Um dileto amigo nos enviou a seguinte pergunta: “Jesus ora se
intitulava Filho de Deus, ora se designava Filho do homem. Que significam esses
títulos?”
As explicações seguintes podemos encontrar no livro Obras
Póstumas, de Allan Kardec, livro publicado depois de seu falecimento,
composto de textos esparsos que o Codificador do Espiritismo havia escrito,
muitos deles até então inéditos.
O título de Filho de Deus, longe de implicar igualdade, é,
em verdade, indício de uma submissão.
Jesus é Filho de Deus como todas as criaturas o somos. Ele o chama
de Pai como nós aprendemos a chamar o Criador de nosso Pai.
A expressão “Filho bem-amado de Deus”, que aparece no
Evangelho, deriva do fato de que, tendo Jesus chegado à perfeição que o aproxima
de Deus, possui ele toda a sua confiança e todo o seu afeto.
A expressão Filho do homem, que Jesus utilizou em inúmeras
oportunidades, tem outro significado e, para compreendê-lo, é-nos necessário
remontar à Bíblia, em que a mesma expressão aparece no livro de Ezequiel.
Eis o que está registrado no capítulo II, v. 1 a 3, de Ezequiel:
"Tal foi a imagem da glória do Senhor que me foi apresentada.
Tendo, pois, visto essas coisas, lancei meu rosto por terra: e ouvi uma voz que
me falava e disse: Filho do homem, tende-vos sobre os vossos pés e eu
falarei convosco. E o Espírito, tendo-me falado da sorte, entrou em mim, e me
firmou sobre os meus pés e eu o ouvi que me falava e me dizia: Filho do
homem, eu vos envio aos filhos de Israel, para um povo apóstata que se
retirou de mim. Violaram até este dia, eles e seus pais, a aliança que fiz com
eles."
A qualificação de Filho do homem aparece outras vezes em
Ezequiel e parece evidente que significa: o que nasceu do homem, por
oposição àquilo que está fora da Humanidade. O Senhor designou Ezequiel com esse
nome para lembrar-lhe que, apesar do dom da profecia que lhe fora concedido,
ele pertencia à Humanidade e não devia considerar-se dotado de uma natureza
excepcional.
Jesus deu a si mesmo essa qualificação com uma persistência
notável, porque não é senão em pouquíssimas circunstâncias que ele se diz Filho
de Deus, com o objetivo evidente de lembrar que ele também, como criatura
de Deus, pertence à Humanidade.
Segundo observa Kardec, é bem provável que sua insistência em se
designar Filho do homem fosse um protesto antecipado contra a qualidade
que no futuro lhe seria atribuída, porquanto – segundo o dogma aprovado no
Concílio de Niceia em 325 – a Igreja considera Jesus um dos integrantes da
Santíssima Trindade, conferindo-lhe assim status de Deus, um ser não gerado.
Com efeito, a sentença do Concílio de Niceia diz o seguinte:
"A Igreja de Deus, católica e apostólica, anatematiza os que dizem que
houve um tempo em que o Filho não existia, ou que não existia antes de haver
sido gerado".
As discussões e perturbações que suscitou essa questão agitaram os
espíritos durante três séculos e só vieram a cessar com a proscrição dos bispos
arianos, ordenada pelo imperador Constantino, e o banimento do papa Líbero, que
não quis sancionar a decisão do Concílio.
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