JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
Em visita à TV Globo, entrei pelo buraco da
fechadura da porta, para ver e ouvir, sem ser visto, a reprise de antigo
programa humorístico, dessa emissora, com sátira do Jô à entrevista do antigo
programa governamental para financiamento carioca de casa própria. Então
resolvi parodiá-lo:
– O que deseja? – pergunta o corretor da
agência financiadora.
– Eu quero comprá uma casa na avenida Vieira
Souto – responde o proletário
iludido.
– Ah, o senhor
quer uma casa de frente para a praia e com o metro quadrado mais caro da
América Latina?
– Isso mermo
qui eu queria...
– Sei, mas o senhor tem renda suficiente?
– Dispois
que o sinhô falô, si eu não tivé, minha mulé completa.
– E qual é o trabalho da sua mulher?
– Ela vende picolé na praia, por isso vai sê ótimo
comprá esse imóvel, pois ela vai trabaiá di frente da nossa casa.
– E quanto é que o senhor ganha por mês?
– Três salários mínimos!
O agente financeiro puxa um mapa do Rio de
Janeiro e começa a percorrê-lo com os dedos, até parar em Itaperuna, que fica
do outro lado do mapa, a 313 km da capital carioca. Então, diz para o
proletário:
– É aqui que você deve morar, com o salário-família apresentado. (Percebeu,
leitora atenta, a mudança no tratamento ao proletário? O “senhor” virou “você”,
mas o proletário...)
– É mermo?
Intonce eu num posso morá na Vieira
Souto? Pergunta o desiludido sonhador.
– Não, mas o bairro onde você e sua mulher vão morar é excelente!
– Cum
certeza, lá tem mar e praia pra minha mulé
vendê picolé, não é, doutô?
– Não, mas tem o rio Muriaé e a segunda
maior estátua do Cristo Redentor do Brasil, com vinte metros de altura.
– Ah, bão...
Só tem um porblema, doutô, a estátua num chupa picolé e no rio num
tem praia...
– Sim, mas isso são meros detalhes. O
importante é que você vai poder
comprar sua casa ali, de longos 30m², incluído um jardim na frente, onde cabe
uma bananeira.
– Mas nós não come só banana, doutô...
– Então vá plantar batatas!
– Doutô,
nós vai morar na Vieira Souto nem que
seja debaixo da ponte.
– Só tem um problema, meu jovem...
– Qual?
– Não existe ponte na Vieira Souto!
...
Que saudades do Jô humorista!
Em solidariedade aos proletários de todo o
mundo, acrescento o poema joteliano,
que revisei após edição em Poemas e
poetas II: antologia poética. Rio de Janeiro: Littteris, 1990; “prêmio de
edição”. A renda será utilizada para comprar o apartamento dos sonhos da Maria
e de você, proletário sonhador:
Maria de Ponte
(Joteli)
Seu nome é Maria...
Debaixo da ponte,
Maria ficou
Sem teto e sem fonte...
As suas crianças,
Coitadas, também...
Maria e os filhos
Estão sem ninguém.
Ninguém que socorra
A pobre – na cruz –
Que foi despejada
Após dar à luz.
Maria, coitada,
Perdeu o seu lar
E sonha voltar
Lá para o Pará...
Pois eis que uma empresa
Com base em sentença...
Tombou sua casa
Sem sua licença.
E, desanimada,
Sem grana, sem nada,
Contando seis filhos,
Se sente cansada...
Miséria total,
Jamais poderia
Pagar pra morar
A pobre Maria.
O seu barracão
De sobras de tábuas
Foi fruto do amor
De bondosas almas.
E agora, Maria,
Que deixou nascer
Seu novo bebê,
Nem pode morrer...
Oh! Deus, diga aonde
Pode esta coitada
Ter dignidade
Com a filharada...
A pobre Maria
Outrora tão linda,
Sem ter trinta anos
Jaz envelhecida.
Outrora sonhara
Poder se casar,
Ter vida tranquila,
Ter filho, ter lar...
Outrora viera
Lá do seu Pará
E fora estuprada
No Paranoá.
Agora, enjeitada,
Com rugas na fronte,
Está com seis filhos
Debaixo da ponte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário