CINCO-MARIAS
Amor serve para tudo
EUGÊNIA PICKINA
eugeniapickina@gmail.com
A mim [a criança] ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Alberto Caeiro
Sozinha na sala, à noite, me pus a pensar na filha da vizinha. Flávia
mal completou oito anos e experimenta uma fase difícil na escola. E, nos
últimos tempos, agindo como uma rainha malvada, sua mãe passou não só a
ridicularizar o seu costume de usar tênis sem meias, mas também a debochar de
tudo o que ela diz.
Claro. A vida é cheia de altos e baixos. Precisamos enfrentar as
adversidades com coragem, sem perder a fé na humanidade. Mas como lidar no dia
a dia com os maus-tratos gerados pela própria mãe?
Sei que a ideia parecia insólita, mas quis correr esse risco. Chamei a
vizinha para um café. A moral já estava pronta: por vezes, a repetição da
violência tem raiz na ignorância.
Depois que tomamos o café, contei uma longa história a essa mulher,
porém enfatizei o fato de que devemos amor e bondade às crianças. É preciso
romper com a prática dos maus-tratos, profundamente ofensiva.
De fato, nada melhor que a empatia para educar alguém que se encontra no
período vulnerável do começo da vida. Pois é aí que estamos propensos a
integrar exemplos e princípios que nos ajudarão a construir nossas histórias.
Amar uma criança não é só questão de sobrevivência, expliquei à mãe de
Flávia. Porque é basicamente na casa que nossos filhos aprendem lições
importantes para a vida. Acontece que a criança se parece com semente. Ela
precisa de ambiente propício para germinar, brotar e crescer. Não é esta a
essência da alegria de educar?
A mãe de Flávia chorou. Choramos. Simplesmente ela entendeu que debochar
de uma criança não serve para nada, só desorienta, agride, fere, machuca – o
deboche é um nocivo fungo que atravessa o corpo da criança e se aloja na alma,
fazendo ninho na memória.
Amar é respeitar, fazer a criança perceber no cotidiano que é amada,
cultivando-a sem conversa fiada, sem comunicação que arranca as tintas dos
sentimentos e empobrece a autoestima, porque as crianças, antes de mais nada,
têm de aprender a caminhar sobre a terra firme …
Ontem, cedo, vi a Flávia saindo de casa. Mochila, uniforme escolar,
tênis sem meias. Porque a criança é esquecimento, o rosto suave e sorridente.
Amor serve para tudo.
Notinha
Formas de educar necessitam ser baseadas no amor, respeito e empatia.
Ignorar, subornar, humilhar, ridicularizar, amedrontar, ameaçar, condicionar o
afeto e debochar da criança são exemplos de maus-tratos psicológicos que pais
(ou cuidadores) cometem com as crianças. A alegria de educar um filho ou uma
filha depende necessariamente do esquecimento dessas atitudes maldosas,
desrespeitosas, violentas.
*
Esta seção, cuja estreia neste blog ocorreu no dia 6 de janeiro deste
ano, traz sempre textos dedicados à infância, seus cuidados, sua educação. O
título – Cinco-marias – é uma alusão a um conhecido brinquedo
que integra um conjunto de brincadeiras e
atividades lúdicas conceituadas como Patrimônio Cultural da Humanidade.
Eugênia Pickina é educadora ambiental e terapeuta
floral e membro da Asociación Terapia Floral Integrativa (ATFI), situada em
Madri, Espanha. Escritora, tem livros infantis publicados pelo Instituto
Plantarum, colaborando com o despertar da consciência ambiental junto ao Jardim
Botânico Plantarum (Nova Odessa-SP).
Especialista em Filosofia (UEL-PR) e mestre em
Direito Político e Econômico (Mackenzie-SP), está concluindo em São Paulo a
formação em Psicanálise.
Ministra cursos e palestras sobre educação ambiental
em empresas e escolas no estado de São Paulo e no Paraná, onde vive.
Seu contato no Instagram é @eugeniapickina
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