Revista Espírita de 1868
Allan Kardec
Parte 1
Iniciamos nesta edição o estudo metódico e sequencial da Revista Espírita do ano de 1868, periódico
editado e dirigido por Allan Kardec. O estudo será baseado na tradução feita
por Júlio Abreu Filho publicada pela EDICEL.
A coleção do ano de 1868 pertence a uma série iniciada em
janeiro de 1858 por Allan Kardec, que a dirigiu até 31 de março de 1869, quando
desencarnou.
Cada parte do estudo, que será apresentado às
quartas-feiras, compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final
do texto abaixo.
Questões
preliminares
A. Quais os princípios do Espiritismo mais facilmente
aceitos?
B. O abade Poussin, em sua obra sobre o Espiritismo,
reconhece dois fatos positivos por ele atribuídos à doutrina espírita. Quais
são esses fatos?
C. Que ideias contidas no livro do abade Poussin
fortalecem o Espiritismo?
Texto para leitura
1. O ano de 1867 foi, como havia sido previsto pelos
Espíritos, muito proveitoso para o Espiritismo. Diversas obras popularizaram na
França os seus princípios. O número de reuniões particulares, ou de família,
cresceu em grande proporção. As ideias espíritas se infiltraram por uma porção
de brechas. Dizendo isso, Kardec adverte que estava, porém, distante o dia em
que todas as prevenções erguidas contra a Doutrina seriam postas abaixo, o que
exigiria tempo. Cada espírita deveria, pois, trabalhar e fazer a sua parte, sem
desânimo com a pouca importância do resultado obtido individualmente, certo de
que com o acúmulo de grãos de areia se pode formar uma montanha. (Págs. 1 e 2.)
2. Os princípios do Espiritismo mais facilmente aceitos,
diz o Codificador, são a pluralidade dos mundos habitados e a reencarnação. O
primeiro reúne adeptos até mesmo no seio do materialismo. O segundo está no
estado de intuição numa porção de indivíduos, nos quais é uma crença inata.
Trata-se de uma ideia que sorri a muitos incrédulos, porque aí eles encontram
imediatamente a solução de muitas dificuldades que os levaram à dúvida. Essa
crença tende, pois, a se vulgarizar cada vez mais, com o que o Espiritismo só
tem a ganhar em termos de adeptos. O futuro do Espiritismo, sem contradita,
está assegurado; é preciso ser cego para disso duvidar; mas, adverte Kardec, os
seus piores dias ainda não passaram e muitos desafios virão pela frente. (Págs.
4 e 5.)
3. A Revista analisa o livro que o abade Poussin,
professor no Seminário de Nice, escreveu sobre o Espiritismo, sua origem,
natureza, certeza e perigos. Trata-se de uma obra de refutação do Espiritismo
do ponto de vista católico. A primeira parte do livro é consagrada ao histórico
do Espiritismo na Antiguidade e na Idade Média. A segunda parte é dedicada à
parte doutrinária. O abade não contesta nenhum dos fenômenos espíritas, mas
conclui que esses fatos são miraculosos e de fonte divina em certos casos, e
diabólicos em outros. Na visão do abade Poussin, o Espiritismo “esforça-se por
minar surdamente a Igreja católica”. (Págs. 5 a 7.)
4. Embora seu propósito fosse denegrir e não enaltecer o
Espiritismo, o abade Poussin reconhece em sua obra duas coisas: 1a – Que o
Espiritismo envolve, como numa imensa rede, a sociedade inteira. 2a – Que
prestou à Igreja o serviço de derrubar as teorias materialistas do século 18.
As consequências desses dois fatos são comentadas por Kardec, que faz a
respeito as seguintes observações: I – Os espiritistas, em grande maioria, são
recrutados entre os incrédulos. II – Os espíritas não creem nos demônios nem
nas chamas do inferno, mas acreditam firmemente em um Deus soberanamente justo
e bom e entendem que o mal não provém do Pai, fonte de todo o bem, nem dos
demônios, mas das próprias imperfeições do homem; que o homem se reforma e que,
por fim, vencer-se a si mesmo é vencer o demônio. III – Tal é a fé dos
espíritas, e a prova de sua força é que se esforçam por tornar-se melhores,
dominar suas inclinações más e pôr em prática as máximas do Cristo, olhando
todos os homens como irmãos, perdoando aos inimigos e fazendo o bem pelo mal, a
exemplo do Mestre. IV – O Espiritismo não buscou os que tinham fé e a quem esta
bastava, mas sim aqueles a quem a fé faltava. Como Jesus, ele foi aos doentes e
não aos sãos, aos famintos e não aos saciados. V – Que foi que fez para os
trazer a si? Reclames, anúncios, pregação em praça pública? Violentou as
consciências? Absolutamente, porque esses são os meios da fraqueza e ele tem
como regra invariável não constranger ninguém, respeitar todas as convicções.
VI – Os que dizem que tais coisas são obra de Satã devem lembrar-se da resposta
que o Cristo deu aos fariseus, que o acusavam de curar os doentes e expulsar os
demônios com a ajuda destes. VII – Como dizia monsenhor Frayssinous em suas
conferências sobre religião, um demônio que procurasse destruir o reino do
vício para estabelecer o da virtude “seria um demônio esquisito, porque se
destruiria a si próprio”. (Págs. 7 a 12.)
5. Concluindo seus comentários e antes de transcrever
alguns fragmentos da obra do Sr. Poussin, o Codificador asseverou: “O
Espiritismo não teme a luz; ele a chama sobre suas doutrinas, porque quer ser
aceito livremente e pela razão. Longe de temer para a fé dos espíritas a
leitura de obras que o combatem, ele lhes diz: Lede tudo; pró e contra, e
escolhei com conhecimento de causa”. (Pág. 13.)
6. Das ideias defendidas pelo abade Poussin destacamos os
pontos seguintes: I – Negar o demônio é negar o Cristianismo e negar Deus. II –
A crença nos Espíritos e sua intervenção no domínio de nossa vida remontam à
mais alta antiguidade. III – Deus fez os Espíritos seus embaixadores, diz o
salmista. São os ministros de Deus, diz São Paulo. IV – Cada ser vivo neste
mundo tem um anjo que o dirige, ensina Santo Agostinho. V – O fato mais
interessante e mais autêntico da história é a evocação de Samuel por uma
pitonisa de Endor, a pedido do rei Saul. VI – A médium que atendeu Saul disse,
depois do episódio: “Eis que há quarenta anos faço profissão de evocar os
mortos a serviço de estranhos; mas jamais vi semelhante aparição”. VII – O
Eclesiástico, reportando-se ao fato, prova que ocorreu ali uma verdadeira
aparição, e não uma alucinação de Saul. (Págs. 13 a 17.)
7. Entre as curiosidades atraídas pela Exposição de
Paris, uma das mais estranhas foi a dos exercícios executados pelos árabes da
tribo dos Aïssaouá. O Petit Journal, de 30/9/1867, relatou uma dessas
sessões, referida igualmente pela Revista. Os Aïssaouá, diz a reportagem,
formavam uma seita religiosa muito espalhada na África, sobretudo na Argélia. O
que se viu em Paris assustou a todos, e com inteira razão. Eis alguns dos fatos
relatados pela imprensa: I – Um árabe tomou um carvão ardente e o pôs na boca.
II – A um outro deram um pedaço de vidro para comer; ele o tomou e engoliu por
inteiro. III – Outro árabe trouxe na mão um cacto de espinhos compridos; cada
aspereza da folhagem era como uma ponta acerada. O árabe comeu a folhagem
picante, como comeríamos uma salada de alface. IV – Dez serpentes saíam de um
cesto; um árabe lhes fez um agrado e as fez enrolar em redor de seu corpo.
Depois escolheu a maior e com os dentes mordeu e lhe arrancou a cauda; em
seguida, com uma dentada, arrancou a cabeça da serpente e a comeu. (Págs. 18 a
21.)
8. Encerrando o assunto e sem aventar para os fatos
qualquer explicação, Kardec promete examiná-los oportunamente. “Quem sabe se o
Espiritismo, que já nos deu a chave de tantas coisas incompreendidas, não nos dará
ainda esta? É o que examinaremos num próximo artigo”, disse o Codificador do
Espiritismo. (Pág. 22.)
9. Um interessante caso de premonição, verificado em
Marennes, é relatado pela Revista. Seis meses antes do falecimento de seu pai,
a sra. Angelina de Ogé teve o pressentimento e todas as sensações de que tal
fato se daria. Kardec comenta a notícia e reproduz comunicação dada na
Sociedade Espírita de Paris sobre o episódio. O Espírito do pai tinha, em
estado de desprendimento, conhecimento antecipado de sua morte e da maneira por
que ela se realizaria. Foi ele próprio quem se manifestou à filha, seis meses
antes, nas condições que deviam se produzir, para que, mais tarde, ela soubesse
que era ele e, estando preparada, não ficasse surpreendida com sua partida.
Angelina tinha também, como Espírito, ciência do que iria ocorrer. Foi isso que
lhe deu a intuição de que alguém deveria morrer nas condições por ela referidas
na carta enviada a Kardec. (Págs. 23 a 26.)
10. Segundo o Siècle de 29/4/1867, reproduzindo
notícia publicada pelo Observateur, de Avesnes, um operário chamado
Magnan, de 23 anos, desenterrou o cadáver de sua mulher, cuja morte ele não
aceitara de forma alguma. Haviam-se passado 17 dias desde o óbito e, não
obstante, o corpo se achava em perfeito estado de conservação. Convencido por
seus amigos a sepultar novamente o cadáver, ele o recolocou na sepultura, mas,
no dia seguinte, dizia não se lembrar do que fizera na véspera. Acreditava tão somente
que sua mulher o visitara durante a noite. (Págs. 26 e 27.)
11. Comunicação dada na Sociedade Espírita de Paris em
10/5/1867, por intermédio do Sr. Morin, revelou a causa do curioso episódio.
Quando a mulher morreu, ela ali permanecera em espírito. Como o casamento dos
fluidos espirituais e dos fluidos do corpo era difícil de romper, em razão da
inferioridade do Espírito, foi-lhe preciso um certo tempo para retomar a
liberdade de ação. Depois, quando pôde, ela apoderou-se do corpo do homem e o
possuiu, produzindo-se então um verdadeiro caso de possessão. Fora ela quem
levou o marido a fazer o que ela queria, para vê-lo sofrer. Em uma anterior
existência cometeu-se um crime. Aquele episódio foi apenas o começo de um
processo de vingança que ainda prosseguiria. Ela prometera voltar e voltou, e
voltaria outras vezes. (Págs. 28 e 29.)
12. O último livro de Kardec: A Gênese, os Milagres e
as Predições segundo o Espiritismo foi afinal posto à venda em 6 de janeiro
de 1868. Ao dar essa notícia, a Revista reproduziu a tábua das matérias que
compõem os dezoito capítulos da obra. Desses, doze tratam da Gênese segundo o
Espiritismo, três focalizam os Milagres e três cuidam das Predições. (Págs. 30
a 32.)
13. Um longo artigo sobre alucinação e inspiração abre a Revista
de fevereiro de 1868. Trata-se de um dos manuscritos obtidos mediunicamente
pelo jovem médium bretão que confiara ao Sr. Bonnemère o texto do Roman de
l’Avenir (Romance do Futuro), referido na Revista de 1867. (Págs. 33 a 42.)
14. Do artigo citado transcrevemos os pontos adiante
resumidos: I – A alucinação é um estado provocado por uma causa moral que
influi sobre o físico e à qual se mostram mais acessíveis as naturezas
nervosas. II – A alucinação, por um pequeno lado, toca a loucura, como todas as
superexcitações cerebrais. III - Enquanto o delírio se expressa sobretudo em
palavras incoerentes, a alucinação representa mais particularmente a ação, a
encenação. IV – Presa de uma espécie de febre interior, o alucinado vive em
meio ao mundo imaginário que sua imaginação perturbada cria. V – Essas visões
fantásticas existem para ele; ele as vê, as toca e se amedronta. VI – A
inspiração é mais rara que a alucinação, porque não se deve somente ao estado
físico, mas sobretudo à situação moral do indivíduo predisposto a recebê-la.
VII – Há tantas categorias de inspiração e de inspirados quantas faculdades
existem no cérebro humano para assimilar os diferentes conhecimentos. VIII – Os
inspirados são geralmente seres puros, ingênuos e simples, sérios e refletidos,
cheios de abnegação e de devotamento, sem personalidade marcante, bastante
inteligentes para assimilar os pensamentos alheios, mas não moralmente bastante
fortes para os discutir. IX – Por vezes a inspiração é inconsciente de si
mesma. Às vezes um médico, ao se aproximar de certos doentes, acha de súbito o
remédio que pode curá-los. Não foi a ciência que o guiou; foi a inspiração. X –
O que se dá com o médico, pode ocorrer em todos os outros ramos do trabalho
humano. Em certas horas o fogo da inspiração nos devora; há que ceder. XI – A
inspiração vem indiferentemente de dia, de noite, em vigília ou durante o sono;
exige apenas recolhimento. XII – Posto se dirija a todos, a inspiração desce
mais geralmente sobre as naturezas doentias ou gastas por uma sucessão de
sofrimentos, materiais ou morais. XIII – A alucinação é um estado doentio, que
o magnetismo pode modificar de maneira salutar. A inspiração é uma assimilação
moral que não se deve provocar com passes magnéticos. XIV – O alucinado
entrega-se voluntariamente a arroubos e a contorções ridículas. O inspirado
geralmente é calmo. (Págs. 33 a 42.)
Respostas às
questões propostas
A. Quais os princípios do Espiritismo mais facilmente
aceitos?
Segundo Kardec, são a pluralidade dos mundos habitados e
a reencarnação. O primeiro reúne adeptos até mesmo no seio do materialismo. O
segundo está no estado de intuição numa porção de indivíduos, nos quais é uma
crença inata. Essa crença tende, pois, a se vulgarizar cada vez mais, com o que
o Espiritismo só tem a ganhar em termos de adeptos. (Revista Espírita de
1868, pp. 4 e 5.)
B. O abade Poussin, em sua obra sobre o Espiritismo,
reconhece dois fatos positivos por ele atribuídos à doutrina espírita. Quais
são esses fatos?
O primeiro: O Espiritismo envolve, como numa imensa rede,
a sociedade inteira. O segundo: Ele prestou à Igreja o serviço de derrubar as
teorias materialistas do século 18. As consequências desses dois fatos são
comentadas por Kardec na Revista. (Obra citada, pp. 7 a 13.)
C. Que ideias contidas no livro do abade Poussin
fortalecem o Espiritismo?
Na Revista Kardec menciona estas ideias: 1. A crença nos
Espíritos e sua intervenção no domínio de nossa vida remontam à mais alta
antiguidade. 2. Deus fez os Espíritos seus embaixadores, diz o salmista. São os
ministros de Deus, diz São Paulo. 3. Cada ser vivo neste mundo tem um anjo que
o dirige, ensina Santo Agostinho. 4. O fato mais interessante e mais autêntico
da história é a evocação de Samuel por uma pitonisa de Endor, a pedido do rei
Saul. A médium que atendeu Saul disse, depois do episódio: “Eis que há quarenta
anos faço profissão de evocar os mortos a serviço de estranhos; mas jamais vi
semelhante aparição”. 5. O Eclesiástico, reportando-se ao fato, prova que
ocorreu ali uma verdadeira aparição, e não uma alucinação de Saul. (Obra
citada, pp. 13 a 17.)