A morte e os
seus mistérios
Ernesto Bozzano
Parte 7
Continuamos o estudo do clássico A morte e os seus mistérios, de Ernesto Bozzano,
conforme tradução de Francisco Klörs Werneck. O estudo será aqui apresentado em 24 partes. Nossa
expectativa é que ele sirva para o leitor como uma forma de iniciação aos
chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do
texto abaixo.
Questões preliminares
A. O fenômeno de “transfiguração” é sempre rápido ou pode
prolongar-se por vários minutos?
B. Como explicar o fenômeno da “transfiguração” se desprezarmos
a hipótese espírita?
C. Os relatos pertinentes à “transfiguração” não podem ser
atribuídos à alucinação?
Texto para
leitura
95. O Caso 15 reporta um fato que se realizou espontaneamente
com a médium Sra. Barkel, que possui faculdades de "clarividência" e
é uma "oradora por inspiração", como há tantas em países
anglo-saxões. Aquele a quem foi dado observar nela o fenômeno da transfiguração
do rosto foi o Sr. Leonard Farqhuar, um céptico, que se dirigira à reunião com
a intenção de formar uma opinião pessoal a respeito de semelhantes
experiências.
96. Escreveu Leonard Farqhuar: "Declaro que não sou
espírita, mas sei manter-me prudentemente neutro quando se trata de assuntos que
não conheço e os meus conhecimentos a respeito remontam a uma semana antes da
sessão de que me proponho a falar. Eu sou positivista materialista e, em
consequência, não se poderia dizer que tivesse tendência para ter visões por
autossugestão. Na minha qualidade de neófito, propus-me a vigiar, atentamente,
a médium no momento em que caísse em ‘transe’. Assim procedendo não me pareceu
notar indícios de sua passagem a condições anormais quando se pôs de pé para
começar o sermão, o qual me deixou profundamente decepcionado. Nada encontrara
que fosse de molde a sugerir uma origem supranormal... e foi para mim
verdadeiro alívio quando vi a Sra. Barkel tornar a sentar-se. Sentia-me mais
decepcionado, irritado e quase hostil.”
97. Continua o relato: “A ‘presidente’ pôs-se a falar por
sua vez, mas eu não a escutava e fixava o olhar perscrutador sobre a médium,
com o escopo de assegurar-me se realmente se manifestariam indícios da sua
emergência em um estado anormal. Pois bem: desta vez houve indícios, e de um gênero
inspirado. A Sra. Barkel estava sentada tranquilamente, com a cabeça levemente
reclinada. Pouco depois observei um movimento dos seus ombros, que se puseram
em linha horizontal, enquanto a cabeça caía bruscamente para frente, indo
apoiar-se com o queixo sobre o peito, mas o queixo se mostrava particularmente
indistinto. Depois, a médium permaneceu imóvel como uma estátua. Eu continuava
a observá-la com impassível insistência, enquanto a ‘presidente’ prosseguia no
seu discurso. De repente, com imenso estupor meu, notei que a cabeça e o rosto
da Sra. Barkel estavam totalmente mudados, ou melhor, tinham sido substituídos
pela cabeça e o rosto de um homem. Entretanto, eu não notara mesmo o mais
insignificante movimento! Isto não impedia que, no lugar do rosto da Sra.
Barkel, reclinado sobre o peito, se achasse o másculo rosto de um homem, que se
sobrepusera ao primeiro, mas sem o menor movimento perceptível e apesar de
redobrada atenção. Depois esfreguei os olhos e lancei rápido olhar à
assembleia, para assegurar-me se alguém se apercebera do fenômeno, mas todos
escutavam atentamente o discurso da ‘presidente’ e ninguém prestava atenção à
médium. Voltei a contemplar o espetáculo com o mais vivo interesse. Se se
tratasse de uma visão fugaz, teria acabado por dar de ombros, pensando nas
estranhas ilusões que os ‘jogos de sombra’ chegam a criar, mas aquele rosto de
homem permaneceu diante de mim vários minutos, não apenas um instante
fugacíssimo.”
98. Segundo Leonard Farqhuar, a Sra. Barkel envergava um
comprido vestido preto, ornado de um colar branco, o que fazia grotesco
contraste gerado pelo fato de ela achar-se sentada imóvel, como morta, e com
uma cabeça que não era a sua, mas a de um homem! Do canto de onde Leonard
olhava, não era possível distinguir o rosto do homem. O mesmo ocorria com seus
cabelos. A parte do queixo, que se lhe apresentava, era imberbe e amarelada
como pergaminho, mas no conjunto o rosto parecia acinzentado e na base das
faces se distinguiam rugas, que pareciam produzidas pela pressão do queixo
sobre o peito. Na região das orelhas observavam-se "costeletas", que
se prolongavam até o queixo, e o resto do rosto era barbeado.
99. Ele ficou a contemplar o fenômeno por vários minutos
(não simplesmente "segundos", é bom notar), até que viu a Sra. Barkel
mover-se durante um instante na cadeira, para depois levantar-se e olhar em
torno com expressão de estupor. Ela voltara a si, com transformação
instantânea, e os seus cabelos de ouro brilhavam novamente à luz!
100. No que se refere à classificação das manifestações,
tudo concorre para demonstrar que Leonard Farqhuar presenciou um fenômeno de
transfiguração verdadeiro, porquanto se notaram nela alguns sinais de adição
ectoplásmica sobre o rosto do médium, tais como as "costeletas" que, partindo
das orelhas, se prolongavam até o queixo do rosto másculo que se veio sobrepor
ao outro, feminino. Acrescente-se que o fato de o percipiente insistir sobre a
aparência indistinta dos traços daquele rosto tende a reforçar a mesma tese,
porquanto se deveria presumir que os traços indistintos derivassem de uma
produção imperfeita da materialização, o que equivale a admitir a existência de
um processo de exteriorização ectoplásmica.
101. Observa-se ainda que o percipiente teve a impressão de
que o fenômeno consistisse em uma máscara de ectoplasma concretizada, não se
sabe como, sobre o rosto do médium e tal observação adquire valor teórico pelo
fato de que quem assim se exprimiu é um leigo, absolutamente ignorante da
técnica dos fenômenos a que assistiu, o que leva a reconhecer que a semelhança
de sua expressão com as de vários outros que assistiram a idêntico fenômeno
tende a fazer presumir que, para a classe das manifestações em apreço, deva
realizar-se algo semelhante.
102. É assaz difícil explicar tais formas de transfiguração
espontânea, se não se recorrer à intervenção de uma entidade de defunto que se
tivesse apoderado do organismo do "sensitivo" em condições de sono.
Assim, por exemplo, no Caso 5, em que o filho vela o pai adormecido e vê transformar-se
o seu rosto no da própria mãe, enquanto a camareira notara o mesmo fato em um
caso semelhante, o único modo de explicar o fenômeno é o de presumir que a mãe
defunta, que por várias vezes aparecera ao marido enfermo e prestes a morrer,
tenha querido manifestar-se ao filho pela única forma por que podia atingir o
seu objetivo.
103. Por outro lado, caso se quisesse explicar o fenômeno
com uma hipótese naturalista, dever-se-ia admitir que a transfiguração do rosto
do enfermo fosse devida à circunstância de o enfermo ter sonhado encontrar-se
com a mulher defunta, o que parece ser uma hipótese literalmente gratuita e
insustentável, tanto mais se se considerar que, para provocar a transformação
do rosto do adormecido no da pessoa sonhada, não basta que ele a veja diante de
si.
104. Suponho que não se conheçam exemplos de pessoas que
hajam sonhado terem mudado de sexo, sem contar que um sonho semelhante não
poderia determinar um fenômeno de transfiguração em um adormecido que não seja
médium. Além disso, recordo que a mesma hipótese tornar-se-ia mais do que nunca
insustentável.
105. Bozzano enumerou, em seguida, o pouco do
experimentalmente adequado que se contém nos casos relatados, notando, antes de
tudo, que entre eles se notaram seis casos observados coletivamente por dois,
por cinco, ou por numerosos observadores (casos 5, 7, 8, 11 e 14), o que serve
para eliminar a hipótese alucinatória. Para excluir a outra hipótese, ou
melhor, a outra objeção da insuficiência dos dados para provar que nas
transfigurações intervenham elementos de integração ectoplásmica, podem
aduzir-se os casos 4, 8, 10, 11, 13, 14 e 15, em que foram observadas
materializações de supercílios inexistentes sobre o rosto do médium, de bigodes
e de barba aparecidos em rostos femininos, de cabelos branquíssimos em rostos
juvenis de médiuns, de narizes que mudaram radicalmente de forma, e de
alongamentos supranormais do corpo do médium no caso de Home. O autor recorda,
enfim, que três dos casos em apreço são acompanhados de documentação
permanente, em uma das quais ela consiste em desenhos da realidade, tomados
simultaneamente com a produção dos fenômenos, e nos outros consiste em uma
copiosa coleção de fotografias. Esta última circunstância assinala já a
introdução dos métodos de indagação científicos nas experiências em apreço,
conquanto o que por ora se obtém seja ainda de ordem particular e em
consequência dificilmente utilizável em serviço da ciência.
Respostas às
questões preliminares
A. O fenômeno
de “transfiguração” é sempre rápido ou pode prolongar-se por vários
minutos?
Pode prolongar-se, sim, como relata o Sr. Leonard Farqhuar,
que o observou por vários minutos, até que viu a médium, Sra. Barkel, mover-se
durante um instante na cadeira, para depois levantar-se e olhar em torno com
expressão de estupor. Ela voltara a si, com transformação instantânea, e os
seus cabelos de ouro brilhavam novamente à luz. (A morte e os seus mistérios, Caso 15.)
B. Como
explicar o fenômeno da “transfiguração” se desprezarmos a hipótese
espírita?
É muito difícil explicar esse fenômeno, se não se recorrer
à intervenção de uma entidade de defunto que se tivesse apoderado do organismo
do "sensitivo" em condições de sono. No Caso 5, por exemplo, o filho,
que velava o pai adormecido, viu transformar-se o rosto deste no da própria
mãe, enquanto a camareira notara o mesmo fato em um caso semelhante. (Obra
citada, Caso 15.)
C. Os relatos
pertinentes à “transfiguração” não podem ser atribuídos à alucinação?
A hipótese de alucinação poderia, sim, ser cogitada se o
fenômeno não tivesse sido notado por dois, cinco ou mais observadores, como
Bozzano deixou bem claro ao relatar os casos 5, 7, 8, 11 e 14, fato que serve
para eliminar de vez a hipótese alucinatória. (Obra citada, Caso 15.)
Observação:
Para acessar a Parte 6 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2019/11/a-morte-e-osseus-misterios-ernesto_8.html
Como consultar as matérias deste
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