bandeira não possui a cor do
sangue e, sim, o verde da esperança, o azul do céu, o amarelo dos nossos ricos
minérios e o branco da paz.
Por fim, o povaréu gritou:
— Somos mansos e pacíficos, mas não
somos covardes! Esses políticos que aí estão não nos representam. Queremos a
intervenção constitucional pelo poder constituinte do povo!
Depois disso, lentamente e em silêncio,
a população voltou para suas casas...
Só sobrou o profeta, que sacou de sua
viola, tocou e cantou:
E
agora, José?
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem carinho,
está sem discurso,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope
você marcha, José!
José, para onde?
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