Intolerância
é inaceitável sempre
Quando lançamos junto com nosso
amigo José Carlos Munhoz Pinto a revista O
Consolador, onze anos atrás, vivia-se no meio espírita brasileiro um
momento conturbado que esperávamos se normalizasse com o passar dos anos.
Não foi o que aconteceu.
Há em nosso meio um acirramento de
ânimos semelhante ao que se verifica no cenário político nacional.
Três fatos ocorridos nos últimos
noventa dias, envolvendo personalidades de destaque no movimento espírita do
Brasil, comprovam este pensamento. Mas o clima ruim, desagradável, incompatível
com os ensinamentos espíritas, se instalou, em verdade, há mais tempo. Segundo
alguns, poucos meses depois de Chico Xavier haver regressado à pátria
espiritual.
O Espiritismo, desde que surgiu,
teve de lidar com adversários implacáveis. As perseguições recebidas de todos
os lados se assemelharam ao que ocorreu na fase que precedeu a Reforma
protestante e nos anos que a ela se seguiram, tema do especial “A Reforma
protestante e o Espiritismo”, de autoria do confrade André Luiz Alves Jr., um
dos destaques da edição 562 d´O Consolador.
Só para lembrar, um dos precursores
da Reforma, o sacerdote e professor Jan Huss (última reencarnação de Hippolyte
Léon Denizard Rivail, antes de retornar como Allan Kardec), que lutou pela
verdade cristã e contra a corrupção na Igreja, foi condenado à fogueira,
dezesseis anos antes de Joana d’Arc ser queimada viva pelo simples motivo de
“ouvir” os Espíritos.
Curiosamente, atenuadas as
perseguições externas, os espíritas parece que decidiram digladiar entre si, em
sintonia evidente com indivíduos que, estando ou não desencarnados, não querem
que as ideias espíritas e o movimento que as representa cumpram seus objetivos.
O acirramento das posições
ideológicas e a intolerância para com os que pensam de forma diferente não se
coadunam com a proposta evangélica nem, evidentemente, com o pensamento e as
recomendações de Allan Kardec, o codificador da doutrina espírita.
De Jesus, ninguém ignora este
ensinamento anotado no cap. V do Evangelho segundo Mateus: “Amai os vossos
inimigos; fazei o bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos perseguem e
caluniam”.
Quanto a Kardec, sua recomendação –
expressamente colocada no cap. XXVIII, item 51, d´O Evangelho segundo o Espiritismo – é que devemos não apenas amar,
mas também orar por eles, sem exclusão dos que se apresentam como inimigos do
Espiritismo.
Nesse sentido, escreveu o
codificador:
“De todas as liberdades, a mais
inviolável é a de pensar, que abrange a de consciência. Lançar alguém anátema
sobre os que não pensam como ele é reclamar para si essa liberdade e negá-la
aos outros, é violar o primeiro mandamento de Jesus: a caridade e o amor do
próximo. Perseguir os outros, por motivos de suas crenças, é atentar contra o
mais sagrado direito que tem todo homem o de crer no que lhe convém e de adorar
a Deus como o entenda. Constrangê-los a atos exteriores semelhantes aos nossos
é mostrarmos que damos mais valor à forma do que ao fundo, mais às aparências,
do que à convicção.” (O Evangelho segundo
o Espiritismo, cap. XXVIII, item 51.)
Na sequência dessas palavras, Kardec
apresenta-nos um modelo ou sugestão da prece que nós, espíritas, devemos fazer
pelos adversários e inimigos da doutrina que abraçamos.
Ora (alguém certamente dirá): Como
ser tolerantes e afáveis com nossos inimigos e, ao mesmo tempo, intolerantes e
inamistosos com os nossos próprios companheiros, apenas porque nesse ou naquele
ponto pensamos de forma diferente?
Não haverá nisso um enorme
contrassenso?
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