Entrevista de Machado a Augusto dos Anjos
Tenho aqui à
minha frente nada mais nada menos que Augusto dos Anjos, a quem pedi uma
entrevista exclusiva.
— Boa-noite,
Augusto! Como te defines e de onde vens?
— Boa-noite,
Bruxo!
Sou uma
Sombra! Venho de outras eras,
Do
cosmopolitismo das moneras...
Pólipo de
recônditas reentrâncias,
Larva de caos
telúrico, procedo
Da escuridão
do cósmico segredo,
Da substância
de todas as substâncias!
(In: ANJOS,
Augusto. Eu e outras poesias.
Poema:
Monólogo de uma sombra).
— Acreditaste na sobrevivência
do Espírito um dia?
— Como não acreditar se
Morri! E a
Terra - a mãe comum - o brilho
Destes meus
olhos apagou!... Assim
Tântalo, aos
reais convivas, num festim,
Serviu as
carnes do seu próprio filho!
(...)
Hoje que
apenas sou matéria e entulho
Tenho
consciência de que nada sou!
(In: ANJOS,
Augusto. Eu e outras poesias.
Poema: Vozes
de um túmulo).
— Como se pode ter consciência
de que nada se é?
— Isso dizia eu da carne
putrescível; / retornando, porém, para esta dimensão, / voltando para o plano
etéreo onde ora estamos, / continuei com consciência indestrutível (jlo).
— Ah, sim, nada somos como
“matéria e entulho”, pois não somos um corpo carnal que tem uma alma e, sim,
uma alma que vive, temporariamente, num corpo físico, certo? E o que mais a
consciência lhe mostrou?
— Mostrou-me que
Há, sim, a
inconsciência prodigiosa
Que guarda
pequeninas ocorrências
De todas as
vividas existências
Do Espírito
que sofre, luta e goza.
Ela é a
registradora misteriosa
Do
subjetivismo das essências,
Consciência de
todas as consciências,
Fora de toda a
sensação nervosa.
Câmara da
memória independente,
Arquiva tudo
rigorosamente
Sem massas
cerebrais organizadas,
Que o neurônio
oblitera por momentos,
Mas que é o
conjunto dos conhecimentos
Das nossas
vidas estratificadas.
(In: XAVIER,
F. C. Parnaso de além-túmulo.
Soneto: A
subconsciência)
— Que recado gostarias de dar ao
amigo leitor?
— Quando, no ergástulo da carne,
afirmei peremptório que
A Esperança
não murcha, ela não cansa,
Também como
ela não sucumbe a Crença,
Vão-se sonhos
nas asas da Descrença,
Voltam sonhos
nas asas da Esperança.
Muita gente
infeliz assim não pensa;
No entanto o
mundo é uma ilusão completa,
E não é a
Esperança por sentença
Este laço que
ao mundo nos manieta?
Mocidade,
portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a
Crença do fanal bendito,
Salve-te a
glória no futuro — avança!
E eu, que vivo
atrelado ao desalento,
Também espero
o fim do meu tormento,
Na voz da
Morte a me bradar: descansa!
(In: ANJOS,
Augusto. Eu e outras poesias.
Soneto: A
esperança).
— Agora que a esperança se
tornou certeza, tens algo mais a declarar?
— Concluo tua pergunta inicial
com estes versos:
Donde venho?
Das eras remotíssimas,
Das
substâncias elementaríssimas,
Emergindo das
cósmicas matérias.
Venho dos
invisíveis protozoários,
Da confusão
dos seres embrionários,
Das células
primevas, das bactérias.
Venho da fonte
eterna das origens,
No turbilhão
de todas as vertigens,
Em mil
transmutações, fundas e enormes;
Do silêncio da
mônada invisível,
Do tetro e
fundo abismo, negro e horrível,
Vitalizando
corpos multiformes.
Sei que evolvi
e sei que sou oriundo
Do trabalho
telúrico do mundo,
Da Terra no
vultoso e imenso abdômen;
Sofri, desde
as intensas torpitudes
Das larvas
microscópicas e rudes,
À infinita
desgraça de ser homem.
[...]
E apesar da
teoria mais abstrusa
Dessa ciência
inicial, confusa,
A que se
acolhem míseros ateus,
Caminharás
lutando além da cova,
Para a Vida
que eterna se renova,
Buscando as
perfeições do Amor em Deus.
(In: XAVIER,
F. C. Parnaso de além-túmulo.
Poema: Vozes
de uma sombra.)
Acesse, quando puder, o blog: www.jojorgeleite.blogspot.com
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