terça-feira, 5 de setembro de 2023

 



Lavandas transcendentais, madeleines e bolo com glacê

 

CÍNTHIA CORTEGOSO

cinthiacortegoso@gmail.com

 

E a menina novamente estava entre os canteiros de lavanda. Não se podia descuidar, Clara sempre corria para lá. Ela recentemente completara seis anos, e talvez por não haver nenhuma criança de sua idade morando próximo, buscava companhia entre as flores. Os pais acordavam muito cedo; o trabalho no campo começava antes de o sol nascer. A avó preparava a primeira refeição da neta que, em minutos, comia e voltava apenas antes do almoço. A avó sorria e lembrava que também já havia sido criança.

Era época da primavera, e o campo estava radiante de lindas cores; a predominante era a lilás. E Clara corria entre os canteiros, conversava, dava risadas verdadeiras, acariciava as pequenas flores e ficava muito à vontade no local. Seus sapatinhos ficavam cobertos de poeira de terra.

O tempo não era sentido, pois ela sempre comentava com a avó ‒ na hora do almoço ‒ que quase não havia brincado ainda de tão rápido que passara. A avó, outra vez, sorria. Clara almoçava, ficava um pouquinho com a avó esperando o sol forte baixar, e querendo mesmo brincar entre as lavandas. Enquanto a menina aguardava, as nuvens não fugiam de sua observação, e os animais, as flores, o mágico, a fada surgiam inesperadamente no céu, ainda mais se o vento estava um pouco mais forte. E a avó confirmava as figuras, pois ela também já havia sido criança.

Com o sol mais ameno, Clara, feito mágica, estava entre suas flores lilases e corria, escondia-se, achava-se, sorria e não parava. Na cozinha da casa sempre havia pequenos vasos com as flores que a menina colhia. Ela dizia a avó que as flores alegravam o dia. E para o fim da tarde não demorava. Os pais de Clara retornavam por onde a filha brincava para os três voltarem juntos. De longe a menina os via e sempre corria ao seu encontro. Os olhos de Clara tinham uma luz de alegria. E, saltitante, a menina vinha à frente. A avó os aguardava na varanda.

Após o banho e o jantar, era o momento de a mãe contar algumas histórias para a filha como ocorria todas as noites. Algumas histórias eram reais, mas outras, inteiramente ficcionais. Clara amava todas. E normalmente antes do fim da historinha, a menina já estava dormindo, mas naquela noite Clara não dormiu, seus olhos estavam abertos e brilhantes. Ela sorriu para a mãe que também sorriu compreendendo possivelmente a expectativa da filha.

No dia seguinte, era o aniversário de sete anos de Clara. A família ainda não sabia, mas todos os amigos da pequena lhe falaram que viriam para cumprimentá-la. Talvez a família não os conhecesse, no entanto sempre estavam com a menina brincando entre as lavandas não só desse tempo.

Naturalmente, no quarto, além de sua mãe, alguns amigos sorriram para a menina que também sorriu de volta.

Clara ainda comentou com a mãe que a avó lhe dissera que faria madeleines(1) e bolo com glacê. A mãe sorriu e as crianças também. 

 

(1) Madeleine é um doce tipicamente francês com a mistura de ovos, açúcar, farinha, fermento, manteiga derretida e raspa de limão, que depois é assada no forno brando, em formatos que lembram conchas.


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