sábado, 24 de junho de 2017

Contos e crônicas


A (im)paciência nossa de cada dia

JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

Amiga leitora, Humberto de Campos, em Cartas e crônicas, sob o pseudônimo Irmão X, no capítulo 19, intitulado Em torno da paz, narra a história de Anacleto, que acordara em dia claro, às 8h, e, antes de se levantar, pegou o Evangelho de João e leu a mensagem contida no capítulo 14:27, na qual o Mestre dizia: “Minha paz vos deixo, minha paz voz dou. Não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize”.
Encantado, Anacleto fez a promessa de viver em paz pelo resto da vida, como o Cristo recomendava, em todas as situações e com todas as pessoas. Mal se levantou, procurou o terno para vestir-se e ir trabalhar, mas a calça nova do terno estava rasgada.
Agastado, chamou a esposa, Horacina, que, aflita com a filhinha de colo doente, lamentou o ocorrido e exclamou:
— Que pena! eu estou ocupada com Soninha, com pneumonia, e não vi quando os meninos, à solta, rasgaram sua calça.
Sem se preocupar com a gravidade da doença da filhinha de meses, Anacleto gritou:
— É só o que você sabe dizer? Esquece-se de que paguei uma nota preta pela calça?
A esposa, humilde, nada respondeu. Abriu o guarda-roupas, pegou outra calça parecida com a       que fora rasgada e a entregou ao marido.
Não vou contar-lhe toda a história, amiga leitora, para não lhe tirar o prazer de lê-la na obra supracitada, mas outros três contratempos ocorreram, em seguida, antes de Anacleto entrar no ônibus que o transportaria ao trabalho. Em cada um deles, nosso herói se exasperou por demais, culminando por chamar de malditas todas as pessoas que atravancaram seus passos. Houvera lido o Poeminho do Contra, de Mário Quintana, após refletir na leitura da frase do Cristo, e seu dia teria sido de plena calma:

Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!

É então que a leitora, em relação ao incidente inicial contado, dirá:
— Ah, se fosse comigo! Eu mandava-lhe o pé na b... e dizia-lhe que o tempo da escravidão acabou. Ele que assumisse sua condição de pai e dividisse comigo a obrigação de educar nossos filhos. Pois é, Anacleto, os tempos mudaram! só você ainda não percebeu isso.
Mas é assim mesmo que as coisas acontecem, em nosso cotidiano. Somos testados a todo o tempo com base no que prometemos realizar e quase nunca o fazemos.
Só não percebemos isso porque julgamos que nos basta a teoria, a prática é problema alheio. Só adquire a sabedoria real aquele que alia ambas as coisas, como o Mestre recomendava:
 — “Observai e fazei tudo o que escribas e os fariseus fazem, mas não façais como eles, porque não praticam o que dizem” (Mateus, 23:3).







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