Machado e as fraudes
em concursos públicos
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
Em
meados do século XIX, eu era muito procurado por candidatos a concursos
públicos, avaliados pela Escola de Promoção e de Seleção de Eventos (EPSE),
para denunciar, na Gazeta de Notícias,
as injustiças cometidas por essa instituição pública na correção de suas notas.
Nesse
tempo, um dos mais notáveis advogados do Rio de Janeiro, que era meu amigo,
costumava elaborar petições ao Ministério Público refutando os critérios de
avaliação da EPSE. Entretanto... Deus, ó Deus! Envia novamente teu anjo Gabriel
para esclarecer os ímpios de que Tu vês as suas falcatruas e alertá-los de que
“nada há de encoberto, sobre a face da Terra, que um dia não seja descoberto”.
O MP, entretanto, alegava não caber à justiça julgar os atos da Administração
pública relacionados a critérios de avaliação de candidatos em seus concursos.
Pois
bem, um dia, o presidente da escola, pressionado por meu amigo, resolveu mudar
seus procedimentos avaliativos e atender os inúmeros reclamos de concursados
sobre a falta de critérios avaliativos. O que para um avaliador merecia nota
dez, para seu colega era zero certo. Desse modo, contratou-se um advogado,
também de renomada, mas duvidosa reputação, com o fito de realizar estudos
estabelecendo procedimentos equânimes nas correções textuais.
A
partir desse dia... Misericórdia, Senhor! os candidatos deveriam abordar noções
específicas relacionadas a um tema proposto, sem saberem quais dessas ideias
tinham a obrigação de mencionar na redação. Desde então, as autoridades
corruptas descobriram a fórmula mágica para aprovar todos os seus medíocres e
não menos desonestos futuros servidores públicos, do ascensorista de elevador
ao procurador da República.
Como
isso era possível, Machado? Perguntará a curiosa leitora, e a resposta é
simples: bastava-lhes informar, previamente, a seus protegidos quais eram as
três ideias a serem expressas na redação e propor-lhes uma conclusão decorrente
dessas noções.
Findo
o concurso, para a avaliação dos textos, os professores indicados a esse mister
receberiam um “gabarito” com a informação sobre a imposição de se enfocar aqueles
tópicos. Desse modo, após preenchidas 70% das vagas com os “iluminados”, os 30%
restantes de seres normais que aleatoriamente se aproximassem das “respostas
previstas” completariam as vagas.
Essa
foi a origem da expressão “apadrinhamento político”.
Quer
um exemplo de como isso era feito? Em 1850, foi proposto o seguinte tema para
preenchimento de vagas no Ministério da Fazenda: Escravidão, um bem ou um mal para o Brasil?
Agora
leia, leitora amiga, o esquema conhecido apenas por 70% “eleitos pelo anjo
Gabriel” e bem treinados para desenvolvê-lo com variações parafrásticas:
Introdução
do primeiro parágrafo: “Antiguidade da servidão como justificativa à sua
manutenção e benefícios para a produção agrícola, devido ao baixo custo dessa
mão de obra”.
Desenvolvimento
do segundo e terceiro parágrafos: 1. “Ruína financeira causada aos grandes
fazendeiros, caso a escravidão fosse abolida”. 2. “Marginalização dos
indivíduos libertos e desordem social causada por eles, devido ao aumento do
número de desocupados nas ruas”.
Conclusão
“esperada”: A escravidão é um bem imensurável para o Brasil e para os cidadãos.
Para o nosso país, por elevar a produção agrícola, favorecendo a alimentação de
qualidade do seu povo e a exportação dos excedentes. Para o cidadão, porque ela
evita a vagabundagem e o crime, em consequência de uma atividade digna, pois “o
trabalho move o mundo”.
Imagina,
então, leitora indignada, o lucro dos donos de cursinhos participantes do
esquema e como a “politicalha” engorda as contas dos bancos suíços. Não há nada
de novo sob o Sol, diz o Eclesiastes. Concorda comigo, leitor?
Nesse
esquema, as mais brilhantes redações abolicionistas receberiam nota zero.
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