Revista Espírita de 1867
Allan Kardec
Parte 11
Damos prosseguimento ao estudo metódico e sequencial da Revista Espírita do ano de 1867, periódico editado e dirigido por Allan Kardec. O estudo é baseado na tradução feita por Júlio Abreu Filho publicada pela EDICEL.
A coleção do
ano de 1867 pertence a uma série iniciada em janeiro de 1858 por Allan Kardec,
que a dirigiu até 31 de março de 1869, quando desencarnou.
Cada parte do
estudo, que é apresentado às quartas-feiras, compõe-se de:
a) questões
preliminares;
b) texto para
leitura.
As respostas às
questões propostas encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. Qual é o caráter da revelação
espírita?
B. Kardec diz que o Espiritismo
pode ser considerado, sim, a terceira grande revelação. Quais são as duas
primeiras?
C. Por que motivo, apesar do
advento do Cristo, seria necessária uma nova revelação?
Texto para leitura
135. Duas comunicações mediúnicas recebidas em julho na Sociedade
de Paris fecham o número de agosto de 1867. A primeira recebeu por título “Os
espiões”; a segunda, “A responsabilidade moral”. Eis, de forma resumida, o que
nelas se contém: I – A era nova começa, e com ela o Espiritismo. II – Seu
pequeno batalhão é muito fraco em número, mas pouco a pouco ganha novos
aderentes e em breve será um exército: exército de veteranos do bem. III – Hoje
começa-se a tomar em consideração esse pobre Espiritismo, que diziam natimorto,
mas que agora é visto como um inimigo sério. IV – É o pressentimento dos casos
que têm alguma chance de se apresentar, que faz nascer no homem os pensamentos
adequados à resolução das dificuldades que eles poderiam suscitar. Aí está o
livre-arbítrio. V – Se os homens só tivessem as ideias que os Espíritos lhes
inspiram, teriam pouca responsabilidade e pouco mérito. VI – Não se deve
concluir disso que o homem não seja assistido em seus pensamentos e em seus
atos pelos Espíritos que o cercam. VII – Em geral, o homem que busca, quando
entregue às suas reflexões, quase sempre age só, sob o olhar vigilante de seu
Protetor espiritual, que intervém se o caso for bastante grave para tornar
necessária sua intervenção. (Págs. 256 a 258.)
136. Caracteres da revelação espírita, artigo extraído do livro “A
Gênese”, então no prelo, abre o número de setembro. (N.R.: O artigo é a
reprodução literal dos itens 1 a 55 do capítulo I da obra citada, que seria
publicada poucos meses depois, em janeiro de 1868.) (Págs. 261 a 285.)
137. Do artigo mencionado destacamos os pontos que se seguem: I –
O caráter essencial de toda revelação deve ser a verdade. II – Se Deus suscita
reveladores para as verdades científicas, pode também suscitá-los para as
verdades morais. III – Somente os Espíritos puros recebem a palavra de Deus com
a missão de a transmitir. IV – Sendo a eterna verdade o caráter essencial da
revelação divina, toda revelação manchada de erro ou sujeita a mudança não pode
emanar de Deus. V – O Decálogo tem todos os caracteres de sua origem, ao passo
que as outras leis mosaicas, por vezes em contradição com a lei do Sinai, são
obra pessoal e política de Moisés. VI – O Espiritismo, ao dar-nos a conhecer o
mundo invisível que nos cerca, as leis que o regem, as relações com o mundo
visível, a natureza e o estado dos seres que o habitam, é uma verdadeira
revelação, na acepção científica do vocábulo. VII – O que caracteriza a
revelação espírita é que sua fonte é divina, que a iniciativa pertence aos
Espíritos e que a elaboração é produto do trabalho do homem. VIII – Como meio
de elaboração, o Espiritismo procede da mesma maneira que as ciências
positivas, isto é, aplica o método experimental, sem estabelecer jamais
qualquer teoria preconcebida. IX – O objetivo especial do Espiritismo é o
conhecimento das leis do princípio espiritual. X – O Espiritismo e a ciência se
completam mutuamente. A ciência sem o Espiritismo se acha na impossibilidade de
explicar certos fenômenos; o Espiritismo sem a ciência estaria sem apoio e
controle. XI – É com razão que o Espiritismo é considerado a terceira grande
revelação. A primeira, personalizada em Moisés, revelou aos homens o
conhecimento de um Deus único, soberano senhor e criador de todas as coisas, a
lei do Sinai e os fundamentos da verdadeira fé. XII – O Cristo, tomando da
antiga lei o que é eterno e divino e rejeitando o que era transitório,
acrescentou à primeira a revelação da vida futura e das penas e recompensas que
esperam o homem depois da morte. XIII – A parte mais importante da revelação do
Cristo é o ponto de vista inteiramente novo sob o qual faz encarar a Divindade.
Deus não é mais o Deus terrível, ciumento e vingativo de Moisés, mas um Deus
clemente e misericordioso que perdoa o pecador arrependido e dá a cada um
segundo as suas obras. XIV – Toda a doutrina do Cristo está fundada no caráter
que ele atribui à Divindade. Com um Deus imparcial, soberanamente justo, bom e
misericordioso, ele pôde fazer do amor de Deus e da caridade para com o próximo
a condição expressa da salvação. XV – O Cristo, contudo, não disse tudo o que
poderia ter dito, porque os homens de sua época não o compreenderiam. Eis por
que mais tarde seria enviado à Terra o Consolador, o Espírito de Verdade, que
haveria de restabelecer todas as coisas e explicar tudo quanto ele dissera. XVI
– Se considerarmos o poder moralizador do Espiritismo, a força moral, a coragem
e as consolações que ele dá nas aflições, reconheceremos que ele realiza todas
as promessas do Cristo a respeito do Consolador prometido. Ora, como é o
Espírito de Verdade que preside ao grande movimento de regeneração, a promessa
de seu advento se acha realizada, porque ele é, de fato, o verdadeiro
Consolador. XVII – A terceira revelação não é, ao contrário das duas primeiras,
personificada em nenhum indivíduo. As duas primeiras são individuais, a
terceira é coletiva e produziu-se simultaneamente em milhares de pontos
diversos, que se tornaram centros ou focos de irradiação da doutrina espírita.
XVIII – A doutrina de Moisés é absoluta, despótica; não admite discussão e se
impõe a todo o povo pela força. A de Jesus é essencialmente conselheira; é
aceita livremente e não se impõe senão pela persuasão. A terceira revelação
veio numa época de emancipação e de maturidade intelectual, em que o homem nada
aceita cegamente; devia ser, pois, ao mesmo tempo, o produto de um ensino e o
fruto do trabalho, da pesquisa e do livre exame. XIX – Um último caráter da
revelação espírita é que, apoiando-se nos fatos, ela é e não pode deixar de ser
essencialmente progressiva, como todas as ciências de observação. Marchando com
o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado porque, se novas
descobertas lhe demonstrarem que está em erro num ponto, modificar-se-á nesse
ponto; se uma nova verdade se revelar, ele a aceitará. (Págs. 261 a 285.)
138. Completando o estudo a respeito das ideias espíritas contidas
na obra As Aventuras de Robinson Crusoe, a Revista acrescenta novas informações
sobre o conhecido romance e transcreve trechos dele que falam de comunicações
com Espíritos, sonhos, pressentimentos e inspirações. Estas, segundo o autor de
Robinson Crusoe, “não passam de discursos que imperceptivelmente nos são
soprados ao ouvido, ou por bons anjos que nos favorecem, ou por esses diabos
insinuantes que nos espreitam continuamente”. (Págs. 285 a 291.)
139. Em uma nota aposta logo abaixo do artigo, Kardec observa que
fazia mais de um século que Daniel Defoe, que viveu na Inglaterra entre 1661 e
1731, escreveu o referido romance, que contém expressões que parecem tomadas à
moderna doutrina espírita. Em mensagem dada na Sociedade Espírita de Paris,
Daniel Defoe explicou suas crenças sobre esse ponto, dizendo que pertencera à
seita dos teósofos, a qual professava os mesmos princípios. Por que, então,
essa doutrina não tomou a extensão que o Espiritismo acabou adquirindo? Várias
foram as razões: I – os teósofos mantinham suas doutrinas quase secretas. II –
a opinião das massas não estava madura para as assimilar. III – era preciso que
uma sucessão de acontecimentos desse outro curso às ideias. IV – era necessário
que a incredulidade preparasse os caminhos. V – a Providência não tinha julgado
que já fosse tempo de tornar gerais as manifestações dos Espíritos. “Foi a
generalização desta ordem de fenômenos – diz Kardec – que vulgarizou a crença
nos Espíritos e a doutrina, que é o seu corolário.” (Pág. 291.)
140. A Revista noticia o lançamento do livro Deus na Natureza, de
Camille Flammarion, obra em que o autor procedeu da mesma maneira que em seu
livro sobre a pluralidade dos mundos habitados, colocando-se no próprio terreno
de seus adversários. Se Flammarion tivesse buscado seus argumentos na teologia,
no Espiritismo ou em doutrinas espiritualistas quaisquer, teria estabelecido
premissas que talvez fossem rejeitadas. Mas Flammarion, sabiamente, fala na
obra em nome da ciência pura e não de uma ciência fantasista e superficial, e o
faz com a autoridade que lhe dá seu saber pessoal. Seu livro é, pois, um desses
que têm um lugar marcado nas bibliotecas espíritas, porque é uma monografia de
uma das partes constituintes da doutrina, onde o crente encontra para se
instruir tanto quanto o incrédulo. (Págs. 292 a 294.)
141. O número de outubro é aberto com um artigo em que Kardec
afirma que as ideias espíritas pareciam espalhar-se por todos os lugares, na
imprensa, nos livros, na poesia, nos discursos e até nos sermões, embora
houvesse o cuidado por parte das pessoas de não pronunciar a palavra
Espiritismo. De onde vinham essas ideias, se muitos que as emitiam não eram
espíritas? “Já o dissemos várias vezes - explica Kardec -: quando uma verdade
chega a termo e o espírito das massas está maduro para a assimilar, a ideia germina
em toda a parte: está no ar, levada a todos os pontos pelas correntes
fluídicas.” (Págs. 295 a 297.)
142. Na parte final do artigo, Kardec reproduz artigo publicado
pelo Phare de la Manche, jornal de Cherbourg, em 18/8/1867, no qual o
autor mostra que dois mil anos atrás a casta sacerdotal dos druidas ensinava a
seus adeptos uma doutrina estranha que – fácil é perceber – era em tudo
semelhante à doutrina espírita. O Sr. Digard, o autor do artigo, evidentemente
não menciona nele a palavra Espiritismo. Será que ele não o conhecia ou por
conveniência se absteve de citá-lo? (Págs. 297 a 301.)
143. A Revista focaliza o caso da senhora Condessa de Clérambert,
falecida anos antes em idade avançada e que se notabilizara pelas curas que
operou em criaturas consideradas incuráveis. Muitas vezes ela tratava por
correspondência e, sem ter visto os doentes, descrevia a doença perfeitamente.
Ela dizia receber instruções sobre o tratamento que fazia, sem explicar a
maneira por que lhe eram transmitidas. A Condessa não tratava os enfermos pelo
magnetismo ou pela imposição das mãos, mas pelo emprego de medicamentos que ela
mesma preparava conforme as indicações que recebia. Algumas vezes o resultado
era quase instantâneo, outras vezes requeria mais tempo. Foi assim que curou
radicalmente um grande número de epilépticos e doentes de afecções agudas ou
crônicas que os médicos já haviam abandonado. (Págs. 301 e 302.)
144. A sra. Clérambert não era um médium curador, mas um
médium-médico, que gozava de uma clarividência que lhe permitia ver o mal e a
guiava na aplicação dos remédios que lhe eram inspirados. Nada cobrava das
pessoas que a buscavam, mas não recusava das pessoas ricas, reconhecidas por
terem sido curadas, aquilo que entendiam de lhe dar, e o empregava para suprir
as necessidades daqueles a quem faltava o necessário. (Pág. 302.)
145. A 5 de abril de 1867, o Espírito de Adèle de Clérambert
comunicou-se na Sociedade Espírita de Paris, ocasião em que explicou de onde
lhe vinha o gosto pelo estudo dos assuntos médicos. Ela fora médica em vida
precedente. Um Espírito amigo a ajudava a aliviar os doentes que a procuravam,
mas para isto ele lhe havia recomendado o mais completo desinteresse, sob pena
de perder instantaneamente a faculdade que constituía a sua felicidade. O
desinteresse moral, a humildade e a abnegação constituíam, segundo ele,
condições essenciais à perpetuação de sua faculdade, que ela procurou observar
até o fim de sua existência. (Págs. 302 a 304.)
146. Comentando o assunto, Kardec diz que a faculdade mediúnica
apresentada por Adèle de Clérambert era, em sua opinião, o tipo de mediunidade
que poderá, no futuro, apresentar-se em muitos médicos, quando entrarem na via
da espiritualidade que o Espiritismo lhes abre, porque muitos verão, então,
desenvolver-se em si faculdades intuitivas que lhes serão um precioso auxílio
na prática. (Págs. 304 e 305.)
147. É um erro, diz Kardec, crer que a mediunidade curadora venha
destronar a medicina e os médicos. Ela vem abrir-lhes uma nova via e mostrar,
na natureza, recursos e forças que ignoravam e com as quais podem beneficiar a
ciência e os doentes. Um dia haverá médicos-médiuns, como há médiuns-médicos,
os quais juntarão à ciência adquirida o dom de faculdades mediúnicas especiais.
(Pág. 305.)
148. O desinteresse material é um dos atributos essenciais da
mediunidade curadora. Como a faculdade mediúnica nada lhe custou, o médium
curador deve usá-la gratuitamente. Diferente será a posição dos
médicos-médiuns, porque o exercício da medicina é uma profissão que precisa ser
remunerada como qualquer outra e foi adquirida a título oneroso. Porque um
médico tornou-se médium e é assistido por Espíritos no tratamento de seus
doentes, não se segue que deva renunciar à remuneração. Se ele o fizer, viverá
de quê? (Págs. 305 e 306.)
149. A mediunidade curadora não matará a medicina, mas deverá
modificar profundamente a ciência médica. Médiuns curadores sempre houve e
continuarão a existir, mas deverão ser menos numerosos à medida que aumentar o
número de médicos-médiuns. Ter-se-á então mais confiança nos médicos quando
forem médiuns e mais confiança nos médiuns quando forem médicos. (Pág. 307.)
Respostas às questões propostas
A. Qual é o caráter da revelação espírita?
O que caracteriza a
revelação espírita é que sua fonte é divina, ou seja, a iniciativa pertence aos
Espíritos, mas sua elaboração é produto do trabalho do homem. Como meio de elaboração,
o Espiritismo procede da mesma maneira que as ciências positivas, isto é,
aplica o método experimental, sem estabelecer jamais qualquer teoria
preconcebida, mas seu objetivo especial
é o conhecimento das leis do princípio espiritual. Desse modo, o Espiritismo e
a ciência se completam mutuamente. A ciência sem o Espiritismo se acha na
impossibilidade de explicar certos fenômenos; o Espiritismo sem a ciência
estaria sem apoio e controle. (Revista Espírita de 1867, pp. 261 a 285.)
B. Kardec diz que o Espiritismo pode ser considerado, sim, a
terceira grande revelação. Quais são as duas primeiras?
A primeira foi personalizada em Moisés, que revelou aos homens o
conhecimento de um Deus único, soberano senhor e criador de todas as coisas, a
lei do Sinai e os fundamentos da verdadeira fé. A segunda revelação foi-nos
trazida pelo Cristo, que, tomando da antiga lei o que é eterno e divino e
rejeitando o que era transitório, acrescentou à primeira a revelação da vida
futura e das penas e recompensas que esperam o homem depois da morte. A parte
mais importante da revelação do Cristo é o ponto de vista inteiramente novo sob
o qual faz encarar a Divindade. Deus não é mais o Deus terrível, ciumento e
vingativo de Moisés, mas um Deus clemente e misericordioso que perdoa o pecador
arrependido e dá a cada um segundo as suas obras. (Obra citada, pp. 261 a 285.)
C. Por que motivo, apesar do advento do Cristo, seria necessária
uma nova revelação?
A razão disso é muito simples: Jesus, conforme ele mesmo o
declarou, não disse tudo o que gostaria de ter dito, porque os homens de sua
época não o compreenderiam. Eis por que, segundo suas palavras, seria enviado
mais tarde à Terra o Consolador, o Espírito de Verdade, que haveria de
restabelecer todas as coisas e explicar tudo quanto ele dissera. É por isso que
a terceira revelação não é, ao contrário das duas primeiras, personificada em
nenhum indivíduo. As duas primeiras são individuais, a terceira é coletiva e
produziu-se simultaneamente em milhares de pontos diversos, que se tornaram
centros ou focos de irradiação da doutrina espírita. (Obra citada, pp. 261 a
285.)
Observação:
Para acessar a Parte 10 deste estudo, publicada na semana passada,
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