Revista Espírita de 1866
Allan Kardec
Parte 11
Prosseguimos nesta edição o estudo metódico e sequencial da Revista Espírita do ano de 1866, periódico editado e dirigido por Allan Kardec. O estudo baseia-se na tradução feita por Júlio Abreu Filho publicada pela EDICEL.
A coleção do
ano de 1866 pertence a uma série iniciada em janeiro de 1858 por Allan Kardec,
que a dirigiu até 31 de março de 1869, quando desencarnou.
Cada parte do
estudo, que é apresentado às quartas-feiras, compõe-se de:
a) questões
preliminares;
b) texto para
leitura.
As respostas às
questões propostas encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. Que reação
teve Maomé ante a visão do anjo Gabriel?
B. Quando se
iniciaram as pregações públicas de Maomé?
C. Uma criança
pode, ao desencarnar, tornar-se guia de sua mãe?
Texto para leitura
131. Maomé
ficou profundamente perturbado em sua visão e, tendo voltado ao monte Hira,
presa da mais viva agitação, julgou-se possuído por Espíritos malignos e ia
precipitar-se do alto de um rochedo quando uma voz se fez ouvir: “Ó Maomé! tu
és enviado de Deus; eu sou o anjo Gabriel!” Então, levantando os olhos, viu o
anjo sob forma humana, que desapareceu pouco a pouco no horizonte. Essa nova
visão aumentou-lhe a perturbação, embora a esposa se esforçasse por acalmá-lo.
Varaka, primo dela, velho afamado por sua sabedoria e convertido ao
Cristianismo, lhe disse: “Se o que acabas de dizer é verdade, teu marido foi
visitado pelo grande Nâmous, que outrora visitou Moisés; ele será profeta deste
povo”. (Pág. 232 e 233.)
132. A missão
de Maomé não foi, pois, um cálculo premeditado de sua parte, porque ele mesmo
só se convenceu depois de nova aparição do anjo. Nesse período, ele era sujeito
a desfalecimentos e síncopes. O Alcorão não é uma obra escrita por Maomé com a
cabeça fria e de maneira continuada, mas o registro feito por seus amigos das
palavras que pronunciava quando inspirado. Nesses momentos, ele caía num estado
extraordinário e apavorante; o suor corria-lhe da fronte; os olhos tornavam-se
vermelhos; ele soltava gemidos e a crise terminava geralmente por uma síncope
que durava mais ou menos tempo, estando ele em casa, montado em seu camelo ou
em meio à multidão. “A inspiração”, diz Kardec, “era irregular e instantânea, e
ele não podia prever o momento em que seria tomado.” (Pág. 233.)
133. Mais
tarde, quando tomou a sério seu papel de reformador, Maomé falava mais com
conhecimento de causa e misturava às inspirações o produto de seus próprios
pensamentos, conforme os lugares e as circunstâncias, acreditando, talvez de
boa-fé, falar em nome de Deus. (Págs. 233 e 234.)
134. Esses
fragmentos destacados e recolhidos em diversas épocas, em número de 114, formam
no Alcorão as suratas ou capítulos. Esparsos durante sua vida, foram reunidos
após sua morte num corpo oficial de doutrina, pelos cuidados de Abu-Becr e de
Omar. Os mais diferentes assuntos são aí tratados, e apresentam uma tal
confusão e tão numerosas repetições, que uma leitura seguida é penosa e
fastidiosa para quem quer que não seja um fiel. (Pág. 234.)
135. Segundo a
crença vulgar, tornada artigo de fé, as páginas do Alcorão foram escritas no
céu e trazidas prontas a Maomé pelo anjo Gabriel. (Pág. 234.)
136. As
primeiras prédicas de Maomé foram secretas durante os primeiros dois anos, em
que ele se ligou a cerca de 50 adeptos, entre membros de sua família e amigos.
Aos 43 anos começou a pregar publicamente, realizando-se dessa forma a predição
feita por Varaka. Fundada na unidade de Deus e na reforma de certos abusos,
como a idolatria, sua religião foi repelida pelos Coraychitas, guardas da Caaba
e do culto nacional. A princípio o tacharam de louco; depois o acusaram de
sacrilégio. Amotinando o povo, perseguiram-no e com tal violência que, por duas
vezes, seus partidários tiveram de buscar refúgio na Abissínia. (Pág. 234.)
137. Maomé, no
entanto, opunha aos ultrajes a calma, o sangue-frio e a moderação. Como sua
seita crescia, seus adversários, não podendo reduzi-la pela força, resolveram
desacreditá-la pela calúnia. Como ele resistisse a tudo, seus inimigos
recorreram, por fim, aos conluios para o matar, e ele só escapou fugindo. Foi
então que se refugiou em Medina em 622, e é desta época que data a Hégira, ou
era dos muçulmanos. Uma nova fase iniciou-se então em sua vida, porquanto de
simples profeta que era foi constrangido a tornar-se guerreiro. (Págs. 234 e
235.)
138. A Revista
transcreve parte da obra Os Profetas do Passado, escrita pelo Sr. Barbey
d’Aurévilly, que lamenta no livro não ter a Inquisição queimado, não os
escritos, mas o corpo de Lutero. Se isto houvesse ocorrido, “o mundo estaria
salvo pelo menos por um século”, escreveu o Sr. d’Aurévilly. (Págs. 235 e 236.)
139. Kardec
tece a respeito várias considerações e mostra a inutilidade dos crimes
cometidos pela Igreja, porque foram precisamente esses abusos que geraram as
reformas que a Inquisição tanto desejou conter. A morte de Lutero não deteria o
movimento de que foi ele o instigador, porque as ideias novas germinam, fervem
em muitas cabeças e é por isso que encontram eco na sociedade. Se os
reformadores só exprimissem as suas ideias pessoais, não reformariam
absolutamente nada. (Págs. 236 a 238.)
140. No caso da
reforma, sabe-se que Lutero não foi o primeiro nem o único a propô-la, pois
houve antes dele inúmeros apóstolos da ideia, como Wicklef, Jan Hus e Jerônimo
de Praga, os dois últimos levados à fogueira por ordem do concílio de
Constança. Os homens foram, sim, destruídos, mas não suas ideias, retomadas
mais tarde e modificadas em alguns detalhes por Lutero, Calvino e outros.
Conclui-se, portanto, que a morte de Lutero em nada prejudicaria o movimento,
porque outros, sem nenhuma dúvida, o levariam até o fim. (Pág. 238.)
141. Kardec
comenta as chamadas visões da senhora Cantianille, relatadas pelo padre Thorey,
vigário da catedral de Sens, no livro intitulado Relações maravilhosas da
senhora Cantianille com o mundo sobrenatural. No correr da obra,
Cantianille revela como se tornou membro e presidente de uma sociedade de
Espíritos em 1840, durante sua passagem por um convento católico, mas Kardec
considera suas visões puramente fantásticas, visto que a alma não pode ver o
que não existe. (Págs. 239 a 242.)
142. Na
sequência, Kardec reporta-se às criações fluídicas e seus princípios e refere
vários casos de aparições em que os Espíritos portavam objetos diversos.
Assevera o codificador: I) No mundo invisível tudo é, se assim podemos dizer,
matéria intangível, isto é, intangível para nós encarnados, mas tangível para
os seres desse mundo. II) Tudo é fluídico nesse mundo, e as coisas fluídicas
são aí reais. III) O pensamento é capaz de impor modificações ao elemento
fluídico, modelando-o à vontade, como os homens, modelando a argila, podem
fazer uma estátua. IV) A rainha de Oude, embora desencarnada, se via com suas
joias. Para isto bastava-lhe um ato do pensamento, sem que, o mais das vezes,
se desse conta da maneira como a coisa se opera. V) Nos seus momentos de
emancipação, a alma encarnada pode, de igual forma, produzir efeitos análogos.
Pode estar aí a causa das visões fantásticas. Estando o Espírito fortemente
imbuído de uma ideia, seu pensamento pode criar uma imagem fluídica que a
espelhe, a qual terá para ele todas as aparências da realidade, tão bem quanto
o dinheiro que Pierre Legay pensava manipular na vida espiritual, embora
estivesse desencarnado. (Págs. 242 a 244.)
143. Podem
colocar-se na mesma categoria as visões da irmã Elmerick, que dizia ter visto
todas as cenas da Paixão do Cristo e encontrado o cálice no qual Jesus bebera.
Ela provavelmente tenha visto esse e outros objetos que descreveu, mas pelos
olhos da alma, e certamente uma imagem fluídica deles, criada por seu
pensamento. (Pág. 244.)
144. Pode uma
criança de sete anos, ao desencarnar, tornar-se guia espiritual de sua mãe?
Sim; pelo menos é o que informa mensagem mediúnica, transcrita pela Revista, na
qual o próprio Espírito da criança informa que o primeiro anjo de guarda de sua
mãe permaneceu nessa tarefa até que ele o substituísse. (Págs. 244 e 245.)
145. Por que as
mães que choram com a ausência de seus filhos desencarnados não conseguem
comunicar-se com eles, mesmo em sonho? Kardec explica que, além da falta de
aptidão especial, que não é concedida a todos, há por vezes motivos que só a
Providência conhece. Nas pessoas de caráter fraco, essas comunicações reavivam
a dor, em vez de a acalmar. Para outras pessoas, o impedimento constitui muitas
vezes uma prova para a fé e a perseverança. As mesmas razões ocorrem no que
concerne aos sonhos, embora aí, muitas vezes, a pessoa apenas não guarde a
lembrança de um encontro ocorrido. (Págs. 246 e 247.)
Respostas às questões propostas
A. Que reação
teve Maomé ante a visão do anjo Gabriel?
Inicialmente,
Maomé ficou profundamente perturbado com sua visão e, tendo voltado ao monte
Hira, presa da mais viva agitação, julgou-se possuído por Espíritos malignos.
Ele ia, então, precipitar-se do alto de um rochedo quando uma voz se fez ouvir:
- “Ó Maomé! tu és enviado de Deus; eu sou o anjo Gabriel!” Então, levantando os
olhos, viu o anjo sob forma humana, que desapareceu pouco a pouco no horizonte.
Essa nova visão aumentou-lhe a perturbação, embora a esposa se esforçasse por
acalmá-lo. Varaka, primo dela, velho afamado por sua sabedoria e converso ao
Cristianismo, lhe disse: “Se o que acabas de dizer é verdade, teu marido foi
visitado pelo grande Nâmous, que outrora visitou Moisés; ele será profeta deste
povo”. (Revista Espírita de 1866, pp. 232 e 233.)
B. Quando se iniciaram as pregações públicas de Maomé?
Aos 43 anos de idade ele começou a pregar
publicamente. Até então as prédicas de Maomé foram secretas, o que durou dois
anos, quando ele se ligou a cerca de 50 adeptos, entre membros de sua família e
amigos. Tachado de louco e, depois, acusado de sacrilégio, foi perseguido pelos
adversários, aos quais opunha a calma, o sangue-frio e a moderação. Como sua seita
crescia, seus adversários, não podendo reduzi-la pela força, resolveram
desacreditá-la pela calúnia. Como ele resistisse a tudo, seus inimigos recorreram,
por fim, aos conluios para o matar, e ele só escapou fugindo. Foi então que se
refugiou em Medina em 622, e é desta época que data a Hégira, ou era dos
muçulmanos. (Obra citada, pp. 234 e 235.)
C. Uma criança
pode, ao desencarnar, tornar-se guia de sua mãe?
Sim. Foi esse
pelo menos o caso de uma criança de sete anos que, ao desencarnar, tornou-se
guia espiritual de sua mãe. Numa mensagem mediúnica, transcrita pela Revista, o
próprio Espírito da criança disse que o primeiro anjo de guarda de sua mãe permaneceu
nessa tarefa até que ele o substituísse. (Obra citada, pp. 244 e 245.)
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