CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR
Quando abri meus olhinhos, estava num lugar bem
diferente do que há vários dias me encontrava: na barriga da mamãe. E, aos
poucos, percebi que outros muito parecidos comigo vieram juntos, ou melhor,
nasceram.
Eram sete cachorrinhos muito fofos; eu era um
deles. A dona da mamãe também nos cuidou por algumas semanas, mas não podia
ficar com todos os filhotes, na verdade, precisava encontrar donos para nós. É estranho
esperar que alguém nos queira para, assim, termos um lar. Mamãe nos explicou
muitas coisas, principalmente, como deve ser o nosso comportamento para
encontrarmos um bom dono e um pouquinho carinhoso.
Mamãe ainda nos ensinou a não sermos chorões e nem
muito gulosos; a sermos obedientes e amorosos com os nossos futuros pais, ou
melhor, donos; a esperarmos sempre no tapete de fora; a não fazermos tanta
bagunça, muito menos sujeira. Essas foram algumas recomendações para sermos
aceitos como animais de estimação.
E os dias se passaram. Meus irmãos, quase todos
já haviam recebido um lar, um dono, somente Bolinha Branca e eu estávamos
aguardando a oportunidade e esperançosos de alegria e proteção para nossa vida
futura. Chamo minha irmãzinha de Bolinha Branca porque ela é branquinha como o
leite da mamãe e tem pelos bem fofinhos como o paninho que a atual dona nos
cobre para dormir; os outros irmãos, inclusive eu, temos pelos mais escuros e
mais curtos, somos machos e não podia ser diferente, mas mamãe nos esclareceu
que isso é preconceito e tudo em extremo torna-se difícil para se viver. É
preciso, acima de tudo, compreensão de que somos distintos e essa diferença é
que enriquece a vida.
E mais um dia se foi e nosso novo dono não
apareceu, talvez não encontrara o endereço para chegar até aqui, pode ser isso.
Mas a dona atual parecia preocupada por ainda estarmos com ela, pode ser também
que estejamos dando gasto com a comida. É difícil viver com a insegurança.
Tenho vontade de ser mais alegre e brincalhão, vejo, porém, que ela não me quer
dar muita atenção.
Mamãe disse que a dona não nos acarinha muito,
pois quando amamos alguém e depois ocorre a distância torna-se sofrimento
incalculável; mamãe explicou que o coração chora de verdade.
Escute! Um carro parou em frente de casa. Será
que é o meu dono? Ergui minhas orelhas para ouvir melhor a conversa. A dona
explicava como era a nossa rotina, o que comíamos durante o dia e abrandou a
nossa bagunça.
– Que linda essa cachorrinha branca! – a
visitante falou.
Entendi que seus olhos não estavam encantados
por mim, mas por minha irmã. Tudo bem, pelo menos ela poderia já ter encontrado
um lar bem amoroso.
Assim aconteceu. Ela se despediu de mim com um
cheiro no focinho e um rosnadinho de ternura para mamãe. Lá se foi. Somente eu
restei. Fui para perto da mamãe; ela tinha outras coisas a fazer. Continuo
aguardando alguém caridoso.
Mais dois dias se passaram. Aumentava a
preocupação de minha dona Camile e a minha agonia se agigantava por até agora
ninguém se interessar por mim.
Deitei-me na beirada do tapete da varanda da
cozinha; era preciso deixar espaço para os humanos limparem os pés. Sem muito
demorar, passei para aquele soninho gostoso que tanto faz bem.
Nesse momento, apareceu uma moça bondosa, olhou
para mim e me falou:
– Estava te procurando. Que bom que te
encontrei!
Ela me pegou, acariciou e me apertou contra seu
peito cheio de amor.
Imensa felicidade inundou meu coração. Quanta
alegria! Agora terei a minha casa e uma dona que cuidará de mim.
De repente, acordei. Abri devagar meus olhinhos;
era um sonho. Ah, que tristeza! O que será de mim? Continuei no tapete.
Ainda deitadinho, ouvi Camile falar:
– É este aqui.
– Que lindo cachorrinho é você! Venha, meu
querido!
Levantei a cabeça e quase desmaiei. A moça
bondosa do meu sonho estava bem aqui.
Ela me acariciou tanto e em seguida me pegou no
colo e me apertou, amorosamente, contra seu peito. Ouviu tudo o que Camile
tinha para lhe dizer sobre minha rotina e me levou para sua vida.
Aguardei tanto esse dia. Hoje sou feliz e amado.
De todos os donos que buscaram os meus irmãos, nenhum se iguala à minha bondosa
dona Açucena, esse é o seu nome; também sei que é nome de flor.
Tudo tem o seu tempo. É preciso viver cada dia
com bondade e confiança. Cada coisa ou pessoa confiada ao nosso coração chegará
no tempo oportuno à porta da nossa vida.
Agora estou em minha caminha observando a linda
flor açucena no canto da sala do meu verdadeiro lar.
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