domingo, 15 de abril de 2018





A sabedoria de contentar-se com pouco

Viu-se uma cena pouco comum num dos muitos momentos que marcaram o carnaval deste ano. Quando se apresentava de cima de um trio elétrico, uma famosa cantora viu quando um rapaz furtava o celular de uma jovem desprevenida. De microfone à mão, ela logo repreendeu o jovem dizendo: “Não faça isso. Eu também vim do lugar de onde você vem. Eu e os cantores... [e declinou seus nomes] viemos do mesmo lugar, mas nunca tiramos o que é dos outros. Quando a gente dispõe de poucos recursos é preciso trabalhar, esforçar-se, mas jamais furtar”.
Excetuada a intervenção da cantora, o episódio por ela testemunhado é, infelizmente, cena comum nas grandes e médias cidades do nosso país. E, em muitos casos, acompanhado de atos de violência e brutalidade, como os órgãos de comunicação mostraram por ocasião do último carnaval, em que várias vítimas não foram apenas assaltadas, como perderam a própria vida.
A dependência química está, como ninguém ignora, intimamente ligada a fatos desse porte. A compulsão pela droga leva o indivíduo a desfazer-se do que tem e, chegado a esse ponto, apropriar-se do que pertence aos outros, dentro ou fora de casa.
Evidentemente, o assalto, o furto, o roubo, a violência e a corrupção não se explicam tão somente pela necessidade de se drogar. Há nessas mazelas algo muito mais profundo, que evidencia em primeiro lugar a condição de inferioridade que caracteriza o mundo em que vivemos e, em segundo lugar, a absoluta ignorância acerca da finalidade da vida.
Reportando-se ao tema da impermanência e da transitoriedade dos bens de que dispomos ao longo da vida, Lacordaire (Espírito) escreveu:

“Sabei contentar-vos com pouco. Se sois pobres, não invejeis os ricos, porquanto a riqueza não é necessária à felicidade. Se sois ricos, não esqueçais que os bens de que dispondes apenas vos estão confiados e que tendes de justificar o emprego que lhes derdes, como se prestásseis contas de uma tutela.
Não sejais depositário infiel, utilizando-os unicamente em satisfação do vosso orgulho e da vossa sensualidade.
Não vos julgueis com o direito de dispor em vosso exclusivo proveito daquilo que recebestes, não por doação, mas simplesmente como empréstimo.
Se não sabeis restituir, não tendes o direito de pedir, e lembrai-vos de que aquele que dá aos pobres, salda a dívida que contraiu com Deus.” (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XVI, item 14.)

Grande valor têm lições como essa firmada pelo respeitado educador, acadêmico e religioso francês.
Antes de criticá-las ou menosprezá-las, lembremos que partem de pessoas que passaram por aqui, que viveram no meio em que nos encontramos, mas reúnem informações, percepções e experiências que apenas os desencarnados detêm, como alguém que se encontra postado no alto da montanha, enquanto nos debatemos na planície, ignorando os motivos que nos levam a enfrentar as provas, as carências, as dificuldades e os desafios da vida.





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