CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR
Eram dois
irmãos: Ian e Iasmin. O jovem chegara aos quinze anos e a linda e carinhosa
irmã contava oito. Viviam num bairro comum, numa cidade sem grande destaque de
indústrias, nem de desenvolvimento. Seria apenas uma cidade como tantas outras,
se não fosse o encanto de uma pequenina cidadã, irmã, ternura e amor,
exatamente, em pessoa.
Na casa
moravam os dois irmãos, pai e mãe, uma calopsita,
graciosa, chamada Bela e um cão conhecido como “Voa Raso”, este nome foi
dado por Iasmin, pois quando Bob – seu nome de batismo – via um passarinho ou
pombinha, ele abaixava o corpo, arrastava-se e, sem ser percebido, avançava
rapidamente contra seus pobres irmãos da natureza; mas ele aprende. E por isso,
de tanto observar e achar graça, a linda menina o rebatizou de “Voa Raso”. No
entanto, Iasmin não achara nem um pouco de graça quando Bob alcançou um
passarinho e... pobrezinho! A menina, então, explicou ao cão que aquilo não era
certo de se fazer, também deu uns gritos com ele, que encolheu tanto as orelhas
que parecia estar de toca. Uns irmãos ensinando outros... é a vida.
Esse
acontecimento, Iasmin também relatou ao irmão Ian, como sempre fazia nas outras
ocasiões.
Desde
pequenina, seus olhinhos brilhavam com o mais puro dos sentimentos quando
avistavam Ian, o amado irmão. E com o passar do tempo, esse amor se fortalecera
a cada novo amanhecer, a cada novo anoitecer. A mãe, em determinados casos,
precisava interceder, pois os abraços de Iasmin em Ian eram tão apertados e
demorados que para o irmão parecia faltar o ar.
E logo
corria a mãe para desatarracar a menina do irmão. Ela queria abraçá-lo tão
fortemente a ponto de, no sentido conotativo, colocá-lo em seu coração.
Conforme
Iasmin crescia, compreendia mais a situação da família, em especial, a do
irmão. Ele nascera com um tipo muito raro de paralisia; desde o nascimento
permanecia no leito, quase imóvel; entretanto, tinha aparente compreensão do
que ocorria, conhecia perfeitamente sua família e, pelos olhos, demonstrava sua
emoção. Mas a irmã afirmava total compreensão e que ele ainda a demonstrava de
outras maneiras.
– Iasmin,
filha querida, você vai sufocar o seu irmão – a mãe falava preocupada.
– Não,
mamãe. O Ian gosta de abraço bem apertado, não é, irmão? – a menina pedia a
comprovação.
Iasmin
perguntava, conversava, respondia por ele de tanto já conhecer o amado
companheiro. Com os anos, ela mais o compreendia e o amava.
E nas
idades em questão, de oito e quinze anos, estava o melhor relacionamento
fraternal que se podia presenciar.
Todas as
coisas novas que Iasmin conhecia, correndo compartilhava com o irmão. Um dos
casos foi o de um pequeno pandeiro trazido por um parente do vizinho. Quando o
amigo mostrou-o à menina, ela imediatamente pediu para levá-lo ao querido
irmão.
– Ian...
Ian... Olhe o que trouxe para você conhecer... um pandeiro... ele faz
barulho... ouça... – Iasmin, um pouco descoordenada, bateu várias vezes no
instrumento.
Ian, de
certa forma, assustou-se, verificado pela piscadela dos olhos, mas, de repente,
o canto direito da boca esticou levemente.
– Sabia
que você ia gostar! – a irmã, tão alegre, constatou.
Iasmin
identificava todos os movimentos faciais que o rapazinho irmão fazia.
Então não
se contentava apenas em mostrar o objeto, ela levava-o para o irmão tocar,
sentir a textura, a temperatura.
Pegou,
com delicadeza, a mão do irmão para sentir o pandeiro, explicou cada parte e,
por fim, levemente, os dedos de Ian bateram no instrumento reverberando um som
interessante, que o rapazinho sorriu do jeito que só Iasmin reconhecia.
A mãe
ouvindo o barulho correu até o quarto dos irmãos e, afobada, perguntou:
– Filha,
o que está fazendo?
– Trouxe
o pandeiro para o Ian conhecer – a menina respondeu com toda graça e
felicidade.
– Meu
bem, deixe-me te explicar mais uma vez... Ian não percebe as coisas como nós
percebemos... ele tem limitações e, às vezes, essa euforia e acontecimentos
podem incomodá-lo, compreendeu? – a mãe, explicando, perguntou.
– Está
bem, mamãe... compreendi – Iasmin concordou e respondeu logo.
A menina
sabia que o irmão a compreendia mais que tudo e ela o conhecia mais que
ninguém. Ela só assentiu para não ter de ouvir o discurso materno novamente,
pois de tanto Iasmin levar ao irmão as novas coisas, os discursos maternos eram
corriqueiros.
– Deixei
a panela no fogo... cuide de seu irmão! – a mãe pediu e foi até a cozinha.
– Está
bem, mamãe – a menina respondeu e já soltou um sorriso gigantesco para Ian.
E de fato,
os sorrisos de canto da boca do rapazinho só surgiam quando estavam apenas
irmão e irmã – cumplicidade da vida.
A menina
tirou os chinelinhos e logo subiu na cama do irmão; era um leito reforçado e
com grades, um berço grande.
Sem se
mexer nem dizer uma palavra, mas Iasmin sabia que o irmão estava feliz, aliás,
ela sabia que ele adorava quando ela trazia as coisas novas, contava estórias,
relatava os fatos e descrevia alguma imagem de além das paredes do quarto.
E de um
jeito tão particular, a irmã acariciava o rosto do irmão e se deitava bem do
seu ladinho segurando, com ternura mais plena, uma de suas mãos. Eram dezenas
de minutos a logo formarem a primeira hora, depois vinham as outras mais, que
os dois seres fraternos, desse jeito, tanto apreciavam e amavam.
Nesta
mesma tarde, deitadinha ao lado do irmão, Iasmin sentiu vontade de
descrever-lhe o momento de quando ela fora à praia pela primeira vez no ano
corrente.
A tia
Maria, irmã caçula de sua mãe, a levara para conhecer o mar nas últimas férias.
De fato, a menina aproveitou muito, mas em todos os dias, nas partes dos dias,
em toda a viagem, a menina pensava em seu querido irmão e em como ele se
sentiria num lugar tão maravilhoso como aquele.
Se Ian
não poderia ir, então, a praia, o mar e a sua beleza viriam até ele por meio
das palavras, da imaginação e do amor de Iasmin.
E irmão e
irmã, deitados juntos, participando do mesmo momento, naturalmente, a narração
começou a surgir.
Iasmin,
segurando uma das mãos fraternas, iniciou mais uma vez uma das muitas histórias
para Ian.
– O
primeiro dia que conheci o mar... foi lindo, Ian. Antes pisei a areia... hum,
ela era bem fofinha, parecia uma quantidade enorme – abriu os bracinhos – do
leite em pó que você toma e até a cor era parecida. Depois, Ian, afundei meu pé
nesta imensa quantidade de areia – ela sempre olhava para os olhos do irmão, e
esses olhos eram calmos. – Quando vi aquele tanto de água, corri para a
beirinha e senti a água molhando os meus pés... sabe quando a mamãe te dá banho
e ela molha primeiro o seu pé, então, assim mesmo. Mas a água, Ian, era
salgada, gosto do sal que a mamãe põe na sua papinha... e fica aquele gostinho
gostoso... e você sabe que a mamãe sempre me dá um pouquinho da sua comida?...
é uma delícia! – os olhos da menina sorriam.
A mãe
entrou no quarto para saber se estava tudo bem.
– Filha,
de novo você está na cama do seu irmão? – a mãe perguntou.
– Sim,
mamãe! O Ian sempre me pede para contar o que acontece lá fora – a filha
respondeu tão simplesmente.
– Iasmin,
você sabe que é feio mentir – a mãe, um pouco severa, falou.
– Não
estou mentindo, mamãe!
– Seu
irmão não fala, você sabe disso!
– Ah, mas
entendo tudo o que ele me diz com o seu olhar, o seu jeito... conheço muito bem
o Ian, mamãe. Ele é o meu irmão – Iasmin ao lado de Ian, falou com segurança.
– Está
bem, filha! Mas não o sufoque, você sabe que ele precisa ficar nesta exata
inclinação – a mãe, cuidadosa, falou.
– Eu sei,
mamãe! Pode ir para lá que nos entendemos muito bem, não é, meu irmão lindo?! –
a menina falou.
– Tudo
bem! Mas cuidado, hein!? – a mãe reforçou.
– Fique
tranquila, mamãe... tchau, tchau – disse a menina.
E a mãe
presenciou, mais uma vez, aquele especial amor fraterno e saiu para a cozinha.
– Então,
Ian... a mamãe nos interrompeu... mas continuarei... e o sol é bem quentinho
como quando a mamãe seca o seu cabelo com o secador e sai aquele vento bem
morninho – deu uma pausa. – Brinquei muito na água e na areia. Depois a tia
Maria me comprou um sorvete... gelado como a pedra de gelo que trouxe para você
conhecer a semana passada. Hum... lá estava bem legal – e os olhos da menina se
encheram de lágrimas. – Mas faltava você, Ian – e um chorinho baixo surgiu. –
Queria tanto que você tivesse ido comigo, que pudesse brincar, tomar sorvete,
brincar no mar, passear, andar na areia... – e a irmã não se conteve e chorou
sentida por tanto amor pelo querido irmão.
E Iasmin
abraçou-o tão encantadoramente e disse quanto o amava e quanto era lindo...
bonito... inteligente... carinhoso e tantas mais qualidades.
Os olhos
do irmão também se encheram de lágrimas cheias de ternura, mas sem o som da
palavra, se bem que o amor não precisa de nenhuma palavra, pois já é o mais
grandioso sentimento.
Assim, os
irmãos ficaram carinhosamente juntos, e de nada mais precisavam... apenas a
companhia um do outro já era a felicidade para ambos.
A noite
começava a chegar; então, Iasmin beijou a testa do irmão e foi para o banho; o
papai logo estaria em casa e ela precisava estar limpinha.
Os três
jantaram e compartilharam o momento. Ian sempre era o primeiro a se alimentar,
portanto, já estava bem alimentado em sua cama.
Iasmin
ajudou a mãe com a louça; o pai foi passar um tempo, no quarto, com o seu
menino. E mais um dia findara.
E um novo
amanhecer nasceu.
A mãe
estranhou o silêncio na casa; Iasmin sempre tinha muita energia... e agora tudo
estava tão quieto!
– É capaz
de Iasmin estar deitada junto com Ian – a mãe pensou em voz alta.
Chegou ao
quarto onde os filhos dormiam. Ian já estava com os olhos abertos. A filha
estava deitadinha em sua cama.
– Que
estranho! Iasmin ainda não acordou! – a mãe pensou alto mais uma vez.
Logo, a
mãe foi cuidar do filho. Fez a higiene e trocou-o de roupa. A mãe estranhou
muito e foi chamar a pequena.
– Filha,
acorde, meu bem! Ian já acordou! – a mãe falou com carinho.
A menina
não se mexia e estava tão serena.
– Iasmin!
Filha! – a mãe começou a se desesperar. – Filha, acorde! Iasmin...
E a filha
não mais podia responder. Ela, como um pequenino filhote de passarinho, sem
mais a energia terrena, não mais pertencia a esta dimensão... partira voando
levemente para a continuação de seu progresso. Iasmin agora poderia ser vista
entre as estrelas sorrindo o sorriso mais lindo como os que sorria para Ian,
seu irmão amado.
A mãe
abraçava o corpinho frágil e dizia quanto a amava e quanto era uma filha tão
querida e uma irmã tão amorosa... e era muito criança para a deixar.
E o pai
correra para o quarto e, presenciando a cena, chorou como a criança que estava
embalada nos braços maternos. Os pais se abraçaram com a filha entre eles.
Aquele
quarto fora cenário de tanto amor, fraternidade, ternura, compreensão e agora,
de momento imensamente delicado: a separação de um ser tão querido, um filho.
E como
sempre Iasmin falava, – “Ian entende tudo” – o jovem rapazinho estava quase
imóvel em sua cama, mas com os olhos cheios da lágrima mais eternizada por ter
sido extremamente amado por uma criança de espírito tão nobre e amparador.
Iasmin
ensinou o irmão a olhar pela janela e apreciar as estrelas no alto céu; quem
sabe já previa sua partida e deixou para o irmão o mais eterno brilho: o das
estrelas. Como na verdade, era uma delas.
Iasmin
aprendeu rapidamente que o amor deve ser demonstrado hoje, pois do amanhã não
se tem notícia... só vivendo. Por isso, ela amou tanto o seu irmão Ian.
E a luz
se fez forte na partida de um anjo.
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