Nos
domínios da sombra
Irmão X
Em compacta assembleia do reino das sombras, um poderoso
soberano das trevas, diante de milhares de falangistas da miséria e da
ignorância, explicava o motivo da grande reunião.
O Espiritismo com Jesus, aclarando a mente humana,
prejudicava os planos infernais.
Em toda parte da Terra, as criaturas começavam a
raciocinar menos superficialmente! Indagavam, com segurança, quanto aos enigmas
do sofrimento e da morte e aprendiam, sem maior dificuldade, as lições da
Justiça Divina. Compreendiam, sem cadeias dogmáticas, os ensinamentos do
Evangelho. Oravam com fervor. Meditavam na reencarnação e passavam a
interpretar com mais inteligência os deveres que lhes cabiam no Planeta. Muita
gente entregava-se aos livros nobres, à caridade e à compaixão, iluminando a
paisagem social do mundo e, por isso, todas as atividades da sombra surgiam
ameaçadas. Que fazer para conjurar o perigo?
E pediu para que os seus assessores apresentassem
sugestões.
Depois de alguns momentos de expectativa, ergueu-se o
comandante das legiões da incredulidade e falou:
- Procuremos veicular a crença de que Deus não existe e
de que as criaturas viventes estão entregues a forças cruéis e fatais da
Natureza...
O maioral das trevas, porém, objetou, desencantado:
- O argumento não serve. Quanto mais avançamos nos
trilhos da inteligência mais reconhece o homem a Paternidade de Deus, sendo
atraído inelutavelmente para a fé ardente e pura.
Levantou-se, no entanto, o orientador das legiões da
vaidade e opinou:
- Espalharemos a notícia de que Jesus nada tem que ver
com o Espiritismo, que as manifestações dos desencarnados se resumem num caso
fisiológico para as conclusões da Ciência, e, desnorteando os profitentes da
Renovadora Doutrina, faremos com que gozem a vida no mundo, como melhor lhes
pareça, sem qualquer obrigação para com o Evangelho e, assim, serão colhidos no
túmulo, com as mesmas lacunas morais que trouxeram do berço.
O rei das sombras anuiu, complacente:
- Sim, essa ilusão já foi muito importante, contudo há
milhares de pessoas despertando para a verdade, na certeza de que as portas do
sepulcro não se abririam para os vivos da Terra, sem a intervenção de Jesus.
Nesse ponto, o diretor das falanges da discórdia pôs-se
de pé e conclamou:
- Sabemos que a força dos espíritas nasce das reuniões em
que se congregam para a oração e para o aprendizado da Vida Espiritual, e nas
quais tomam contato com os Mensageiros da Luz... Assim sendo, assopraremos a
cizânia entre os seguidores dessa bandeira transformadora, exagerando-lhes a
noção da dignidade própria. Separá-los-emos uns dos outros com o invisível
bastão da maledicência. Chamaremos em nosso auxílio os polemistas, os
discutidores, os carregadores de lixo social, os fiscais do próximo e os
examinadores de consciências alheias para que os seus templos se povoem de
feridas e mágoas incuráveis e, assim, os irmãos em Cristo saberão detestar-se
uns aos outros, com sorrisos nos lábios, inutilizando-se para as obras do bem.
O chefe satânico, todavia, considerou:
- Isso é medida louvável, contudo necessitamos de
providência de efeito mais profundo, porque sempre aparece um dia em que as
brigas e os desacordos terminam com os remédios da humildade e com o socorro da
oração.
A essa altura, ergueu-se o condutor das falanges da
desordem e ponderou:
- Se o problema é de reuniões, conseguiremos liquidá-lo
em três tempos. Buscaremos sugerir aos membros dessas instituições que o lugar
dos conclaves é muito longe e que não lhes convém afrontar as surpresas
desagradáveis da via pública. Faremos que o horário das reuniões coincida com o
lançamento de filmes especiais ou com festividades domésticas de data fixa.
Improvisaremos tentações determinadas para os companheiros que possuam maiores
deveres e responsabilidades junto às assembleias, a fim de que os iniciantes
não venham a perseverar no trabalho da própria elevação. Organizaremos
dificuldades para as conduções e atrairemos visitas afetuosas que cheguem no
momento exato da saída para os cultos espíritas cristãos. Tumultuaremos o
ambiente nos lares, escondendo chapéus e bolsas, carteiras e chaves para que os
crentes se tomem de mau humor, desistindo do serviço espiritual e
desacreditando a própria fé.
O soberano das trevas mostrou larga satisfação no semblante
e ajuntou:
- Sim, isso é precioso trabalho de rotina que não podemos
menosprezar. Entretanto, carecemos de recurso diferente.
O responsável pelas falanges da dúvida ergueu-se e disse:
- As reuniões referidas são sempre mais valiosas com o
auxílio de médiuns competentes. Buscaremos desalentá-los e dispersá-los,
penetrando a onda mental em que se comunicam com os Benfeitores Celestes,
fazendo-lhes crer que a palavra do Além resulta de um engano deles próprios,
obrigando-os a se sentirem mentirosos, palhaços, embusteiros e mistificadores,
sem qualquer confiança em si mesmos, para que as assembleias se vejam incapazes
e desmoralizadas...
O mentor do recinto aprovou a alegação, mas considerou:
- Indiscutivelmente, o combate aos médiuns não pode
esmorecer, entretanto precisamos de providência mais viva, mais penetrante...
Foi então que o orientador das falanges da preguiça se
levantou, tomou a palavra, e falou respeitoso:
- Ilustre chefe, creio que a melhor medida será recordar
ao pensamento de todos os membros das agremiações espíritas que Deus existe,
que Jesus é o Guia da Humanidade, que a alma é imortal, que a Justiça Divina é
indefectível, que a reencarnação é uma verdade inconteste e que a oração é uma
escada solar, reunindo a Terra ao Céu...
O soberano das sombras, porém, entre o espanto e a ira,
cortou-lhe a palavra, exclamando:
- Onde pretende chegar com semelhantes afirmações?
O comandante dos exércitos preguiçosos acrescentou, sem
perturbar-se:
- Sim, diremos que o Espiritismo com Jesus, pedindo às
almas encarnadas para que se regenerem, buscando o conhecimento superior e
servindo à caridade, é, de fato, o roteiro da luz, mas que há tempo bastante
para a redenção, que ninguém precisa incomodar-se, que as realizações
edificantes não efetuadas numa existência podem ser atendidas em outras, que
tudo deve permanecer agora como está no íntimo de cada criatura na carne para
vermos como ficarão depois da morte, que a liberalidade do Senhor é
incomensurável e que todos os serviços e reformas da consciência, marcados para
hoje, podem ser transferidos para amanhã... Desse modo, tanto vale viverem no
Espiritismo como fora dele, com fé ou sem fé, porque o salário de inutilidade
será sempre o mesmo...
O rei das sombras sorriu feliz, e concordou:
- Oh! até que enfim descobrimos a solução!...
De todos os lados ouviam-se risonhas exclamações:
- Bravos! Muito bem! Muito bem!
O argumento do astucioso condutor das falanges da inércia
havia vencido.
Do livro Contos e
Apólogos, obra mediúnica psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.
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