sábado, 8 de fevereiro de 2014

Machado e os três sonetos


JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

Amiga leitora, você deve estar curiosa para saber algo sobre o Clube Beethoven. Afinal, a que se destinava esse clube? O que um jovem que mal concluíra quatro anos na escola poderia oferecer a tal clube?
Vamos com calma. A primeira resposta é a de que o clube tinha por finalidade promover saraus musicais. Foi ali que disputei belas partidas de xadrez e ouvi, ao piano, excelentes interpretações de música clássica compostas por Joaquim Antônio Callado, Ernesto Nazareth, Robert Schumann, Frederic Chopin, entre outros grandes autores clássicos. “Mas tudo acaba, e o Clube Beethoven, como outras instituições idênticas, acabou”.
Em meu tempo, a criatividade cultural humana era algo “simples como as pombas e prudente como as serpentes”, como o Mestre Jesus nos aconselha ser. Paula Brito, meu primeiro incentivador literário, costumava postar em seu jornal alguns motes para serem glosados por seus leitores. Outro dia, saudoso dos seus incentivos literários, pedi-lhe:
— Vem cá, Brito, diga-me uma coisa, que tal propor um mote para ser glosado por este seu amigo?
O cabrito não se fez de rogado e mandou esta:
Qual dos dois tinha mais fé:
O que diz de Assis Augusto
Sobre o que escreveu Machado,
Ou a resposta do Bruxo?
Lendo isso, Augusto dos Anjos escreveu este soneto:
Eu sou um ser originado das profundas
regiões abissais deste imenso universo...
Já fui molécula atômica, já fui tundras,
perpassei todos os mil reinos que há num verso.
Por fim, parei na existência das nauseabundas
excrescências mentais que teimei  descrever,
cujo mau cheiro era pior que sujas bundas,
mas a vaidade e o orgulho me impediam ver.
Vivi no tempo das carroças vis puxadas
por pangarés metidos a corcéis famosos
que carregavam vermes vãos, insidiosos.
Morri descrente, as esperanças malogradas
clamavam vivas contra os fatos mentirosos
que, desde então, propalam seres malcheirosos.
Como adoro um desafio literário, respondera-lhe deste modo metafrásico:
Como vida surgida dos abismos,
fui pedra, mineral, fui vegetal...
Já fui de tudo um pouco, e o animal
que em mim reside viu mil cataclismos.
Enfim, tornei-me, sem anacronismos,
este moderno e velho ser mental
que, sendo antigo, também é atual,
avassalado pelos ironismos.
Porém, se o orgulho tanto inda me açoda,
já houve tempo em que puxava roda
como se fora carroceiro ateu.
Pressinto agora que ainda está na moda
a crença que neguei e me incomoda,
pois vejo, após a morte, o riso teu.
Imediatamente, o enxerido do meu secretário arrematou com esta paródia:
Como um ser que dizia ter nascido
das profundas dos vermes putrescíveis,
até que não foi mal eu ter vivido
escarnecendo das mazelas cíveis.
Por fim, cansei de ter oferecido
meu tempo precioso a tão horríveis
e verminosos seres que, de ouvido,
sonhei estar melhor com meretrizes...
Ouvi do Conselheiro, meu bom Aires,
que endurecer-se hay, pero no mucho,
estou pra mim que está em Buenos Aires...
Chamei Brás Cubas e pedi-lhe: — Venha!
Vou dar-lhe um piparote bem no bucho.
Do jeito que isto está parece lenha.
Depois dessa, confesso-lhes, meus cinco leitores amigos, que senti uma vontade imensa de ir correndo ao Clube Beethoven escutar a 5ª Sinfonia, enquanto jogo uma partida de xadrez com Robert James Fischer, o Bobby Fischer.
— Ó Joteli, vá ver se estou ali na esquina!

     
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