Revista Espírita de 1867
Allan Kardec
Parte 12
Damos prosseguimento ao estudo metódico e sequencial da Revista Espírita do ano de 1867, periódico editado e dirigido por Allan Kardec. O estudo é baseado na tradução feita por Júlio Abreu Filho publicada pela EDICEL.
A coleção do
ano de 1867 pertence a uma série iniciada em janeiro de 1858 por Allan Kardec,
que a dirigiu até 31 de março de 1869, quando desencarnou.
Cada parte do
estudo, que é apresentado às quartas-feiras, compõe-se de:
a) questões
preliminares;
b) texto para
leitura.
As respostas às
questões propostas encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. Que é que o
Sr. Jacob, famoso médium curador contemporâneo de Kardec, dizia a respeito das
curas que fazia?
B. Que lições
transmitiu o Abade Príncipe de Hohenlohe (Espírito) sobre o sofrimento e suas
causas?
C. O
Espiritismo admite o acaso?
Texto para leitura
150. A Revista transcreve reportagem publicada no Tour du monde,
a respeito das curas realizadas por um curador tripolitano de nome Hassan, que
curava usando o isqueiro e outras fórmulas que eram, na realidade, meros
acessórios da faculdade curadora de que ele era dotado. O assunto foi tema de
uma comunicação mediúnica assinada por Clélie Duplantier, obtida na Sociedade
de Paris a 23 de fevereiro de 1867, na qual o Espírito diz que, no exercício da
mediunidade curadora, podem apresentar-se dois casos distintos: ou o médium é
curador por sua própria vontade, ou é o agente, mais ou menos passivo, de um
motor extracorporal. (Págs. 308 a 311.)
151. No primeiro caso, só poderá agir se suas virtudes e sua força
moral assim permitirem. O Cristo é a personificação suprema do curador e
exemplo clássico desse grupo. Quanto ao curador que é apenas médium, sendo
tão-somente um instrumento, pode ser mais ou menos defeituoso e os atos
operados por seu intermédio não o impedem de ser imperfeito, egoísta ou
orgulhoso. Constitui sinal de bondade da Providência permitir que essas
faculdades se desenvolvam em meios e em pessoas imperfeitas. É um meio de lhes
dar a fé que, mais cedo ou mais tarde, as conduzirá ao bem. “Não são os que têm
saúde que precisam de médico”, afirmou Jesus. (Pág. 311.)
152. Num longo artigo sobre o Sr. Jacob, famoso médium curador
contemporâneo de Kardec, a Revista reuniu sobre as atividades do músico zuavo
as seguintes informações: I – As sessões realizadas pelo Sr. Jacob estão
suspensas; era, por isso, inútil ir ao lugar onde elas se davam, na rua de la
Roquette, em Paris. II – O motivo da suspensão foi o excessivo ajuntamento de
pessoas, que dificultava a circulação numa rua muito frequentada e ocupada por
grande número de industriais, que se viam impedidos em seus negócios. III – O
Sr. Jacob não cura todo o mundo, como ele mesmo expressamente declara; só
quando está diante do doente é que julga da ação fluídica e vê o resultado. IV
– O Sr. Jacob não atende convites para ir a outras cidades, nem mediante
indenização de suas despesas de viagem. Não podendo previamente responder pelos
resultados, ele considera uma indelicadeza induzir pessoas em despesas sem
certeza, mesmo porque, em casos de êxito, isso favoreceria a crítica. V – Ele
também não cura por correspondência, nem diz que doenças são curáveis, porque
pelo fato de curar uma pessoa de tal enfermidade não se segue que cure a mesma
doença em outras pessoas, visto que as condições fluídicas não são mais as
mesmas. VI – As notícias sobre as curas obtidas pelo Sr. Jacob em Paris tiveram
ampla cobertura dos jornais, o que fez com que em quarenta e oito horas toda a
França se inteirasse da novidade. VII – Passado o primeiro momento de surpresa,
os adversários do Espiritismo, quando viram que o Sr. Jacob era paciente e de
humor pacífico, começaram a atacá-lo. VIII – Ante as curas, os espíritas são os
que testemunham menos surpresa, porque sabem qual é o mecanismo da mediunidade
curadora. Os que ignoram a causa do fenômeno fazem inúmeras perguntas e há
mesmo os que indagam se teríamos voltado aos tempos dos milagres. (Págs. 312 a
317.)
153. Em três comunicações sucessivas transmitidas em março de 1867
na Sociedade Espírita de Paris, o Abade Príncipe de Hohenlohe (Espírito) faz
importantes considerações acerca da mediunidade de cura. Extraímos da primeira
delas os pontos que se seguem: I – Todo o mundo possui mais ou menos a
faculdade curadora, e se cada um quisesse consagrar-se seriamente ao estudo dessa
faculdade, muitos médiuns que se ignoram poderiam prestar úteis serviços a seus
irmãos. II – Restabelecer a saúde material é o menor dos serviços que a
faculdade curadora está chamada a prestar. III – A faculdade curadora tem
missão mais nobre e mais extensa. Se pode dar aos corpos o vigor da saúde, pode
também dar às almas toda a pureza de que são suscetíveis, e é somente neste
caso que poderá ser chamada curativa, no sentido absoluto da palavra. IV – O
aparente efeito material, o sofrimento, tem quase constantemente uma causa
mórbida imaterial que reside no estado moral do Espírito. Se o médium curador
só ataca o efeito, e a causa primeira persiste, o efeito pode reproduzir-se,
quer sob a forma primordial, quer sob qualquer outra aparência. V – Aí está uma
das razões pelas quais tal doença, subitamente curada pela influência de um
médium, reaparece com todos os seus acidentes, desde que a influência benéfica
se afaste. VI – Para evitar essas recidivas, é preciso que o remédio espiritual
ataque o mal em sua base, como o fluido material o destrói em seus efeitos:
numa palavra, é preciso tratar ao mesmo tempo o corpo e a alma. VII – Para ser
bom médium curador, é preciso que o corpo esteja apto a servir de canal aos
fluidos materiais reparadores e que o Espírito possua uma força moral que não
pode adquirir senão por seu próprio melhoramento. VIII – Para ser médium
curador há, então, que se preparar para isto, não só pela prece, mas pela
depuração de sua alma, a fim de tratar fisicamente o corpo pelos meios físicos
e de influenciar a alma pela força moral. IX – Na questão de saúde moral há
doentes por toda a parte e o dever do médico é ir a toda a parte onde o seu
socorro é necessário. Devemos, pois, atender não somente os pobres, mas todos
os que necessitem de atendimento, independentemente de sua condição social.
(Págs. 317 e 318.)
154. Na segunda comunicação, o Príncipe de Hohenlohe reafirma seu
conselho de que o tratamento moral e o tratamento físico dos doentes devem
fundir-se em um só, aditando os motivos por que tal providência se impõe. A mediunidade curadora pode, pois, comportar
várias formas: A) Pode compreender unicamente o alívio material dos doentes e
se dirige, então, aos encarnados. B) Pode compreender a melhora moral dos
indivíduos e, neste caso, se dirige tanto aos Espíritos quanto aos homens. C)
Pode compreender o melhoramento moral e o alívio material e, neste caso, tanto
a causa quanto o efeito poderão ser combatidos vitoriosamente. “A mediunidade
curadora abarca, assim e ao mesmo tempo, a saúde moral e a saúde física, o
mundo dos encarnados e o mundo dos Espíritos”, asseverou o instrutor
espiritual. (Pág. 319.)
155. Da terceira comunicação transmitida pelo Príncipe de
Hohenlohe apresentamos, de forma resumida, os pontos que se seguem: I – Conforme
o estado de nossa alma e as aptidões do nosso organismo, podemos, com a
permissão de Deus, tanto curar as dores físicas quanto os sofrimentos morais,
ou ambos. II – Nossas dúvidas a esse respeito provêm de nossas imperfeições;
mas Deus não pede a perfeição, a pureza absoluta dos homens. Deus pede é que
nos melhoremos, que façamos esforços constantes para nos purificarmos, e leva
em conta nossa boa vontade. III – Desde que desejemos seriamente aliviar nossos
irmãos, tenhamos confiança e esperemos que o Senhor nos conceda esse favor. IV
– Atendamos a todos os doentes, sem fazer acepção de pessoas; todos, sejam
ricos ou pobres, crentes ou incrédulos, bons ou maus, têm direito ao socorro. V
– Não nos magoemos pelas recusas que encontrarmos. VI - Melhoremo-nos pela
prece, pelo amor do Senhor e de nossos irmãos e não duvidemos da assistência
que o Todo-Poderoso nos dará no exercício de nossa faculdade. (Págs. 320 e
321.)
156. No dia 16 de agosto, na Sociedade de Paris, o Sr. Morin, em
estado de sonambulismo espontâneo, transmitiu uma sucessão de mensagens. A cada
interlocutor que se apresentava, o médium mudava de tom, de atitude, de
expressão, de fisionomia, e pela linguagem se reconhecia o Espírito que falava,
antes que fosse nomeado. Depois de cada alocução, o médium ficava absorto
durante alguns minutos; era o tempo de substituição de um Espírito por outro.
(Pág. 321.)
157. Eis os pontos mais relevantes extraídos das comunicações
transmitidas na sessão citada: I – A morte nada é. O atordoamento sobrevém,
segue-se um esgotamento e ergo-me mais livre e feliz ao entrar neste mundo
invisível, que minha alma havia pressentido. Vi, observei, e minha alegria
delirante não era temperada senão pelo exagerado pesar dos meus. Mas hoje, que
lhes pude provar a minha existência, sou feliz, muito feliz. (Leclerc.) II – Para a alma que aspira à liberdade, como
é longo o tempo na terra... Mas, também, uma vez partido o laço, com que rapidez
o Espírito corre e voa para o reino celeste, que em vida via em sonhos e ao
qual aspirava sem cessar! Agora não mais espero visitas dos que me são caros:
vou visitá-los. (Ernestine Dozon.) III – Obrigado por vosso perdão sincero,
obrigado por vossas preces, pelo interesse que me prodigalizastes e que
abreviaram os meus sofrimentos! (D.) IV – Assisto aos vossos trabalhos com uma
felicidade muito grande. Observo, estudo e posso ver os fluidos que em vão
tinha procurado perceber em vida. E nessas moléculas fluídicas, átomos
impalpáveis, distingo as diferentes forças propulsoras. Reúno, aglomero os
fluidos simpáticos e vou, gratuitamente, despejá-los sobre os que deles
necessitam. (E. Quinemant.) V – A despeito de todo o ardor até aqui empregado,
no meio de vós e por vossos inimigos, contra as vossas boas intenções, vossa
falange foi a mais forte e, se o mal fez algumas vítimas, é que a lepra já
existia nelas. (São Luís.) VI – O cólera fere de novo a humanidade; seus
efeitos são prontos e sua ação rápida. Sem nenhum aviso, o homem passa da vida
à morte. Esse flagelo destruidor é simplesmente um dos meios para ativar a
renovação humanitária, que se deve realizar. Mas não vos inquieteis: morrer é
renascer. (Doutor Demeure.) (Págs. 321 a 326.)
158. Em carta dirigida a Kardec, o Sr. Bonnemère revela pormenores
relacionados com a origem da obra Roman de l’Avenir - Romance do Futuro
-, focalizado anteriormente pela Revista. O escritor confirma que, ao escrever
o livro, não conhecia o Espiritismo e não possuía nenhuma obra sobre as
questões tratadas no romance. O médium bretão – o verdadeiro responsável pelo
livro – foi quem lhe forneceu os originais e explicou as condições em que os
recebeu. “Quando devo servir de instrumento a algum dos amigos desaparecidos,
seu nome ressoa em meu ouvido”, disse-lhe o jovem bretão. “Se for um romance
que devo escrever, para começar me vem o título, depois vêm os acontecimentos;
às vezes é questão de um ou dois dias para o compor inteirinho.” (Págs. 327 a
329.)
159. Bonnemère argumenta, relativamente à origem mediúnica do
livro: “Se um indivíduo que jamais abriu um livro de medicina escreve, sem ter
consciência disso, remédios que podem curar, em muitos casos, a maioria dos
males atualmente considerados incuráveis, parece-me incontestável que tais
coisas lhe são reveladas por uma força desconhecida e misteriosa”. E, bastante
seguro de si, conclui assim a carta: “Aqui pode haver um mistério, mas afirmo
que não há mistificação. Se sou mistificado, restar-me-ão sempre os cento e
tantos romances e novelas desse romancista sem o saber, cuja publicação vai
ocupar agradavelmente os lazeres dos últimos anos de minha vida, e dos quais
deixarei a maior parte para outros depois de mim”. (Págs. 331 e 332.)
160. Comentando o caso, Kardec recorda que existem médiuns
inconscientes e médiuns conscientes. A primeira categoria, à qual pertence o
jovem bretão citado pelo Sr. Bonnemère, é a mais numerosa e quase geral, a
ponto de se poder dizer que em 100 pessoas 90 são dotados dessa aptidão em
graus mais ou menos ostensivos. O Romance do Futuro era, sem dúvida, uma obra
mediúnica do jovem bretão e o Sr. Bonnemère agiu corretamente por ter declinado
a sua paternidade. (Pág. 333.)
161. Um único reparo é feito por Kardec à carta do Sr. Bonnemère:
quando ele se felicita pelo acaso que lhe pôs em mãos os documentos fornecidos
pelo médium bretão. O Espiritismo não admite o acaso nem o sobrenatural nos
acontecimentos da vida. Foi, pois, intencionalmente que aqueles documentos lhe
haviam chegado, porque nas mãos do jovem bretão teriam, com certeza, ficado
perdidos. Era preciso que alguém se encarregasse de os tirar da obscuridade. Ao
Sr. Bonnemère, sugere o Codificador, coube essa missão. (Pág. 335.)
162. Finalizando sua análise, Kardec lembra que o objetivo providencial
da manifestação dos Espíritos é atestar a sua existência, provar ao homem que
nem tudo acaba para ele com a vida corporal e instruí-lo sobre sua condição
futura. (Pág. 336.)
163. A Revista reproduz notícia sobre o cura Gassner, publicada no
jornal L’Exposition populaire illustrée. Nascido em 1727, Jean-Joseph
Gassner, após quinze anos de sua ordenação sacerdotal, revelou-se ao mundo como
dotado de um poder excepcional: o de curar as doenças pela simples aposição das
mãos, sem empregar nenhum remédio nem exigir remuneração. O corpo médico
ergueu-se contra ele, e também alguns bispos da Igreja assim agiram.
Constrangido a submeter-se a um inquérito determinado pelo bispo de Constança,
Gassner disse que as doenças podiam ser divididas em três grupos: 1) doenças
naturais ou lesões. 2) doenças de obsessões. 3) doenças complicadas de
obsessões. Gassner morreu em 1779, aos 52 anos de idade. (Págs. 336 e 337.)
164. Em artigo publicado em seguida, a Revista refere diversos
fatos concernentes a pressentimentos e prognósticos extraídos da reportagem
sobre o cura Gassner. (Págs. 338 a 342.)
Respostas às questões propostas
A. Que é que o Sr. Jacob, famoso médium curador contemporâneo de
Kardec, dizia a respeito das curas que fazia?
Primeiramente, o Sr. Jacob dizia que não podia curar todas as
pessoas e jamais afirmou que tal ou tal doença seria curável, visto que, pelo
fato de curar uma pessoa de tal enfermidade, não se segue que pudesse curar a
mesma doença em outras pessoas, porquanto as condições fluídicas, segundo ele,
não eram mais as mesmas. (Revista Espírita de 1867, pp. 312 a 317.)
B. Que lições transmitiu o Abade Príncipe de Hohenlohe (Espírito)
sobre o sofrimento e suas causas?
O Espírito do conhecido Abade, cujas curas o tornaram famoso na
Europa, comunicou-se em Paris em março de 1867, ocasião em que fez importantes
considerações acerca da mediunidade de cura. Acerca do sofrimento que acomete
os enfermos, disse que ele tem quase constantemente uma causa mórbida imaterial
que reside no estado moral do Espírito. Assim, se o médium curador só ataca o
efeito, e a causa primeira persiste, o efeito pode reproduzir-se, quer sob a
forma primordial, quer sob qualquer outra aparência. Aí está uma das razões
pelas quais tal doença, subitamente curada pela influência de um médium,
reaparece com todos os seus acidentes, desde que a influência benéfica se
afaste. Para evitar essas recidivas, é preciso que o remédio espiritual ataque
o mal em sua base, como o fluido material o destrói em seus efeitos: numa
palavra, é preciso tratar ao mesmo tempo o corpo e a alma. (Obra citada, pp.
317 e 318.)
C. O Espiritismo admite o acaso?
Não. Reportando-se a uma carta recebida do Sr. Bonnemère, Kardec
foi bastante claro: o Espiritismo não admite o acaso nem o sobrenatural nos
acontecimentos da vida. Fora, pois, intencionalmente que os documentos citados
pelo Sr. Bonnemère lhe haviam chegado às mãos, porque nas mãos do jovem bretão
teriam, com certeza, ficado perdidos. Era preciso que alguém se encarregasse de
os tirar da obscuridade. Ao Sr. Bonnemère, sugere o Codificador, coube essa
missão. (Obra citada, pág. 335.)
Observação:
Para acessar a Parte 11 deste estudo, publicada na semana passada,
clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2025/01/revista-espirita-de-1867-allan-kardec_29.html
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