sábado, 18 de janeiro de 2014

Aperfeiçoamento animal

JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

Eram da mesma família felina. O primeiro chamava-se Abdul; a segunda, Aimee. Desencarnados, ambos conversavam sobre a influência dos pensamentos em nossas vidas.
Dizia a gata Aimee para o filho:
— Cria minha, o pensamento é quase tudo em nossas vidas. Ele nos permite criações maravilhosas, mas também tenebrosas. As mentes que se alimentam de ideias nefastas, ligadas ao sexo deseducado, ao ódio, aos crimes hediondos e vícios torpes, ao desencarnarem vão direto para as zonas trevosas. Lugar triste e ermo.
— O que é feito de meu felino pai, mamãe? Ele faleceu há vinte anos e, como estou aqui há apenas dez, nunca tive notícias dele.
— Amore mio... Como você sabe, seu pai foi um engenheiro renomado, no mundo físico, que construiu belos arranha-céus, na Terra, mas arranhou também duas gatas, ligadas às zonas trevosas de nossa dimensão, embora aparentasse ser um pai de família exemplar e frequentasse a missa aos domingos. Quando desencarnou, as gatas também já libertas do corpo físico o esperavam para continuar enredando-o nas malhas da paixão inconsequente. Atormentam-se os três até hoje. Now they are lost in the threshold umbral.
— E como se chamam essas gatas assanhadas, mamma?
— A loira chama-se Zypp; a morena, Cher.
— Não tem como livrá-lo de tais influências nocivas, mother?
— O problema é de vibração, meu gatinho, eu o visito muitas vezes, mas ele não identifica minha presença. Zypp e Cher sempre o retiram das minhas influências e o arrastam para as zonas sombrias, onde se enroscam, há anos, num novelo de lã negra, do qual não se conseguem soltar.
— Miau! E como faremos para libertá-lo dessa escatológica fascinação, maman?
— Somente quando Juan aderir mentalmente, pelo remorso e desejo sincero de se libertar dos fluidos mentais funestos, poderei exercer influência sobre ele e libertá-lo das garras dessas gatas sensuais.
— Então, mamãe, vamos miar por ele, mas não nos esqueçamos também delas.
— É verdade, meu filho, miaremos igualmente por nossas inimigas, a fim de que sejam iluminados, pois, segundo Augusto dos Anjos,

Se devassássemos os labirintos
Dos eternos princípios embrionários,
A cadeia de impulsos e de instintos,
Rudimentos dos seres planetários;
[...]

No profundo silêncio dos inermes,
Inferiores e rudimentares,
Nos rochedos, nas plantas e nos vermes,
A mesma luz dos corpos estelares!

É que, dos invisíveis microcosmos,
Ao monólito enorme das idades,
Tudo é clarão da evolução do cosmos,
Imensidade das imensidades!

Nós já fomos os germes doutras eras,
Enjaulados no cárcere das lutas,
Viemos do princípio das moneras,
Buscando as perfeições absolutas. (1)

— Mas então, Augusto, você quer dizer que nós, os gatos, ainda seremos humanos?
— Exatamente, Abdul, mas não como imagina. Precisarão, antes, passar por um processo depuratório, no princípio inteligente universal, para, só então, com o acréscimo do pensamento contínuo, virarem humanos.
— Se é assim, agradeço, mas prefiro continuar felino.
— Assim dizem os brutos, mas não se esqueça de que mesmo os ignorantes, ainda que involuntários, terão de responder pelas marcas dos seus gatos. Continue, então, miando pelo seu pai... Quem sabe um dia...
— E quem são os brutos, nós, ou vocês, que fazem churrasquinho de gato, assistem às rinhas de galos e de cães, aos gritos ferozes que mais parecem urros de feras que de humanos, enquanto nos dilaceramos para seu gáudio?
— É verdade, sob esse prisma, ainda somos mais animais do que vocês... Mie por nós, gatinho!

(1) XAVIER, F. C. Parnaso de além-túmulo. Pelo Espírito Augusto dos Anjos. Brasília: FEB. Evolução.


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