JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
— Sou descendente de uma família
de dez filhos – disse-me, outro dia, Sebastião. Metade ficou na roça, alguns
desses cinco formaram famílias que foram criadas e educadas com o produto dos
sítios que herdaram de meus pais. Os demais resolveram tentar a sorte nas
cidades grandes, como eu. Não sem antes trabalhar muito na lavoura.
— E você montou família?
— Sim, mas antes, montei em muito
burro bravo e mula manca. De início, trabalhei como um escravo para um parente
que, em troca, cedeu-me um barraco, nos fundos do seu sítio, no interior
mineiro, onde fui morar com minha mulher. Ali, tivemos três filhos, duas
meninas e um menino caçula. A segunda filha morreu, lá, de complicações com
rubéola, com pouco mais de um ano. Os recursos eram escassos, não havia médico
no interior, e meu parente não me dava salário, só sal...
— E como você alimentava sua
família apenas com sal?
— Eu trocava o sal por arroz e
feijão, pois toda a produção salina era minha, o que mal chegava para salgar a
comida das quatro ou cinco famílias da região... Com o tempo, cheguei à
conclusão de que, se quisesse prosperar, teria que me mudar dali. E foi o que
fiz.
— E para aonde você foi?
— Fui com a família para o Rio de
Janeiro, onde nasceu meu quarto filho, esse que vos escreve. Mas a dificuldade
de arrumar emprego foi tão grande que, um ano depois, voltei para Minas Gerais.
E tornei a trabalhar, de sol a pino, na fazenda de um primo, onde nasceu nosso
quarto filho dentre os sobreviventes.
— E o salário, era bom?
— Que nada, mal dava para o
pão... Resolvemos, então, ir morar no Espírito Santo, onde nasceu nosso quinto
filho, em meio às nossas plantações de milho...
— Ah, mas agora sim, plantando
milho, você conseguiu educar seus filhos...
— Consegui não, meu patrão. A
terra não era boa, a seca crestou o milho e meu primo vendeu a fazenda. Não
tive outra saída, voltar para o Rio de Janeiro onde, já esgotado fisicamente,
tivemos nossos dois últimos filhos, de uma só vez.
— Foram gêmeos, então, meu caro
Sebastião?
— Sim, foram esses. Deus atendeu
nossas preces e a prole ficou completa com os sete.
— E o que você fazia, então, em
termos de ganha-pão no Rio, meu caro Sebastião?
— Pintava paredes de prédios,
chamados arranha-céus, no centro da cidade maravilhosa. Mas, com o tempo, o
serviço acabou e passei a fazer biscates, indo de casa em casa, para ver se
havia qualquer coisa para fazer em troca de uns níqueis ou mesmo de um quilo de
arroz ou feijão.
— E conseguia alimentar esposa e
sete filhos com esses trabalhos?
— Muito mal, mas conseguia. Com o
tempo, a idade avançou, a doença do pulmão chegou e, ainda assim, consegui um
emprego como vigia da loja de venda de materiais elétricos de um primo de
coração generoso. Ali fiquei até a morte, cinco anos após ter retornado ao Rio
definitivamente.
— Suponho que, quando isso
ocorreu, seus filhos já estavam crescidos e puderam ajudar sua mulher...
— É verdade. Quando morri, minha
filha mais velha estava com dezesseis anos de idade, logo em seguida, vinha um
filho de treze anos; abaixo dele, outro com onze, outro com nove, outro com
oito e os gêmeos com três.
— Que vida dura você teve, meu
caro Sebastião.
— Mais duro ainda foi ver, do
plano espiritual, a situação de minha mulher, com aquela prole enorme, com
apenas quarenta anos de idade e sem marido. Mas isso é outra história.
— E aqueles familiares para quem
você trabalhou durante tantos anos, não ajudaram em nada sua família órfã de
pai?
— Que nada, até hoje, seus filhos
e netos comentam sobre a generosidade de seus pais e avós, por me proporcionarem
trabalho em troca de comida para mim e minha família. Mas agora estou de
volta... E vou escrever uma história muito diferente.
— Como assim, você não morreu?
— Reencarnei!
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