JORGE
LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
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De Brasília-DF
Desculpem, se lhes
não estendo a mão; estou muito constipado. Observem; mal posso falar. Gripe dos
infernos. Passo as noites respirando pela boca. Imagino até que estou magro e
pálido.
Não? Estou sim; vejam
como fungo; fungo sem o mínimo sinal de poder; mas não fungo à toa como já
funguei junto a você, amiga leitora, quando estive no corpo físico.
Minha preocupação
agora não é mais a saúde, como dantes ocorria. Entretanto, tenho ainda algumas
razões para lhe falar de minha fungação. E não são por razões políticas.
Citarei duas ou três:
A primeira foi quando
soube por André do caso do grande comerciante que sempre proporcionou uma vida
folgada para seus filhos e, após a morte física, passou a ter ódio de um deles,
que era médico. Sua família tinha dois filhos, duas filhas vivas e uma filha
morta.
— Quatro vivos e uma
morta, Machado?
— Uma viva, dois
mortos e duas mortas.
— Dois vivos, duas
vivas e uma morta, Bruxo...
— Dois mortos, duas
mortas e uma viva, amigo leitor.
— Não seriam quatro
vivos e uma morta?
— Quem é vivo não
enterra mortos, entendeu, amiga leitora?
— Nadinha!
— Então, pergunte ao
Senhor.
— “Deixa aos mortos o
cuidado de enterrar os seus mortos” (Lucas, 19: 60).
— Exatamente...
— Pois não é?
— Perfeitíssimo.
Dados esses
esclarecimentos claros como água turva, pediria ao Dr. André que me explicasse
o que ocorreu para que o comerciante falecido odiasse tanto seu filho doutor.
Eis a resposta:
— O genitor passara a
vida trabalhando e ajuntara grande patrimônio. Entretanto, já idoso, adoecera
gravemente e Agenor, o filho médico, resolvera antecipar o retorno do pai à
pátria espiritual. Agora, enquanto os quatro filhos vivos disputavam, a tapas,
a herança familiar e a mãe enlouquecera, o espírito paterno remoía-se de ódio
pelo filho que cometera a eutanásia daquele antes que o pai pudesse deliberar
sobre quem ficaria com o quê de seus imensos bens materiais.
Bem dizia Jesus: “Não
ajunteis tesouros na Terra, onde o verme rói, a ferrugem corrói e o ladrão
rouba. Ajuntai-os no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem e onde os
ladrões não os podem roubar” (Mateus, 6: 19).
— Machado, você está
muito conselheiral, o que houve? Você não era disso...
— Ah, meu amigo, nada
melhor do que atravessar o rio Aqueronte, para nos convencermos de que as almas
valem a pena, ainda que sua lama não seja pequena, parodiando meu amigo
Fernando Pessoa. Vamos à segunda razão:
Quando criança, você
se assustou ao ver na TV ou ler uma revista em quadrinhos sobre história de
vampiros? Pois a TVS mostrou, no último domingo, uma pegadinha em que uma
pessoa vestia uma roupa que lhe encobria a cabeça e, com um machado na mão,
saía correndo atrás de outras pessoas, à noite, se fazendo passar por um
fantasma sem cabeça. O susto era tão grande que vários perseguidos tropeçavam e
caíam. Numa dessas, o suposto fantasma tropeçou sobre uma dessas pessoas e,
descoberto, apanhou de todos os fugitivos que viram a cena e voltaram correndo
para agredir o engraçadinho.
Onde já se viu
fantasma tropeçar e poder ser tocado como qualquer de nós?
Pois então, talvez
você não saiba que, nas cidades espirituais de fluidos energéticos densos, como
Nosso Lar, e nas zonas umbralinas que o antecedem somos surpreendidos por mais
intensas sensações do que as dos corpos de matéria bruta. Por mais estranho lhe
pareça, nossa existência terrena é cópia grosseira do que há ali, amigo leitor.
A Física e a Biologia Quânticas já têm explicações para tais fenômenos. Então,
continue acompanhando nossa narrativa e você se surpreenderá.
O jovem Francisco não
queria nem saber de pensar na morte física. Muito apegado ao corpo, após um
desastre, foi parar em Nosso
Lar , depois de um período de transição pelo Umbral, onde
ficou prisioneiro do próprio cadáver, quando sentiu os vermes roerem-lhe as
carnes no túmulo, do qual se afastou correndo, apavorado e demente.
Foi socorrido nas
Câmaras de Retificação de Nosso Lar, enlouquecido, por se julgar perseguido por
um monstro, que nada mais era senão a visão do próprio corpo cadavérico. Tempo
depois, recebeu a visita do espírito paterno, ser evoluído, que orou por ele e
lhe deu um passe. Depois disso, o jovem melhorou bastante, mas continuou sob os
cuidados dos médicos e enfermeiros espirituais.
Perguntei a André,
penalizado, como era possível que alguém fosse assombrado pela imagem do
próprio cadáver. Eis sua resposta:
— Meu amigo, também
tive essa dúvida e fiz a mesma pergunta ao espírito Narcisa, uma enfermeira
bondosa do Ministério da Regeneração. Eis sua resposta:
A visão de Francisco
[...] é o pesadelo de muitos Espíritos depois da morte carnal. Apegam-se
demasiadamente ao corpo, não enxergam outra coisa, e nem vivem senão dele e
para ele, votando-lhe verdadeiro culto, e, vindo o sopro renovador, não o
abandonam. Repelem quaisquer ideias de espiritualidade e lutam desesperadamente
pelo conservar. Surgem, no entanto, os vermes vorazes e os expulsam. A essa
altura, horrorizam-se do corpo e adotam nova atitude extremista. A visão do
cadáver, porém, como forte criação mental deles mesmos, atormenta-os no imo da
alma. Sobrevêm perturbações e crises, mais ou menos longas, e muito sofrem até
a eliminação integral do seu fantasma (XAVIER, F. C. Nosso Lar. Pelo Espírito
André Luiz. Cap. 29: A visão de Francisco).
— Caramba, Machado!
Depois dessa, fiquei morrendo de medo de morrer.
— Deixa de ser bobo,
rapaz; a morte não existe, disso nunca duvidei. Basta que leia minhas obras, a
começar pelos poemas; raros são aqueles que não se refiram ao aspecto
sacrossanto da vida, como este, que dedico a todos os vivos, estejam no corpo
físico ou no espiritual, intitulado:
OS SEMEADORES (Século XVI)
...
Eis aí saiu o que semeia a semear... (Mat., XIII, 3.)
Vós
os que HOJE colheis, por esses campos largos
O
doce fruto e a flor,
Acaso
esquecereis os ásperos e amargos
Tempos
do semeador?
Rude
era o chão; agreste e longo aquele dia;
Contudo,
esses heróis
Souberam
resistir na afanosa porfia
Aos
temporais e aos sóis.
POUCOS;
mas a vontade os poucos multiplica,
E
a fé e as orações
Fizeram
transformar a terra pobre em rica
E
os centos em milhões.
Nem
somente o labor, mas o perigo, a fome,
O
frio, a descalcez,
O
morrer cada dia, uma morte sem nome,
O
morrê-la, talvez.
Entre
bárbaras mãos, como se fora crime,
Como
se fora réu
Quem
lhe ensinara aquela ação pura e sublime
De
as levantar ao céu!
Ó
Paulos do sertão! Que dia e que batalha!
Venceste-la;
e podeis
Entre
as dobras dormir da secular mortalha;
Vivereis,
vivereis!
(ASSIS,
M. Machado de Assis: obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1973, p.
134.)
Au revoir, cher ami!
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