A morte e os
seus mistérios
Ernesto Bozzano
Parte 8
Continuamos o estudo do clássico A morte e os seus mistérios, de Ernesto Bozzano,
conforme tradução de Francisco Klörs Werneck. O estudo será aqui apresentado em 24 partes. Nossa
expectativa é que ele sirva para o leitor como uma forma de iniciação aos
chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do
texto abaixo.
Questões preliminares
A. Há alguma relação entre os fenômenos de “transfiguração”
e os fenômenos de “materialização”?
B. A que modalidades de produção dos fenômenos Bozzano se
refere?
C. Com o concurso de um único médium de efeitos físicos
podem manifestar-se simultaneamente dois ou mais Espíritos materializados?
Texto para
leitura
106. Entre os médiuns contemporâneos com os quais se obtêm
fenômenos de transfiguração, devem ser incluídos o médium alemão Heinrich
Melzer, de Dresden, e o médium sueco Ana Rasmussen, que não foram citados na
classificação dos casos porque Bozzano não dispunha de relatos adequados para o
fazer.
107. No tocante ao médium Melzer, sabe-se que ele realizara
uma série de sessões na sala do "British College of Psychic Science",
cujo presidente, o Sr. James Hewat Mackenzie, publicou a respeito um relato na
revista Psychic Science, em que se lê
este parágrafo: "Em dado momento achamo-nos em face da máscara autêntica
de um personagem chinês, máscara que veio sobrepor-se ao rosto do médium.
Ninguém, a não ser quem se achasse presente, poderia apreciar o realismo
impressionante de semelhante transfiguração do rosto de um europeu no de
oriental e isto em consequência da substituição das personalidades
mediúnicas."
108. Por sua vez, o naturalista Professor Tillyard, em uma
conferência realizada no "National Laboratory of Psychic Research",
aludiu a um caso análogo ocorrido com a médium Ana Rasmussen, observando a
respeito: "A sessão se realizou em plena luz do dia e o médium não caiu em
transe, mas somente em um estado de estupor... Seu nariz se transformou e as
características faciais se tornaram as de um homem, enquanto o médium começou a
conversar com timbre vocal absolutamente másculo. Todos os cientistas presentes
discutiram longamente sobre diversas hipóteses para de alguma forma explicar
cientificamente o estranho fenômeno a que haviam assistido."
109. Passando às induções e deduções que os fenômenos em
exame sugerem, observa-se, antes de tudo, que a análise comparada dos melhores
fenômenos leva logo a notar a circunstância de que uma relação indubitável
existe entre os fenômenos de "transfiguração" e os das
"materializações integrais de fantasmas independentes do médium" e
tal relação se mostra evidente a ponto de se dever inferir que os primeiros são
uma fase de exteriorização incipiente dos segundos.
110. Alexandre Aksakof já o tinha notado no seu livro Um caso de desmaterialização parcial
(págs. 210-211), observando que os fenômenos de "transfiguração" eram
importantes, porquanto representavam a fase inicial dos fenômenos de
"materialização". A propósito da exteriorização de um fantasma
materializado com a médium Sra. Compton, observa ele: "Quando a forma
materializada nada mais apresenta de comum com o aspecto do médium,
encontramo-nos em face de uma completa transformação. Por quem ou por que foi
produzido o fenômeno? É nisto que reside a tão formidável quão espinhosa
questão a resolver. É certamente inverossímil que tão radical transformação
seja devida às faculdades supranormais da subconsciência do médium e quando a
forma materializada responder a todas as exigências por mim formuladas para o
reconhecimento legítimo de uma individualidade, obter-se-ia com isso uma prova
eficacíssima em demonstração de que uma outra personalidade transcendental,
independente do médium, se apoderara unicamente da substância orgânica deste
último, para servir aos próprios fins. Mas, se assim for, não seria talvez mais
simples para a personalidade transcendental em questão utilizar-se para tais
fins do próprio corpo do médium, ou somente do seu rosto, transformando-o
segundo seus desejos, sem recorrer à produção maravilhosa, mas muito mais
difícil, de um corpo distinto e absolutamente diferente do corpo do médium? Se
existissem fatos de tal natureza, então, entrar-se-ia na posse de uma prova
admirável, tangível, visível, em demonstração de que as materializações se
reduzem a um fenômeno de transmutação. Pois bem. Estes fatos existem, mas são
raros e se acham dispersos na massa enorme de material grosseiro existente na
literatura espírita."
111. Em seguida, Aksakof procedeu à citação de dois casos
de "transfiguração", com aparecimento de barba e cabelos grisalhos no
rosto e na cabeça do médium, observando a respeito: "Se bem que a Sra.
Killingbury denomine os casos relatados de ‘fenômenos de transfiguração’,
notam-se neles circunstâncias de produção tais como barba e cabelos grisalhos,
bem como aumento de peso do corpo, os quais indicam, de maneira manifesta, o
desenvolvimento incipiente de um processo de transformação ectoplásmica."
112. Nota-se que ele estabelece uma justa distinção entre
os casos de "transfiguração" em que o fenômeno se reduz a um simples
jogo mais ou menos maravilhoso de contração e adaptação dos músculos faciais, e
aqueles nos quais se encontra um princípio de adição ectoplásmica sob forma de
características faciais inexistentes no médium. São estes os casos que ele tem
em grande conta, porquanto representam o processo inicial dos fenômenos de
materialização integral de fantasmas independentes do organismo do médium.
113. Eis a que ponto se apresenta a formidável perplexidade
a resolver, a que Aksakof se refere, perplexidade que não existiria se as
materializações de fantasmas fossem sempre radicalmente diferentes dos médiuns
e outro tanto sucedesse com os rostos transfigurados, casos em que não se
poderiam contrapor objeções sérias à interpretação espírita dos fatos, porém a
produção dos fenômenos em apreço não é tão simples e nos casos das
materializações, como nos das "transfigurações", se verifica muitas
vezes que o rosto transfigurado ou o fantasma materializado é em parte
diferente e em parte semelhante ao médium e, em determinados casos clássicos de
fantasmas materializados, as semelhanças sobrepujam as diferenças, mas, ao
contrário, em ambas as classes dos fenômenos, notam-se casos em que nos achamos
em presença de duas personalidades radicalmente diferentes. Como explicar essas
circunstâncias tendentes a sugerir interpretações opostas?
114. Em minha opinião, e baseado na análise comparada dos
fatos, dever-se-ia inferir que a perplexidade em apreço deriva do fato de que
os fenômenos de "transfiguração", mas sobretudo os fenômenos de
"materialização", podem realizar-se com duas modalidades de produção
notavelmente diferentes, a primeira das quais consistiria no fato de que a
personalidade mediúnica não retiraria somente substância ectoplásmica ao
médium, mas apossar-se-ia do seu "fantasma ódico" (no sentido
conferido ao termo pelos ocultistas), do qual se revestiria, transformando-o,
mas conseguindo dificilmente dominar com a vontade a resistência passiva oposta
pela "força organizadora" latente no próprio "fantasma
ódico", com a consequência de que a transfiguração ficaria sempre
imperfeita, quando a segunda de tais modalidades consistiria, ao contrário, na
circunstância de que a personalidade mediúnica, favorecida por condições
propícias, retiraria unicamente substância ectoplásmica do médium, sem
apoderar-se do seu "fantasma ódico", caso em que estaria em situação
de reproduzir, de modo perfeito, o próprio simulacro materializado e isto
porque a vontade da personalidade mediúnica não teria que vencer a resistência
passiva da "força organizadora" inerente ao "fantasma
ódico" do médium.
115. Lembro-me de ter lido nos relatórios de Florence
Marryat que ela perguntou um dia ao fantasma de Katie King por que motivo se
assemelhava algumas vezes ao médium e Katie King lhe respondeu: "Eu não
posso impedi-lo, pois a resistência passiva que me opõe o corpo fluídico do
médium é mais forte do que a minha vontade." Resposta preciosa que
confirma as presunções expostas e que ao mesmo tempo demonstra que o fantasma
de Katie King se servia do "corpo fluídico" ou "fantasma
ódico" do médium para materializar-se. Isto é confirmado pela resposta
obtida da médium Eusápia Paladino, em condições de hipnose, pelo Cel. Albert De
Rochas.
116. O Sr. De Rochas relata: "Um dia Eusápia Paladino
permitiu que eu a adormecesse em presença da minha esposa (ela foi tantas vezes
torturada pelos homens de ciência, que se tornou medrosa). Consegui rapidamente
levá-la aos estados profundos da hipnose e então, com grande espanto seu, viu
aparecer à sua direita um fantasma de cor azul. Perguntei-lhe se esse fantasma
seria John. ‘Não, respondeu ela, mas é desta substância de que se serve John.’ Dito
isto, tomou-se de um sentimento de medo e pediu insistentemente para ser
despertada, o que disse deplorando não ter podido prosseguir ulteriormente nas
minhas pesquisas." (A. de Rochas: "A exteriorização da
motricidade", pág. 17).
117. Assim se pronunciou De Rochas. Observo, antes de tudo,
que o experimentador dirigira à Eusápia uma pergunta formulada de maneira a
sugerir de preferência uma resposta em sentido afirmativo, ao passo que Eusápia
respondeu negativamente, e o fez em termos inesperados para o experimentador, o
que serve para excluir a hipótese de uma presumível sugestão por parte deste
último. Isto posto, observo que a explicação fornecida por Eusápia a respeito
de "John", o qual se serviria do seu "fantasma ódico" para
produzir os fenômenos físicos, se acha em perfeito acordo com a resposta de Katie
King.
118. Não obstante, se quisermos ser precisos no uso dos
termos, em vez de falar de "corpo fluídico" e do "corpo
etéreo" (expressões que correspondem ao termo "perispírito" ou
"invólucro do espírito"), deveríamos falar de "fantasma
ódico" no sentido conferido a tal expressão por De Rochas e por todos os
ocultistas, sentido que corresponde ao que a "Vidente de Prevorst"
(no ano de 1820) chamou de "espírito de nervos", ou "princípio
de vitalidade nervosa".
119. Observo que estas revelações da famosa
"Vidente" têm grande importância, pois foram, igualmente, fornecidas
em termos equivalentes per uma sonâmbula do Rev. Werner, que afirmou que
"o organismo humano é vitalizado por um fluido nervoso, que é o
intermediário indispensável para que a alma entre em relação com o mundo
exterior", e que, por sua vez, acrescentara que "depois da morte as
almas não podiam libertar-se imediatamente do fluido nervoso..., que as almas
muito terrenas se saturavam dele com júbilo, porque o fluido nervoso lhes
conferia o poder de retomar a forma humana e tornar-se visíveis aos vivos ou
fazer-se notar por eles ou ainda entrar em contato com os mesmos, ou, enfim,
produzir ruídos e sons na atmosfera terrena...".
120. À vista do que vem sendo exposto, chega-se à conclusão
de que a questão formulada por Aksakof se mostra elucidável, desde que se
concorde em que, nos casos de materializações de fantasmas com rostos em parte
semelhantes ao do médium, se deva inferir que tal se dá porque o Espírito se
serve unicamente da substância ectoplásmica subtraída ao médium, evitando
apoderar-se do seu "fantasma ódico", sempre ressalvados os casos em
que a vontade da entidade espiritual operante se revela a tal ponto poderosa
que sobrepuje a resistência passiva oposta pela "força organizadora"
imanente no "fantasma ódico". Já ao contrário, nos casos dos
fenômenos de "transfiguração", em que dificilmente a entidade
operante poderia evitar achar-se em contraste com a "força
organizadora" inerente no organismo do médium, dever-se-ia inferir quase
sempre que, quando não existem semelhanças entre o rosto do médium e o rosto
que aparece por transfiguração, isso sucede por ter sido a vontade da entidade
espiritual operante bastante poderosa para sobrepujar a resistência passiva que
se lhe opunha.
121. Na referida dupla solução da perplexidade enunciada
por Aksakof se contém, presumivelmente, uma grande parte de verdade, pois que
os fatos contribuem para demonstrar ser tão necessária a segunda interpretação
quanto a primeira. E como confirmação ulterior de que as personalidades
mediúnicas não se servem sempre do "fantasma ódico" do médium,
observo que se conhecem exemplos de materializações simultâneas de dois ou mais
fantasmas, o que não poderia ser explicado com a transformação do
"fantasma ódico" do médium.
122. Recordo a respeito as clássicas experiências do
banqueiro F. Livermore com a médium Kate Fox, em que se manifestavam às vezes,
simultaneamente, até quatro fantasmas materializados, visíveis à luz
suficiente, e, hodiernamente, recordo as memoráveis experiências com o médium
polaco Frank Kluski, nas quais sucedeu outro tanto.
123. Acrescento finalmente que estou em situação de
confirmar o que digo por experiência pessoal, pois que nas nessas trienais
investigações experimentais com a médium Eusápia Paladino, no "Círculo
Científico Minerva", de Gênova, investigações em que tomaram parte com o
signatário o Professor Enrico Morselli e o Dr. Giuseppe Venzano,
materializou-se uma noite, no gabinete mediúnico, para depois abrir as cortinas
e apresentar-se, em ambiente iluminado por um bico de gás, uma forma de mulher
carregando nos braços um menino que mantinha bem alto, quase em atitude de
atirá-lo.
124. Observo que o fantasma feminino apresentava particularidades
de identificação pessoal e que o menino, a um dado momento, se inclinara, e,
aproximando o rostinho do da forma de mulher, dera-lhe dois beijos na fronte,
beijos ouvidos por todos. Ao mesmo tempo, através do intervalo das cortinas,
era visível o corpo do médium estendido sobre uma maca de campanha e de quem o
Prof. Morselli ligara mãos e pés. (Para melhores informações, reporto-me ao meu
livro Hipótese Espírita e Teorias
Científicas, bem como ao livro do Prof. Morselli Psicologia e Espiritismo, volume II, págs. 214-268.)
Respostas às
questões preliminares
A. Há alguma
relação entre os fenômenos de “transfiguração” e os fenômenos de
“materialização”?
Segundo Aksakof, sim. O grande pesquisador russo considerava
importantes os fenômenos de "transfiguração" porque representavam a
fase inicial dos fenômenos de "materialização". Nesse fato residia,
pois, a relação entre os dois fenômenos. (A
morte e os seus mistérios, Caso 15.)
B. A que
modalidades de produção dos fenômenos Bozzano se refere?
Bozzano diz que, baseado na análise comparada dos fatos,
dever-se-ia inferir que os fenômenos de "transfiguração" e sobretudo
os fenômenos de "materialização" podem realizar-se com duas
modalidades de produção bem diferentes. A primeira consistiria no fato de que a
personalidade mediúnica não retiraria somente substância ectoplásmica ao
médium, mas apossar-se-ia do seu "fantasma ódico" (no sentido
conferido ao termo pelos ocultistas), do qual se revestiria, transformando-o. A
segunda consistiria, ao contrário, na circunstância de que a personalidade
mediúnica, favorecida por condições propícias, retiraria unicamente substância
ectoplásmica do médium, sem apoderar-se do seu "fantasma ódico", caso
em que estaria em situação de reproduzir, de modo perfeito, o próprio simulacro
materializado. (Obra citada, Caso 15.)
C. Com o
concurso de um único médium de efeitos físicos podem manifestar-se
simultaneamente dois ou mais Espíritos materializados?
Sim. Bozzano cita a respeito as experiências do banqueiro
F. Livermore com a médium Kate Fox, em que se manifestavam às vezes,
simultaneamente, até quatro fantasmas materializados, e, hodiernamente, as
memoráveis experiências com o médium polaco Frank Kluski, nas quais sucedeu
outro tanto. O mesmo fato ocorreu em sessão realizada com o concurso da médium
Eusápia Paladino. (Obra citada, Caso 15.)
Observação:
Para acessar a Parte 7 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2019/11/a-morte-e-osseus-misterios-ernesto_15.html
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