terça-feira, 3 de novembro de 2015

Aprendi a não mais querer sofrer



CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@gmail.com
De Londrina-PR

– Talvez minhas lembranças sejam mais assustadoras que reconfortantes, porém fiz história... história que, compreendendo um pouquinho mais agora, na verdade fora somente ilusão orgulhosa e prepotente. Pobre espírito, desventuroso e enfraquecido, quanto vagueei no vale do sofrimento, quanto chorei e padeci por não perceber a grandeza da vida, perfeita criação de Deus.
Julguei-me superior e agi com vaidade e poderio. Com apenas uma palavra de ordem guiava milhares de pessoas a caminhos desgostosos e contrariados. Assim me mantive por algumas décadas; ilusão... triste ilusão. Os indivíduos que me acompanhavam tinham mais interesse que boa vontade sincera, eles sabiam que algo vantajoso sempre lhes restaria, por isso estavam por perto, só por isso.
E o puro amor não me visitou nesses meus dias de poder e nem foi capaz de romper a barreira do frio orgulho; deveras, o puro amor é sutil e nobre demais para esse tipo de sentimento; nós é que devemos nos redimir para na simplicidade encontrarmos a grandeza. Nem as exclusivas roupas, nem o exuberante castelo, nem o poder sobre um povo, nem o ouro e a riqueza extrema me trouxeram a verdadeira paz que agora levemente comecei a sentir, pois compreendi que, antes de qualquer posição ou existência, somos espíritos... eternos, e essa centelha só precisa vivenciar os reais valores, para encontrar a plenitude estando um pouquinho mais próxima da luz abençoada do Mestre Jesus.
O que mais perturba não é a dura perseguição sofrida por irmãos cuja energia vibra na mesma faixa; o que mais perturba o coração é a própria consciência observadora, detalhista e impiedosa que insistentemente nos traz os fatos equivocados, inúmeras vezes... repetidas vezes, à nossa frente, como se continuamente estivéssemos reincidindo.
Oh, quantos enganos, quantos dissabores! Quanto tempo desperdiçado, propício apenas para incontáveis débitos adquiridos.
E não observei a natureza; não passeei no campo verde de paz; não me encantei com os pássaros e nem com as lindas flores coloridas; não conversei ao entardecer com amigos, pois não os tive; não abracei a quem amei; não criei oportunidade de ajudar as pessoas que, de joelhos, me imploraram; não quis sorrir para as crianças que me acenaram; nunca toquei a mão, em um cumprimento, de alguém humilde; não economizei atitudes a fim de alcançar os objetivos necessários para deter ainda mais poder. Ou melhor, no campo material fui literalmente uma incontestável infeliz rainha; no campo espiritual, o real, sou uma criatura que bem recentemente deixou de rastejar, por tempo indeterminado, pelo pântano sombrio das tristes ações de minha consciência. Nada se perde: nem o bem, nem o mal.
Só mais algumas palavras: a vida é o maior gesto de amor que Deus nos concede. Há poucos meses estou em tratamento. A bondade divina me socorreu depois de tanto eu me envergonhar e, finalmente, reconhecer que precisava de ajuda. E um dos socorristas, falaram-me, foi quem me serviu em meu esplêndido castelo de ilusão na materialidade, mas sua bondade e moral em forma de luz acabam por quase me cegar. Agora estou neste verdadeiro castelo pleno de paz; disseram-me que é um hospital, no entanto, nem fiz muitas perguntas para não os importunar. Para mim, todos eles são mais anjos que médicos e enfermeiros.
Agradeço-lhe muito por me ouvir, mas preciso descansar, ainda estou debilitada demais; entretanto, com disciplina reviverei menos a minha incorreção passada e terei mais fé na prece que rogo ao Mestre. Você é muito jovem e aprenderá, por meio de observações como as que compartilhei, a não sofrer tanto.

*

A senhora saiu amparada por dois cuidadores e nem se deu conta de que a jovem para quem relatou sua história tinha sido a única filha na existência na qual fora uma rainha reinante, filha adorável que nunca recebera um carinho, espírito que há muito a acompanhara, contudo, quando a senhora mais se equilibrar, começará a discernir e terá também melhores condições de trilhar os caminhos abençoados que a divina providência sempre apresenta.

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