JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
— E então, meu caro
Machado, podemos continuar a ouvi-lo?
— Ora, Joteli, como
você sabe, nunca gostei de falar sobre mim, em todos os tempos: pretérito,
presente e futuro do presente e do pretérito.
— Isso significa que
não nos revelará nada sobre seu retorno à vida?
— Como, retorno à
vida, se ela é única?
— É verdade, amigo,
esqueci-me do que concluíramos, na crônica anterior...
— Isso mesmo! Só se
vive uma vez... Para sempre!
— Mas... E a
reencarnação, também não é eterna?
— Meu caro, sobre
isso, sei menos do que você. Todavia, como diz Allan Kardec, a reencarnação só
é necessária enquanto o espírito é imperfeito.
— Ih, então vou ter
que reencarnar ainda muuuuito...
— E eu também... Mas
não nos preocupemos com isso. Falemos, ainda, sobre a brevidade de cada
existência na Terra. Um simples vírus pode causar mais mortes do que as duas
últimas guerras mundiais, como ocorreu durante o surto de gripe espanhola,
pandemia que matou mais de 20 milhões de pessoas no mundo.
— Mudemos de assunto,
Machado, como se deu sua transição da poesia para a prosa?
— Bem... Isso
aconteceu naturalmente. Todo bom
profissional sabe que, para ele se dar bem no negócio, é preciso
diversificá-lo. Assim, além da poesia, passei a ocupar a função de tradutor,
cronista, dramaturgo, crítico, censor cultural, contista e, por fim,
romancista...
Aliás, a função de
censor cultural custou-me a antipatia de Sílvio Romero, que me qualificou de
tartamudo, entre outros apodos pouco lisonjeiros em seu livro crítico sobre os
escritores brasileiros. Isso, porém, faz parte da vida de todos nós. Se só
recebermos elogio ao que fizermos, como vamos corrigir e aperfeiçoar nossa obra?
— Em compensação,
Machado, não faltou quem o considerasse “a mais alta expressão do nosso gênero
literário”, como José Veríssimo e Alfredo Bosi, entre muitos outros críticos.
Sem falar em críticos e escritores internacionais, como John Gledson e Harold Bloom...
O próprio Romero reconheceu você como um dos nossos melhores escritores.
— Ainda na
adolescência, comecei meus primeiros ensaios literários em prosa...
— Sempre fugindo aos
elogios e às polêmicas, principalmente quando se trata de Sílvio Romero, não é
mesmo, Bruxo?
— O Sr. me desculpe
as idas e voltas em meu retrato biográfico, mas é que meus relatos não obedecem
a uma ordem cronológica, pois a memória deste seu amigo não é linear, e, sim,
espiralada, como nosso DNA.
— E no corpo
espiritual, também existe DNA, Machado? Você disse nosso...
— Sua matriz está no
perispírito. Leia os livros Espiritismo
e genética, do Eurípedes Kühl, Evolução em dois mundos, psicografado pelo
Chico Xavier, e outros do gênero, publicados pela Federação Espírita Brasileira
e outras editoras.
— Como diz Einstein,
meu caro Bruxo do Cosme Velho, “a mente que se abre a uma nova ideia jamais
voltará ao seu tamanho original”.
— Voltando ao assunto
autobiográfico...
Aos 17 anos
incompletos (10 jun. 1856), iniciei, na Marmota Fluminense, meus ensaios prosaicos, na
seção intitulada Ideias vagas.
Meu primeiro texto publicado ali foi, na realidade, além da tradução de pequeno
trecho, em francês, de Alphonse de Lamartine, intitulado Méditations Poétiques,
também um apelo ao leitor para que valorizasse poemas e poetas, como o autor do
título, ou seja, eu, jovem estreante nas letras que requeria, em causa própria,
o reconhecimento e a benevolência para seu primeiro ensaio. (MAGALHÃES JÚNIOR,
2008, v. 1., p. 53- 54.)
O segundo trabalho,
publicado 51 dias depois (boa ideia!), intitulei A comédia moderna. Tal artigo serviria
de mote, 43 anos depois, para a elaboração do capítulo nono daquela que é minha
obra prima: Dom Casmurro
(1899)1. Comentei, então, que, para mim, o teatro era “o verdadeiro
lugar de distração e de ensino, o verdadeiro meio de civilizar a sociedade e os
povos”. E convoquei o povo: “Ao teatro! Ao teatro!” (Id., ibid., p. 56.). Foi
quando resolveram me chamar para integrar a equipe de censores teatrais.
O terceiro artigo em
prosa deste articulador, na Marmota,
foi uma apologia a frei Francisco de Mont’Alverne, o melhor orador sacro do meu
e do seu século, ó Joteli. Na época, tive como amigo e mestre o padre Antônio
José da Silveira Sarmento, que durante um ano foi meu “modesto preceptor2
e um agradável companheiro” (Id., ibid., p. 59), a quem dediquei um longo poema
quando, a 2 de dezembro de 1858, ele faleceu.
Aos dezessete anos,
pois, já me iniciara na prosa. A essas três “ideias vagas”, outras se
sucederiam, como ocorreu com minha nova tradução de alguns tópicos de um texto
do poeta francês Alphonse de Lamartine, publicado na revista de Paula Brito, de
agosto a dezembro de 1857. Diz Magalhães Júnior (2008, p. 60), que, com
certeza, essa minha proeza serviu para que eu fosse convidado a ser um dos
cinco tradutores de O Brasil
pitoresco, obra planejada pelo fotógrafo Victor Frond e
Charles Ribeyrolles, ambos meus admiradores e amigos.
Veja você, leitor,
que já aos dezessete anos, autodidata, possuía este seu amigo aqui um razoável
conhecimento, não só do idioma português, como também do francês.
E você, o que tem
feito em seus dezessete, vinte anos, além de torcer pelo seu time do coração,
bater papos intermináveis com outros internautas e gastar horas vendo programas
duvidosos na TV?
— Pois, amigo Bruxo,
de minha parte, por ora, prefiro continuar entrevistando-o sobre a brevidade da
vida... Ops, da existência física.
— Então, convido-o a
continuar nosso diálogo sobre trivialidades de minha última passagem pela
Terra, como as que ocorreram “no tempo da Petalógica” e outros tempos. É assim que
construímos, paulatinamente, nossa cultura e abrimos nossa mente a uma grande
ideia, como propôs o amigo Einstein.
— E o que era a Petalógica?
— Calma, amigo,
semana que vem, eu digo... A
bientôt!
1
É como dizem os chineses (ou seriam os japoneses?): a maturidade plena do ser
humano ocorre a partir dos 50 anos. Idade que eu tinha quando escrevi Dom Casmurro.
2
Preceptor: educador; mentor; instrutor.
Referência:
MAGALHÃES
JÚNIOR, Raimundo. Machado de
Assis: vida e obra. Rio de Janeiro: Record, 2008, v. 1.
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