A (im)paciência nossa de cada dia
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
Amiga leitora, Humberto de Campos, em Cartas e crônicas, sob o pseudônimo
Irmão X, no capítulo 19, intitulado Em
torno da paz, narra a história de Anacleto, que acordara em dia claro, às
8h, e, antes de se levantar, pegou o Evangelho de João e leu a mensagem contida
no capítulo 14:27, na qual o Mestre dizia: “Minha paz vos deixo, minha paz voz
dou. Não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se
atemorize”.
Encantado, Anacleto fez a promessa de
viver em paz pelo resto da vida, como o Cristo recomendava, em todas as
situações e com todas as pessoas. Mal se levantou, procurou o terno para
vestir-se e ir trabalhar, mas a calça nova do terno estava rasgada.
Agastado, chamou a esposa, Horacina,
que, aflita com a filhinha de colo doente, lamentou o ocorrido e exclamou:
— Que pena! eu estou ocupada com
Soninha, com pneumonia, e não vi quando os meninos, à solta, rasgaram sua
calça.
Sem se preocupar com a gravidade da
doença da filhinha de meses, Anacleto gritou:
— É só o que você sabe dizer? Esquece-se
de que paguei uma nota preta pela calça?
A esposa, humilde, nada respondeu.
Abriu o guarda-roupas, pegou outra calça parecida com a que fora rasgada e a entregou ao marido.
Não vou contar-lhe toda a história,
amiga leitora, para não lhe tirar o prazer de lê-la na obra supracitada, mas
outros três contratempos ocorreram, em seguida, antes de Anacleto entrar no
ônibus que o transportaria ao trabalho. Em cada um deles, nosso herói se
exasperou por demais, culminando por chamar de malditas todas as pessoas que
atravancaram seus passos. Houvera lido o Poeminho
do Contra, de Mário Quintana, após refletir na leitura da frase do Cristo,
e seu dia teria sido de plena calma:
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
É então que a leitora, em relação ao
incidente inicial contado, dirá:
— Ah, se fosse comigo! Eu mandava-lhe o
pé na b... e dizia-lhe que o tempo da escravidão acabou. Ele que assumisse sua
condição de pai e dividisse comigo a obrigação de educar nossos filhos. Pois é,
Anacleto, os tempos mudaram! só você ainda não percebeu isso.
Mas é assim mesmo que as coisas
acontecem, em nosso cotidiano. Somos testados a todo o tempo com base no que
prometemos realizar e quase nunca o fazemos.
Só não percebemos isso porque julgamos
que nos basta a teoria, a prática é problema alheio. Só adquire a sabedoria
real aquele que alia ambas as coisas, como o Mestre recomendava:
— “Observai e fazei tudo o que escribas e os
fariseus fazem, mas não façais como eles, porque não praticam o que dizem”
(Mateus, 23:3).
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