Revista Espírita de 1866
Allan Kardec
Parte 14
Prosseguimos nesta edição o estudo metódico e sequencial da Revista Espírita do ano de 1866, periódico editado e dirigido por Allan Kardec. O estudo baseia-se na tradução feita por Júlio Abreu Filho publicada pela EDICEL.
A coleção do
ano de 1866 pertence a uma série iniciada em janeiro de 1858 por Allan Kardec,
que a dirigiu até 31 de março de 1869, quando desencarnou.
Cada parte do
estudo, que é apresentado às quartas-feiras, compõe-se de:
a) questões
preliminares;
b) texto para
leitura.
As respostas às
questões propostas encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. O médium
zuavo Jacob, famoso por suas curas, conseguia curar todos os enfermos?
B. Que
impressão tinha Kardec sobre Maomé, o fundador do Islamismo?
C. Quando
ocorreram na Sociedade Espírita de Paris os primeiros fenômenos espontâneos de
sonambulismo mediúnico?
Texto para leitura
170. Depois de
referir curas diversas realizadas pelo zuavo, a Revista explica como o médium
procedia. Primeiramente ele introduzia os doentes numa sala, à base de dezoito
ou mais pessoas por vez, dependendo das dimensões do local; os que vinham de
longe eram convidados a entrar primeiro. Todos permaneciam em silêncio, porque
ele dizia que quem conversasse seria posto na rua. Ao cabo de dez ou 15 minutos
de silêncio, Jacob dirigia-se a alguns doentes e, sem nada perguntar, lhes
dizia o que sofriam. Depois, passeando ao longo da mesa em redor da qual os
doentes ficavam sentados, ele falava a todos e os tocava, mas sem os gestos
usados pelos magnetizadores. Em seguida, despedia-os, dizendo a uns: “Estais
curados”; a outros: “Apenas tendes fraqueza”; e a outros, mais raramente: “Nada
posso por vós”. Aos que faziam menção de lhe agradecer, respondia que nada
havia a agradecer e, às vezes, dizia: “Vossos agradecimentos? Dirigi-os à
Providência”. (Págs. 316 a 318.)
171. Em nota
aposta às informações do Sr. Boivinet, Kardec afirma que as curas do Sr. Jacob
eram realmente autênticas e, louvando a conduta do curador, assevera que o que
constitui um mérito real no médium, o que se deve e pode louvar com razão, é o
emprego que faz de sua faculdade; é o zelo, o devotamento, o desinteresse com
os quais a põe a serviço daqueles a quem ela pode ser útil; é ainda a modéstia,
a simplicidade, a abnegação, a benevolência que respiram em suas palavras e que
suas ações justificam, porque essas qualidades lhe pertencem. “Assim”,
acrescenta o codificador do Espiritismo, “não é o médium que se deve pôr num
pedestal, do qual poderá descer amanhã: é o homem de bem, que sabe tornar-se
útil sem ostentação e sem proveito para a sua vaidade.” (Págs. 318 a 320.)
172. O número
de novembro de 1866 começa com novo artigo de Kardec sobre Maomé e o Islamismo,
do qual extraímos de forma resumida as informações que se seguem: I) Foi em
Medina que Maomé mandou construir a primeira mesquita, em que trabalhou com as
próprias mãos e organizou um culto regular. Ali ele pregou pela primeira vez em
623. II) Dois anos após instalar-se em Medina, os Coraychitas de Meca, unidos a
outras tribos hostis, sitiaram a cidade. Maomé teve de defender-se, iniciando-se
para ele um período guerreiro, que durou dez anos e durante o qual se mostrou
um tático hábil. III) Como a guerra era o estado normal daqueles povos, que só
conheciam o direito da força, ao chefe era necessário o prestígio da vitória
para firmar sua autoridade. A persuasão exercia efeito reduzido sobre aquela
gente turbulenta e uma grande mansuetude teria sido tomada como fraqueza. É por
isso que, mesmo sem querer, o grande líder fez-se guerreiro. IV) O sucesso de
Maomé em tantas batalhas foi realmente notável, pois, com exceção de um dos
primeiros combates, em 625, em que foi ferido e os muçulmanos derrotados, suas
armas foram sempre vitoriosas, a ponto de em poucos anos submeter a Arábia
inteira à sua lei. V) Maomé pôde, então, entrar triunfalmente em Meca, após dez
anos de exílio, seguido por perto de cem mil peregrinos, realizando ali a
célebre peregrinação dita de adeus, cujos ritos os muçulmanos conservaram
escrupulosamente, porque no mesmo ano, dois meses depois de seu regresso a
Medina, em 8 de junho de 632, ele morreu. (Págs. 321 e 322.)
173. Sobre
Maomé e sua obra, Kardec destaca outros pontos importantes: I) É um equívoco,
disseminado pelos adversários de Maomé, apresentá-lo como um indivíduo
ambicioso, sanguinário e cruel. II) Também não se deve torná-lo responsável
pelos excessos de seus sucessores, que pretenderam conquistar o mundo para a fé
muçulmana de espada em punho. III) Maomé, mesmo em meio aos seus sucessos,
havendo chegado ao topo de sua glória, fechou-se no seu papel de profeta, sem
jamais usurpar uma autoridade temporal despótica: não se fez rei, nem potentado
e jamais se manchou, na vida privada, por nenhum ato de barbárie ou de cupidez.
IV) Se o papel de guerreiro lhe foi uma necessidade e se esse papel pode
escusá-lo de certos atos políticos, há, no entanto, alguns senões que ele
poderia ter evitado, como a consagração da poligamia em sua religião, que foi o
seu mais grave erro, pois isso opôs uma barreira entre o Islamismo e o mundo
civilizado. V) Permitindo quatro mulheres legítimas, Maomé esqueceu que, para
que sua lei se tornasse a da universalidade dos homens, era preciso que o sexo
feminino fosse ao menos quatro vezes mais numeroso que o masculino. VI) Mau
grado as suas imperfeições, o Islamismo não deixou de ser um grande benefício
para a época em que apareceu e para o país onde surgiu, porque fundou o culto
da unidade de Deus sobre as ruínas da idolatria. A religião cristã tinha muitas
sutilezas metafísicas, por isso é que todas as tentativas para a implantar
nessas regiões tinham falhado. VII) Compreendendo os homens de seu tempo, Maomé
deu-lhes uma religião apropriada às suas necessidades e ao seu caráter. VIII)
Bastante simples, o Islamismo prega a crença num Deus único, que vê nossas
ações mais secretas e que premia ou castiga, numa outra vida, os atos que
cometemos. IX) O culto islâmico consiste na prece, repetida cinco vezes por
dia, nos jejuns e mortificações do mês de ramadã, e em certas práticas, como as
abluções diárias, a abstenção do vinho, das bebidas inebriantes e da carne de
certos animais. X) A sexta-feira foi adotada como o dia santo da semana e Meca
indicada como o ponto para o qual todo muçulmano deve voltar-se ao orar. XI) A
atividade pública nas mesquitas consiste em preces em comum, sermões, leitura e
explicação do Alcorão. XII) A circuncisão não foi instituída por Maomé, mas por
ele conservada, por ser prática comum dos árabes desde tempos imemoriais. XIII)
A proibição de reproduzir pela pintura ou escultura qualquer ser vivo foi feita
visando a destruir a idolatria e impedir que ela se renovasse. XIV) A
peregrinação a Meca, que todo fiel deve realizar ao menos uma vez na vida, é um
ato religioso, mas seu objetivo na época era aproximar, por um laço fraternal,
as diversas tribos inimigas, reunindo-as num mesmo lugar consagrado. XV) A
religião muçulmana admite o Antigo Testamento por inteiro, até mesmo Jesus, que
reconheceu como profeta. Segundo Maomé, Moisés e Jesus foram enviados por Deus
para ensinar a verdade aos homens. Como os Dez Mandamentos, o Evangelho é a
palavra de Deus, mas os cristãos teriam alterado o seu sentido. (Págs. 322 a
325.)
174. No último
discurso que pronunciou em Meca, pouco antes de sua morte, Maomé aconselhou
seus seguidores a que fossem humanos e justos, guardando-se de cometer
injustiça, porque um dia todos apareceremos diante do Senhor e ele pedirá
contas de nossas ações. (Pág. 325.)
175.
Finalizando o artigo sobre o grande líder árabe, Kardec reproduz o elogio que o
historiógrafo alemão G. Weil fez, em sua obra Mohammet der Prophet, de
Maomé e sua obra, seguido de diversas passagens textuais do Alcorão, extraídas
da tradução de Savary. (Págs. 325 a 337.)
176. Das
suratas selecionadas por Kardec, eis algumas frases marcantes que permitem
aquilatar o valor da referida obra: “Deus não exigirá de nós senão conforme as
nossas forças.” “Jamais digas: Farei isto amanhã, sem acrescentar: se for a
vontade de Deus.” “Deus exalta as boas obras, mas pune rigorosamente o celerado
que trama perfídias.” “Nada no céu e na terra pode opor-se às vontades do
Altíssimo.” “Jesus é filho de Maria, enviado do Altíssimo e seu Verbo.” “Crede
em Deus e nos apóstolos; mas não digais que há uma trindade em Deus. Ele é
uno.” “Os que sustentam a trindade de Deus são blasfemos; há apenas um só
Deus.” “Se te acusarem de imposturas, responde-lhes: Tenho por mim as minhas
obras; que as vossas falem em vosso favor.” “Fazei prece, dai esmolas; o bem
que fizerdes encontrareis junto a Deus, pois ele vê as vossas ações.” “Para ser justificado não basta virar o rosto
para o Oriente e para o Ocidente; é preciso ainda crer em Deus, no juízo final,
nos anjos, no Alcorão, nos profetas. É preciso pelo amor de Deus socorrer o
próximo, os órfãos, os pobres, os viajantes, os cativos e os que demandam.” “Se
vosso devedor tem dificuldade em vos pagar, perdoai-lhe o tempo; ou se
quiserdes fazer melhor, perdoai-lhe a dívida.” “A vingança deve ser
proporcional à injúria; mas o homem generoso que perdoa tem sua recompensa
assegurada junto a Deus, que odeia a violência.” “Deus ama a beneficência.” “Os
jardins do Éden serão a habitação dos justos.”(Pág. 326 a 337.)
177.
Reportando-se à Sociedade Espírita de Paris, Kardec diz que a última sessão do
ano, antes das férias, foi uma das mais notáveis porque, pela primeira vez, se
verificou com o Sr. Morin, médium da Sociedade, um fenômeno espontâneo de
sonambulismo mediúnico. Havendo adormecido sob a influência dos Espíritos, ele
falou então com calor e eloquência sobre um assunto de alta seriedade. Em
outubro, na reabertura das sessões, repetiu-se o fenômeno com dois outros
médiuns: a sra. C... e o Sr. Vavasseur. Kardec refere, na sequência, os fatos
que se deram naquela oportunidade e que muito o impressionaram. (Págs. 337 a
341.)
Respostas às questões propostas
A. O médium
zuavo Jacob, famoso por suas curas, conseguia curar todos os enfermos?
Não. Nem todos
puderam ser curados por ele, e Jacob não os enganava, dizendo-lhes claramente,
quando fosse o caso: “Nada posso por vós”. Com respeito aos demais, assim que
faziam menção de lhe agradecer, respondia que nada havia a agradecer e, às
vezes, dizia: “Vossos agradecimentos? Dirigi-os à Providência”. (Revista
Espírita de 1866, pp. 316 a 318.)
B. Que
impressão tinha Kardec sobre Maomé, o fundador do Islamismo?
Uma boa
impressão. Disse Kardec que era um equívoco, disseminado pelos adversários de
Maomé, apresentá-lo como um indivíduo ambicioso, sanguinário e cruel. Também
não se devia torná-lo responsável pelos excessos de seus sucessores, que
pretenderam conquistar o mundo para a fé muçulmana de espada em punho. Maomé,
mesmo em meio aos seus sucessos, havendo chegado ao topo da glória, fechou-se
no seu papel de profeta, sem jamais usurpar uma autoridade temporal despótica:
não se fez rei, nem potentado e jamais se manchou, na vida privada, por nenhum
ato de barbárie ou de cupidez. A religião muçulmana admite o Antigo Testamento
por inteiro, até mesmo Jesus, que reconheceu como profeta. Segundo Maomé,
Moisés e Jesus foram enviados por Deus para ensinar a verdade aos homens. Como
os Dez Mandamentos, o Evangelho é a palavra de Deus, mas os cristãos teriam
alterado o seu sentido. (Obra citada, pp. 322 a 325.)
C. Quando ocorreram
na Sociedade Espírita de Paris os primeiros fenômenos espontâneos de
sonambulismo mediúnico?
Foi em 1866, na
última sessão do ano, antes das férias, que se verificou com o Sr. Morin,
médium da Sociedade, o primeiro fenômeno espontâneo de sonambulismo mediúnico.
Havendo adormecido sob a influência dos Espíritos, ele falou então com calor e
eloquência sobre um assunto de alta seriedade. Em outubro, na reabertura das
sessões, repetiu-se o fenômeno com dois outros médiuns: a sra. C... e o Sr.
Vavasseur. Kardec refere, na sequência, os fatos que se deram naquela
oportunidade e que muito o impressionaram. (Obra citada, pp. 337 a 341.)
Observação:
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