JORGE
LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De
Brasília-DF
Salut!
Aderindo ao humanitismo de Quincas Borba, Genebaldo
não perdia uma só conferência do grande orador Francelino Perivaldo, depois que
essa filosofia se tornou popular. Desse modo, nunca lhe esquecera a Genebaldo
uma certa exortação francelina ao término de brilhante palestra deste, como de
resto ocorria em suas demais apresentações. Ante lotado auditório de cerca de
501 pessoas, sendo que estava presente
de fato, em espírito, apenas uma, o palestrante apelou:
— Queridos irmãos humanitistas, compareçam e
convidem vossos amigos, parentes e conhecidos a participarem de meu seminário
no dia X, às 20h, na casa Y. Na saída deste centro de convenções, recebereis
convites impressos, ao módico preço de dez centavos cada um, cuja arrecadação
servirá simplesmente para cobrir os gastos com divulgação e organização do
evento.
Aqueles que puderem mais adquiram cem ou mais
convites, os que puderem menos, comprem ao menos um; e quem nada puder pagar,
leve, assim mesmo, dez convites gratuitos. O importante é divulgar nosso
brilhante trabalho em prol do humanitismo.
Aplausos, vivas e hurras foram ouvidos
estridentemente nesse instante. E Genebaldo saiu dali refletindo em como era
importante divulgar uma filosofia de vida tão bela como aquela. Foram
arrecadados trinta e três mil euros e trinta centavos.
Passou então a estudar a nova filosofia durante
os dois anos em que pôde conviver com o admirável Francelino. Em seu
entusiasmo, editou um jornalzinho, por conta própria, no qual também expunha
suas conclusões e contribuições decorrentes dos estudos feitos sobre o
humanitismo, a seu ver a mais completa filosofia já criada por alguém na Terra.
Certo dia, porém, foi surpreendido com uma
crítica severa de Perivaldo, em palestra pública deste. Embora o tribuno não
citasse nome, recriminava veementemente as pessoas “exibidas” que buscavam a
autopromoção, a pretexto de divulgar a nova filosofia. Percebendo a indireta,
Genebaldo entristeceu-se, mas não arrefeceu seu entusiasmo. Refletiu que o que
ouvira apenas expressava a fome de humanitas... E continuou a divulgar os novos
princípios com redobrado amor e humildade.
O tempo passou, Genebaldo mudou-se para outra
cidade. Ali, conheceu novo grupo de adeptos do humanitismo coordenado por
Rubião. Resolveu então participar de um estudo organizado por seu coordenador,
que estava a serviço do grande chefe da organização local, o Palha. Já no
primeiro dia de sua presença, ouviu a recomendação do coordenador do estudo, o
Rubião, para que ninguém ali tentasse alcançar posições de destaque, haja vista
que um dos princípios humanitistas é o de que o mal não existe.
Consequentemente, para o bem geral, seria necessário que apenas o humanitas
prevalecesse. E completou dizendo que havia diversas formas de alguém buscar o
destaque pessoal e trabalhar em prol da realização de seus interesses pessoais.
Todas condenáveis.
Uma delas tinha por objetivo alcançar bens
materiais; outra, ascendência sobre as pessoas; outra ainda, bens espirituais.
Todas elas estavam erradas, pois antes de mais nada era preciso satisfazer a
fome de humanitas e apenas nisso estava o nosso dom da imortalidade.
Humanitas, como princípio da filosofia humanitista,
é a síntese do universo, e este é o homem. Assim, pois, não existe morte nem
morto, vez que o fim de uns resulta na continuação de outros. Numa guerra por
alimentos, humanitas se materializa no vencedor. Se o alimento é um campo de
batatas, não pode haver sua divisão entre os dois povos que as disputam, porque
desse modo o alimento seria escasso para ambos os lados. Assim, a guerra se
justificaria pela plena satisfação à fome de humanitas. Ao vencido, ódio ou
compaixão; “ao vencedor, as batatas”.
Quarenta anos depois, Genebaldo observou a
justeza dessas colocações. O tribuno humanitista tornou-se destaque em sua
pátria, recebendo de humanitas farta provisão de alimentos, que lhe
proporcionaram adquirir outro dom: a saúde física e espiritual. O coordenador
dos estudos ascendeu a diretor de sua casa humanitista; e Genebaldo descobriu
que era insubstituível, pois assim como só existiu um Beethoven, só existiria
um Genebaldo, o bolha.
A única condição imposta a Genebaldo por
humanitas foi a de deixar as batatas ao vencedor e contentar-se em ser bolha de água fervente que a manipula eternamente, em seu nascer e renascer, assim
como ocorreria com o próprio Quincas Borba, que nada mais era do que a
reencarnação de Santo Agostinho.
Não entendeu, amiga leitora? Leia então meu
romance Quincas Borba e tente compreender a mensagem subliminar que ali está.
Au revoir.
Visite o blog: www.jojorgeleite.blogspot.com
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