Revista Espírita de 1866
Allan Kardec
Parte 7
Prosseguimos nesta edição o estudo metódico e sequencial da Revista Espírita do ano de 1866, periódico editado e dirigido por Allan Kardec. O estudo baseia-se na tradução feita por Júlio Abreu Filho publicada pela EDICEL.
A coleção do
ano de 1866 pertence a uma série iniciada em janeiro de 1858 por Allan Kardec,
que a dirigiu até 31 de março de 1869, quando desencarnou.
Cada parte do
estudo, que é apresentado às quartas-feiras, compõe-se de:
a) questões
preliminares;
b) texto para
leitura.
As respostas às
questões propostas encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. Pode um
Espírito acompanhar, lúcido, o sepultamento do seu corpo?
B. A prece
recebe de Deus a atenção devida?
C. Há alguma
ligação entre o Espiritismo e o Cristianismo?
Texto para leitura
79. O Espírito
de Baluze, que foi ilustre historiógrafo nascido em Tulle em 1630 e morto em
Paris em 1718, reporta-se numa comunicação às práticas supersticiosas que ainda
se mantinham em uso na região onde vivera e afirma, com convicção, que a doutrina
espírita é a única que pode mudar o espírito das populações chafurdadas na
ignorância, arrancando-as à pressão absurda dos que ignoram as grandes leis da
erraticidade e querem imobilizar a crença humana num dédalo em que eles
próprios se enredam. (Págs. 141 a 144.)
80. A Revista
noticia a morte do Dr. Cailleux, médico e presidente do Grupo Espírita de
Montreuil-Sur-Mer, ocorrida em abril de 1866. Considerado pelo povo o “médico
dos pobres”, o falecimento do Dr. Cailleux consternou toda a cidade, como prova
a participação de perto de três mil pessoas em seus funerais. O devotamento do
notável médico e o respeito que a população lhe votava não impediram que o
clero da cidade lhe recusasse sepultura eclesiástica, e isso por um único
motivo: o fato de o Dr. Cailleux ser espírita.
(P. 144 a 148.)
81. Logo em
seguida à reportagem, a Revista transcreve duas comunicações transmitidas pelo
Espírito do Dr. Cailleux. Na primeira, obtida no Grupo de Montreuil, ele pede
aos seus colegas que perseverem em seus propósitos até a morte, ligando-se uns
aos outros pelos laços da caridade, da benevolência e da submissão, porque essa
é a melhor maneira de colher frutos abundantes e doces. Na segunda comunicação,
dada na Sociedade de Paris, o médico disse não ter demorado a voltar da emoção
que se segue à morte, o que lhe permitiu acompanhar, perfeitamente lúcido, o
sepultamento de seu corpo. (Págs. 148 a 150.)
82. Ciente da
posição tomada pelo clero com relação ao seu funeral, Dr. Cailleux afirmou:
“Perdoo a todos os que, de um ou de outro modo, julgaram fazer-me o mal; quanto
aos que se recusaram a orar por mim no templo consagrado, serei mais caridoso
que a caridade que pregam: oro por eles. É assim que se deve fazer, meus bons
irmãos em crença”. “Crede-me, e perdoai aos que lutam contra vós, pois não
sabem o que fazem.” (Págs. 150 e 151.)
83. Em 23 de
abril de 1866, o Espírito do Dr. Demeure, valendo-se das faculdades mediúnicas
do Sr. Desliens, alertou o Codificador para a necessidade de cuidar da própria
saúde e recomendou-lhe repouso, esclarecendo que as forças humanas possuem
limites que ele infringia, movido pelo desejo de ver progredir o ensino. Essa
atitude era evidentemente errônea porque, agindo assim, não apressaria a marcha
da doutrina e arruinaria a própria saúde. Kardec ouviu-o, mas alegou que havia
ainda mais de quinhentas cartas a responder e não sabia como atendê-las. Dr.
Demeure recomendou que, como se diz em linguagem comercial, as cartas fossem
levadas em bloco à conta de lucros e perdas e que se publicasse sobre isso um
aviso na Revista, para que todos se inteirassem da medida e a compreendessem. O
Codificador parece ter aceitado o conselho. (Págs. 151 a 153.)
84. Duas
comunicações mediúnicas recebidas na Sociedade de Paris no mês de abril de 1866
encerram o número de maio. Na primeira, analisando o tema prece, um Espírito
protetor faz oportunas observações, adiante resumidas: I – Há quem imagine,
erroneamente, que o que pedimos na prece deve realizar-se por uma espécie de
milagre, enquanto outros pensam que, não sendo o pedido acolhido da maneira que
se espera, a prece é inútil. II – Deus, evidentemente, não altera em caso algum
o curso das leis que regem o universo, mas para atender à prece não é preciso
derrogar ou modificar suas leis. III – Obviamente, nenhuma atenção é dada pelo
Pai aos pedidos fúteis ou inconsiderados, mas a prece pura e desinteressada é
sempre escutada. IV – Quando a prece é justa e útil o seu atendimento, ela
recebe do Criador a atenção devida. Os Espíritos executores de sua vontade são então
encarregados de provocar as circunstâncias que devem conduzir ao resultado
almejado. Como quase sempre esse resultado requer o concurso de um encarnado,
os Espíritos inspiram os que devem nele cooperar. V – Não existe, assim, acaso
nem na assistência que se recebe, nem nas desgraças que se experimentam. VI –
Nas aflições, a prece não só é uma prova de confiança e de submissão à vontade
de Deus, mas tem por efeito estabelecer uma corrente fluídica que leva longe,
no espaço, o pensamento do aflito. VII – Esse pensamento repercute nos corações
simpáticos ao sofrimento e estes, como que atraídos por um poder magnético,
dirigem-se para o lugar onde sua presença pode ser útil. VIII – Deus poderia
socorrer diretamente a pessoa que ora, mas quer que os homens pratiquem a
caridade, socorrendo-se uns aos outros. Desse modo, quando alguém, após receber
uma ajuda inesperada, exclama: “É a Providência que a envia”, diz uma verdade
maior do que geralmente supõe, embora o Pai faça com que os meios de ação não
se afastem das leis gerais e a assistência dos Espíritos não se torne tão
evidente a ponto de levar os homens a negligenciarem o próprio esforço. (Págs. 153 a 156.)
85. Na
comunicação seguinte, sobre os deveres do espírita, o Espírito de Luís de
França tece, entre outras, as seguintes considerações: I – O Espiritismo é uma
ciência essencialmente moral. Os que se dizem espíritas não podem, pois, sem
cometer uma grave inconsequência, subtrair-se às obrigações que impõe. II –
Essas obrigações são de duas sortes. A primeira concerne ao indivíduo que,
ajudado pelas claridades que a doutrina espalha, pode compreender melhor o
valor de seus atos e a infinita bondade de Deus. Não se compreende que o homem
esclarecido quanto aos seus deveres para com Deus e seus irmãos continue
cúpido, egoísta e orgulhoso. Um indivíduo assim só é espírita de nome. III – A
segunda ordem de obrigação do espírita, que decorre da primeira e a completa, é
a do exemplo, que é o melhor dos meios de propagação e de renovação. Disso
advém a obrigação moral que tem o espírita de conformar sua conduta à sua
crença e ser um exemplo vivo, um modelo, como o Cristo o foi para a humanidade.
IV – O Espiritismo não é senão a aplicação verdadeira dos princípios de moral
ensinada por Jesus. Foi com o objetivo de fazê-la por todos compreendida que
Deus permite as manifestações dos Espíritos. Ele vem, portanto, como o
Cristianismo bem compreendido, mostrar ao homem a absoluta necessidade de sua
renovação interior. V – Nenhuma emanação fluídica, boa ou má, escapa do coração
ou do cérebro do homem sem deixar um sinal em qualquer parte. A Balança da
Justiça divina não é senão uma figura que exprime que cada um de nossos atos,
cada um dos nossos sentimentos é, de certo modo, o peso que carrega a alma e a
impede de se elevar, ou o que traz o equilíbrio entre o bem e o mal. VI – As
obrigações impostas pelo Espiritismo são, pois, de natureza essencialmente
moral; são uma consequência da crença; cada um é juiz e também parte em sua
própria causa; mas as claridades intelectuais que traz a quem realmente quer
conhecer-se a si mesmo e trabalhar por melhorar-se são tais, que amedrontam os
pusilânimes, e por isso é ele rejeitado por tanta gente. VII – Outras pessoas
tratam de conciliar a reforma de que necessitam com as exigências da sociedade,
do que resulta uma mistura heterogênea, uma falta de unidade, que faz da época
atual um estado transitório. VIII – Se a vida de um adepto da doutrina espírita
for um belo modelo em que cada um possa achar bons exemplos e sólidas virtudes,
e onde a dignidade se alie a uma graciosa amenidade, pode tal confrade
rejubilar-se porque terá, em parte, compreendido as obrigações que o
Espiritismo assinala aos seus verdadeiros adeptos. (Págs. 156 a 159.)
86. Extraído do
jornal Salut Public, de Lyon, a Revista refere o caso de uma criança de
4 anos e meio, filha de honestos operários de seda, domiciliados em Guillotière,
que parecia carregar no último grau o instinto do incêndio. Aos dezoito meses
sentia prazer em acender fósforos; aos dois anos punha fogo nos quatro cantos
de um enxergão e dias antes tentou incendiar a alcova onde dormem seus pais.
Depois de examinar as diversas teorias relativas à existência da alma e ao
momento de sua criação, Kardec assevera que é na preexistência da alma que se
encontra a única solução possível do caso e de todas as anomalias aparentes das
faculdades humanas. As crianças que têm instintivamente aptidões transcendentes
para uma arte ou uma ciência, devem ter aprendido essas coisas em algum lugar.
Se não foi nesta existência, deve ter sido em outra. Dá-se o mesmo com o
progresso moral. Os vícios de que se desfez não aparecem mais; os que conservou
se reproduzem, até que deles se corrija definitivamente. O homem nasce, pois,
tal qual se fez a si próprio. (Págs. 161 a 164.)
87. Que se pode
dizer do menino incendiário? Certamente ele nasceu com tal instinto porque foi
incendiário em outra existência. Se esse instinto se manifesta de maneira tão
precoce, é para cedo chamar a atenção para as suas tendências, a fim de que os
pais e os responsáveis por sua educação procurem reprimi-las antes que se
desenvolvam. Talvez ele mesmo tenha pedido que assim se desse e que nascesse
numa família honrada, pelo desejo de progredir. (Págs. 164 e 165.)
88. Tendo sido
o fato apresentado à Sociedade Espírita de Paris, quatro comunicações,
concordantes entre si, foram recebidas, das quais a Revista publicou duas. Eis
de forma sucinta o que os Espíritos informaram: I – O passado da aludida
criança tinha sido, efetivamente, horrível. Suas tendências atuais diziam bem
quem foi seu Espírito, que reencarnara para expiar e, desse modo, lutar contra
seus instintos incendiários. II – O conhecimento do Espiritismo seria um
poderoso auxílio para seus pais, que não sabiam ainda como reprimir essa
funesta inclinação. III – Os sábios da Terra se enganam quando tratam casos
dessa natureza como se fossem um gênero de loucura. As inclinações perversas do
menino eram, antes que uma doença, um reflexo de seus atos anteriores. IV –
Além disso, era ele impulsionado por suas vítimas desencarnadas, porquanto,
para satisfazer sua ambição, ele não recuou diante do incêndio, sacrificando os
que lhe podiam, no passado, ser obstáculo. V – A criança estava, pois, sob a
influência de Espíritos que não lhe perdoaram os tormentos que os fizeram
sofrer e, por isso, se vingavam. VI – Deus, em sua soberana justiça, pôs ali o
remédio ao lado do mal. O remédio estava em sua tenra idade e na boa influência
do meio em que se achava. Era preciso, porém, fosse ele educado nos princípios
do Espiritismo, em que colheria a força e, compreendendo a sua prova, teria
mais vontade para triunfar. (Págs. 165 a 167.)
89. Diversos
ensinamentos resultaram do estudo feito por Kardec a propósito de uma tentativa
de assassinato de que fora vítima o czar Alexandre da Rússia. No momento do
atentado, um jovem camponês chamado Joseph Kommissaroff interveio e evitou que
o crime fosse consumado. Certos indícios precursores do crime foram mencionados
por um jornal belga. Um deles teria sido a notícia de que o Espírito de
Catarina II houvera avisado numa sessão espírita realizada em Heildelberg que o
imperador estava ameaçado de um grande perigo. (Págs. 167 e 168.)
90. Kardec
analisa o fato e faz interessantes observações sobre a intervenção da
Providência nos acontecimentos de nossa vida, as quais procuramos sintetizar
nos itens que se seguem: I – Muitos atribuirão ao acaso o surgimento do jovem
camponês na cena do crime. O acaso, porém, não existe. Como a hora do czar não
havia chegado, o moço foi escolhido para impedir a realização do crime, pois as
coisas que parecem efeito do acaso estavam combinadas para levar ao resultado
esperado. II – Os homens são os instrumentos inconscientes dos desígnios da
Providência e é por eles que ela os realiza, sem haver necessidade de recorrer
para tanto a prodígios. III – Se o jovem Kommissaroff tivesse resistido ao
impulso recebido dos Espíritos, estes se valeriam de outros meios para frustrar
o crime e preservar a vida do czar. IV – Uma mosca poderia picar a mão do
assassino e desviá-la do seu objetivo; uma corrente fluídica dirigida sobre
seus olhos poderia ofuscá-lo e assim por diante. Mas, se tivesse soado a hora
fatal para o imperador russo, nada poderia preservá-lo. (Págs. 168 e 169.)
Respostas às questões propostas
A. Pode um Espírito acompanhar, lúcido, o sepultamento do seu
corpo?
Sim. Foi o que ocorreu com o Espírito do Dr.
Cailleux, que o povo francês chamava de “médico dos pobres”. Na segunda
comunicação que ele transmitiu após sua desencarnação, disse não ter demorado a
voltar da emoção que se segue à morte, o que lhe permitiu acompanhar,
perfeitamente lúcido, o sepultamento de seu corpo. (Revista Espírita de 1866,
pp. 148 a 151.)
B. A prece
recebe de Deus a atenção devida?
Sim, desde que
pura e desinteressada e seja útil o seu atendimento, a prece recebe sempre do
Criador a atenção necessária. Coisa diferente se dá com os pedidos fúteis ou
inconsiderados. No primeiro caso, os Espíritos executores da vontade do Pai são
então encarregados de provocar as circunstâncias que devem conduzir ao
resultado almejado. Como quase sempre esse resultado requer o concurso de um encarnado,
os Espíritos inspiram os que devem nele cooperar. Não existe, pois, o acaso nem
na assistência que se recebe, nem nas desgraças que se experimentam. Desse
modo, quando alguém, após receber uma ajuda inesperada, exclama: “É a
Providência que a envia”, diz uma verdade maior do que geralmente supõe, embora
o Pai faça com que os meios de ação não se afastem das leis gerais e a
assistência dos Espíritos não se torne tão evidente a ponto de levar os homens
a negligenciarem o próprio esforço. (Obra citada, pp. 153 a 156.)
C. Há alguma
ligação entre o Espiritismo e o Cristianismo?
Sim. Segundo os
Espíritos, o Espiritismo não é senão a aplicação verdadeira dos princípios de
moral ensinada por Jesus e foi com o objetivo de fazê-la por todos compreendida
que Deus permite as manifestações dos Espíritos. Ele vem, portanto, como o
Cristianismo bem compreendido, mostrar ao homem a absoluta necessidade de sua
renovação interior. (Obra citada, pp. 156 a 159.)
Observação:
Para
acessar a 6ª Parte deste estudo, publicada na semana passada, clique
aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2024/09/revista-espirita-de-1866-allan-kardec.html
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