CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR
Naquele
vilarejo chileno, as crianças tinham mais liberdade do que as da cidade. Menos
preocupação com o trânsito, pois eram apenas alguns carros a transitarem por
lá. Não havia poluição, a vida era bem mais natural. A criminalidade era
inexistente e se caso algum forasteiro quisesse aproveitar de determinada
ocasião, os moradores se uniam e o pobre coitado, na marra, aprendia uma lição.
A comunicação moderna ainda não dominava o lugar e sobrava mais tempo para as
conversas, para as brincadeiras infantis e para o convívio humano.
A vida, no
vilarejo, era simples e rica ao mesmo tempo, pois os reais valores eram
aproveitados. Tudo do bom que se perdeu nas cidades como a convivência com mais
calma e mais conversas entre pessoas de verdade e não só virtuais, ainda lá se
mantinha. E como as crianças brincavam!
Havia quatro
garotinhas que eram muito amigas. Seus nomes eram Constanza, Paulina, Matilde e
Azucena e muito se entendiam e se divertiam. As quatro amigas estudavam pela
manhã na mesma escola, tinham quase a mesma idade, mais ou menos doze anos.As
quatro meninas se divertiam com as inúmeras brincadeiras que sempre inventavam.
O vilarejo,
de certa forma, era ainda bastante rústico. As casas eram simples e pequenas;
as ruas, parte delas, eram de terra batida; as casinhas, próximas do rio, não
tinham luz elétrica e nem água encanada; havia um poço artesiano com água muito
boa para essas famílias. E era numa dessas casas, próximas do rio, que Azucena
morava com sua família: avô e avó maternos, a mãe e uma irmã que completara
oito anos. O pai, há alguns anos, fora procurar trabalho numa cidade vizinha e
até hoje não deu sinal de vida. Ninguém sabe se aconteceu alguma coisa que o
impediu de voltar ou se ele aproveitou a oportunidade para se livrar da
responsabilidade de cuidar de uma família, porém, Azucena sentia muita falta
dele.
E desde bem
criança, ela demonstrava uma faculdade não muito comum... não se assustem...
vou falar baixinho... mas ela via gente de lá... e ainda conversava com...
gente morta, como se dizem.
Quando ela
era bem pequenina tinha muito medo, mas sua avó Martina... que aprendeu com sua
avó... que aprendeu com sua avó... que nem sabe com quem aprendeu... começou a
lhe explicar o que acontecia e, aos poucos, ela deixou de ter muito medo para
só sentir um pouquinho. A avó ainda lhe falou que um dia, depois de compreender
muito, não terá medo nenhum.
Certo dia,
quando Azucena tinha seis anos, ela brincava com alguns brinquedos simples na
pequena parte que chamava de seu quarto e onde estava a sua cama, quando
percebeu um menino também brincando ali sentadinho. Ela olhou para ele tentando
reconhecê-lo, mas não se lembrou de onde. Nunca o havia visto pelo vilarejo.
Ela olhou mais uma vez para ele e mesmo sem lembrar passou a brincar e conversar
com ele, ficaram amigos, encontrando-se, diariamente, por cerca de três anos.
Mas era só Azucena que o via. Depois desse período, a menina não mais o viu.
Ela acredita que ele tenha se mudado com a família. Inocente menina! E tantos
outros casos a jovenzinha vivenciou.
Houve um
tempo em que ela via tantas pessoas do outro lado – refiro-me a outro lado a
dimensão onde os espíritos ficam, e são muitos lugares naquela dimensão como se
fossem... emissoras de rádio... muitas rádios podemos sintonizar, mas cada uma
tem o seu espaço e forma para ser ouvida – que um dia deu um grito,
“ahhhhhh...” e lhes pediu: “Quero saber quem é daqui e quem é de lá”. A avó só
a observava de longe, pois sabia o que estava acontecendo, e não interferiu.
De repente,
um jovem falou: “Sou de lá... e, na verdade, os que você vê aqui são de lá
também. De alguma forma você perceberá quem é de lá. Chegamos até você porque
sentimos que nos percebe e queremos conversar... não lhe faremos mal”.
Desse dia em
diante, Azucena ficou mais tranquila, mas antes de ontem, ela lhes falou que
eles precisavam se organizar, pois ela tinha uma vida para viver... brincar...
conversar com gente daqui e não ficar com gente de lá o tempo todo. Eles
ficaram um pouco tristinhos, mas foi a avó Martina que pediu para Azucena lhes
falar. E hoje, a menina iria à festa, simples, de aniversário de sua querida
amiga Matilde.
Azucena já
lhes avisou: “Só eu quem fui convidada, certo?”
Os olhares
foram tristinhos, mas deveriam respeitar, pois a menina os ajudava muito em
conversar com eles e lhes explicar muitas coisas que os ajudavam; a avó Martina
lhe ensinava.
Azucena
levaria um presentinho bem lindo de aniversário, feito pela avó: uma boneca de
pano. A avó demorou uma semana para confeccionar a boneca, e essa atividade, a
avó Martina também aprendeu com sua avó... que aprendeu com sua avó... que nem
sei com quem aprendeu. Mas a boneca estava linda.
Então,
Azucena pegou o presente embalado de forma caseira, deu um abraço na avó e lhe
agradeceu e foi, bem bonitinha, com seu vestido mais lindo, também costurado
pela avó, e seguiu o caminho para a casa da amiga Matilde. Tantos olhinhos
ficaram para trás... mas apenas Azucena tinha sido convidada.
A menina, um
pouco tímida, chegou à casa da amiga; as outras amigas haviam acabado de
chegar. E como as meninas se queriam bem! Se faltasse uma para alguma
brincadeira ou só mesmo para conversar em frente à casa de uma delas, já não
era a mesma coisa. Para a felicidade de todas, era necessário estarem juntas.
E na festa de
Matilde, as quatro estavam muito felizes, pois além de todas estarem, era festa
de aniversário e até havia um bolo feito pela mãe da aniversariante. Brincavam
tanto! Tudo era motivo de risada e felicidade. E finalmente chegou a hora de
cantar o “feliz cumpleaños”, era assim como falavam.
Havia
exatamente doze pessoas na festa; as oito restantes eram familiares de Matilde.
A mãe da
aniversariante trouxe uma vela branca já usada e, com cuidado, colocou-a sobre
o bolo forçando-a para ficar firme e não cair. A canção então começou; as
meninas cantavam com alegria e Matilde, em seguida, com um sopro potente,
apagou a vela branca de uma só vez.
E naquela
alegria toda, Azucena viu os rostinhos de lá ali na festa, e pensou: “O que
vocês estão fazendo aqui?” A resposta veio em seguida: “Sei que você nos pediu
para ficarmos em casa, mas, Azucena, é só pensarmos em um lugar que já estamos
nele”. E mais um... e mais um... e mais um... somando estavam quase todos os
visitantes mais comuns... de lá... conhecidos de Azucena.
O que fazer?
Só sei que a
menina ficou surpresa e um pouco assustadinha, pois se dera conta de que em
todos os lugares a gente de lá poderia estar.
Os olhos da
menina ficaram parados observando. A gente de lá ficou um pouco sem graça por
estar ali também. Mas Azucena logo lhes falou em pensamento: “Tudo bem, já que
estão aqui, podem ficar, mas, por favor, não compliquem ainda mais. Hoje é
aniversário de minha amiga e quero continuar feliz”.
Uma menina da
gente de lá lhe disse em pensamento que aquele dia também era seu aniversário.
Ela estava tristinha. Não estava com sua família. Mas rapidamente Azucena
pensou que ela era muito amada e logo estaria num local certo para sua
felicidade. Tudo que Azucena passava aos de lá era ensinado pela avó Martina.
Como Azucena
ficou um pouco diferente e suas amigas sabiam que ela via gente de lá,
Constanza e Paulina se aproximaram da jovem menina e lhe perguntaram se estava
tudo bem. Ela voltou mais para o lado de cá, o terreno, e respondeu, com um
sorriso, que sim.
O bolo estava
muito gostoso, embora sua aparência fosse de total simplicidade e nenhuma
cobertura; depois de comerem um pedaço e tomarem suco de limão, foram
brincar... e quantas brincadeiras inventavam. Azucena estava entretida com as
ações do lado de cá. E corriam um pouco, paravam; brincavam de brincadeiras que
não precisavam correr, de outras que eram necessárias as velhas mímicas, de
adivinha a minha música e muitas mais... e a gente de lá estava por perto.
E a
aniversariante de cá estava muito feliz, mas a aniversariante de lá ainda
estava muito tristinha. E Azucena percebeu e logo falou em voz alta para as
meninas:
– Lembrei-me
de que tenho uma amiga chamada Laurinda e hoje também é o seu aniversário.
Gostaria que ela soubesse que ela é muito amada e logo estará num lugar bem
gostoso e em paz... E viva a Laurinda!
E a
aniversariante de lá ficou emocionada e tão... tão feliz e falou em pensamento:
“Obrigada, Azucena, há tanto tempo não me sentia tão feliz”.
Azucena,
então, deu-lhe um sorriso. A alegria estava agora dos dois lados.
E as meninas
do lado de cá estavam muito alegres. A simplicidade e o coração em paz são
combinações perfeitas para se conseguir a felicidade. Mas a hora passou
rapidinho e precisavam retornar às suas casas, ainda precisavam estudar para a
prova do dia seguinte. Elas, então,
se despediram da querida amiga e aniversariante, Matilde; amanhã brincariam
mais... e depois... e depois... na verdade, elas queriam brincar por toda a
vida. Ah... crianças... como é boa essa fase!
Menos
Matilde, que já estava em sua casa, as outras três amigas caminharam juntas por
mais uma parte do caminho e logo se separariam para seguirem até as suas casas.
E no momento em que se despediam... Meu Deus... o que era aquilo? Um vento
muito forte de repente soprou com barulho; o susto foi tão grande que as três
não entenderam o que estava acontecendo; elas se abraçaram e buscaram abrigo.
Essa época
era de muitas tempestades, mas como aquela, repentina, nunca ninguém relatara.
As meninas
correram para uma mercearia e se esconderam. Do estabelecimento, com mais
calma, puderam perceber que não era nenhuma tempestade, nenhum vendaval... era
apenas um helicóptero pousando num terreno no pequeno vilarejo. Nem elas nem o
povo daquele lugar haviam visto uma “máquina” daquela. E quanta curiosidade
despertada.
Com o
helicóptero já pousado e o motor desligado, o movimento das hélices foi se
acalmando. A porta da aeronave foi aberta e um senhor, muito bem vestido,
desceu, olhou em direção ao pequeno centro do vilarejo e percebeu que quase
todos os moradores estavam por ali querendo saber o que era aquilo e o que
estava acontecendo.
‒ Por favor, queiram me desculpar
a surpresa e o transtorno ocorridos. Sou Aloísio Chavez Durán, agricultor – o
distinto senhor se desculpou e se apresentou.
Enquanto o
senhor se apresentava às pessoas que cada vez mais apareciam, curiosas, o
piloto desceu e outro senhor também. E quando este último se aproximou, tímido,
do senhor Aloísio, os olhos da cor de mel de Azucena encontraram os olhos
também da cor de mel do homem.
A menina não
podia acreditar... seu coraçãozinho disparou... a emoção veio forte e seu
rostinho se transformou na mais pura emocionada fisionomia. Ela saiu da
mercearia e veio em direção ao homem, ela nem observou se havia pessoas ou não
ao redor, apenas enxergava os olhos de cor de mel do homem. Até que ela se
aproximou dele que estava inteiramente compadecido em ver também aqueles
pequenos olhos da mesma cor.
‒ Você é Cristián? – a menina
perguntou com o rostinho banhado em lágrimas.
‒ Sim, Azucena... minha filha
querida.
A menina,
devagar, veio e ficou bem em frente ao homem. Abriu os braços, com um certo receio,
e tão ternamente se deixou nos braços paternos dos quais tanta saudade a filha
sentia. O abraço mais valioso; o momento inesquecível para a pequena e o pai.
Os moradores,
que sabiam da história e conheciam Cristián, se emocionaram demais. Até eu me
emocionei. Ah, como o amor é maravilhoso!
O senhor
agricultor poupou outras palavras, seriam totalmente desnecessárias.
Depois do
abraço consolador, a filha olhou para os olhos do pai que baixaram para a sua
direção.
‒ Papai, quanta saudade! Em
nenhum dia me esqueci de você. Todas as noites... sonhava que voltaria para nós.
– Sinto
muito, minha querida. E em todos os dias só me lembrava de vocês e tanto, tanto
de você ‒ o
homem falou.
– Mas, papai,
por que nos abandonou? ‒ Azucena perguntou.
– Filha
querida, saí em busca de trabalho e tanta coisa aconteceu... a vida a cada novo
dia me levava para um lugar, até que encontrei um emprego na fazenda do senhor
Aloísio e me estabeleci... e com melhores condições voltei para dar uma vida
melhor para vocês – Cristián explicou e enxugou as lágrimas de sua menina.
Azucena
abraçou mais uma vez o pai querido e pôde perceber seus amigos de lá, todos
sorrindo e felizes pela pequena ajuda, a ela, ministrada. Sabe, as pessoas do
lado de lá possuem a característica de lerem pensamentos e de se transportarem
instantaneamente, então, nem preciso comentar a ajuda permitida.
Depois de um
sorriso agradecido aos amigos de lá, Azucena olhou para o pai e lhe perguntou
já querendo afirmar:
‒ Vamos para casa, papai? Nossa
família também sempre o esperou.
– Sim, minha
querida.
O pai pegou
na mão da filha e os dois buscaram o caminho para casa. Passaram pelas pessoas
que sorriam para eles.
Do lado de
cá, Azucena dava a mão para o pai e a outra mão estava dada para Laurinda, sua
amiga de lá, e muitos outros amigos do lado de lá também os acompanharam até a
casa.
O amor
reconstrói sempre. E certamente eles se entenderão.
Bem, agora,
deixo-os, leitores, um pouquinho para presenciar o encontro cheio de
sentimento, palavras, explicações e abraços da família simples e querida do
vilarejo chileno. Meus amigos de lá já me esperam, mas não sou como Azucena que
pode vê-los... eu... na verdade, já sou um deles... do lado de lá... e também
amiga de Azucena.
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