O Espiritismo perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 29
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de
Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa
servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do
Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. É certo dizer que no Universo tudo
é movimento?
B. Que importância tem a vontade para
os Espíritos?
C. Podem os Espíritos sentir tudo o que os encarnados sentem?
Texto para leitura
659. Isto posto, procuremos ver o que
se passa numa materialização. Todos os corpos são compostos de partes
infinitamente pequenas, chamadas átomos. Estes átomos que estruturam todos os
corpos não se tocam; são colocados uns ao lado dos outros e agrupados por uma
força chamada coesão; todos os corpos da natureza nos aparecem, pois, como
coleções de átomos ou de moléculas reunidas diversamente.
660. A matéria é inerte, incapaz de
por si mesma entrar em movimento; quando se verifica um deslocamento num corpo,
houve uma força que o fez sair do estado de inércia. Pode-se dizer, portanto,
que o movimento é a expressão da força, mas esta força pode agir de diferentes
maneiras, quer deslocando o corpo no espaço, quer determinando mudanças em seu
estado molecular. Por exemplo, se com o dedo mantém-se uma corda de violino
afastada da sua posição de repouso, as moléculas que formam esta corda tendem a
retomar sua primeira posição, exercem uma pressão sobre o dedo; há, pois,
trabalho molecular interno; se, ao contrário, retira-se o dedo, a corda põe-se
em movimento e o trabalho molecular que produzia a pressão se converte em
movimentos de transporte que se executam de um lado e de outro da posição de
repouso da corda; o vaivém se amortece progressivamente pela resistência do ar
e dos pontos pelos quais as cordas se prendem ao violino.
661. Esta teoria estabelece, em
princípio, que as qualidades dos corpos são devidas aos movimentos particulares
de que são animados os átomos ou as moléculas de cada substância. As propriedades
químicas seriam devidas a agrupamentos diferentes de átomos; sem dúvida não se
pode supor atualmente a que espécie de movimentos constitutivos é devida, por
exemplo, a diferença entre o ouro e a prata, mas a ideia de que é nestes
movimentos que ela reside nem por isso é hoje menos universalmente aceita.
662. Tudo é movimento. Do átomo
invisível ao corpo celeste perdido no espaço, tudo é submetido ao movimento,
tudo gravita em uma órbita imensa ou infinitamente pequena. Mantidas a uma
distância definida, umas das outras, em razão mesma do movimento que as anima,
as moléculas apresentam relações constantes que só perdem pela aquisição ou
subtração de certa quantidade de movimento. Segundo a rapidez das vibrações dos
átomos as substâncias serão em estado sólido, líquido, gasoso ou radiante.
663. Para fazer um corpo passar por
esses diferentes estados, empregamos com maior frequência o calor, mas não
sabemos se outros agentes têm o mesmo poder, isto é, se podem fazer passar as
diferentes substâncias pelos estados sólido, líquido e gasoso.
664. Os Espíritos nos ensinam que a
vontade é uma força considerável, por meio da qual eles agem sobre os fluidos.
Eles podem, por sua ação, fazer todas as manipulações fluídicas que lhes
aprouver, mas para materializar essas criações fluídicas eles têm necessidade
de um agente essencial: o fluido vital. Só o encontram, capaz de preencher as
condições necessárias para a materialização, no organismo humano, donde a
presença indispensável de um médium.
665. Conhecido isto, como conceber que
um Espírito possa primeiro mostrar-se e, em seguida, materializar-se? Para que
o Espírito se mostre é preciso que ele extraia o fluido vital do organismo do
encarnado. Por meio desse agente, ele produz em seu envoltório uma alteração
molecular que o torna opaco. Encontra-se um efeito análogo, posto que inverso,
quando se estudam as propriedades de certas substâncias, como o hidrofânio (1),
rocha silicosa opaca, que se torna transparente quando mergulhada na água.
Dá-se o mesmo com uma folha de papel untada dum corpo gorduroso. A opacidade é devida
à reflexão da luz sobre as diferentes parcelas do papel; mas a interposição de
uma substância que impeça a reflexão permite à luz atravessar o corpo e, por
consequência, produz-se a transparência.
666. Efeito inverso se nota com os
Espíritos. Aliás, basta examinar a condensação de um vapor num tubo, para
compreender-se como pode o perispírito, sob a influência da vontade e do fluido
vital, materializar-se.
667. O invólucro fluídico, que
reproduz, geralmente, a aparência física que o Espírito tinha em sua última
encarnação, possui todos os órgãos do homem, de sorte que, diminuindo o
movimento molecular radiante desse invólucro, ele aparece, a princípio, sob um
aspecto vaporoso, como no caso da inspetora de Riga; depois o fluido vital do
médium se vai acumulando no corpo fluídico, e lhe comunica, momentaneamente,
uma vida fictícia, que é tanto mais intensa quando maior quantidade de fluido
despende o médium. É esta a razão pela qual os médiuns de materialização ficam
mergulhados em catalepsia.
668. Pôde-se observar, nos casos
narrados de desdobramento, que não parecia necessária a presença de um médium.
É que o próprio encarnado fornecia o fluido vital indispensável, e seu duplo
tinha uma realidade mais ou menos tangível, conforme a sua abundância de fluidos.
669. Circunstância que parece estranha
é a desaparição súbita do Espírito materializado. Dir-se-ia que o perispírito,
que se materializou lentamente, deve repassar por fases inversas para voltar ao
estado fluídico. Isto, porém, se compreende, sabendo-se que a água, mesmo em
estado sólido, tem certa tensão de vapor. Não é raro ver-se o gelo desaparecer,
sem ter passado pela fusão; ele passa bruscamente ao estado de vapor e, neste
caso, devemos admitir, o que já reconhecia o naturalista Plínio, que houve
vaporização imediata. Esse fenômeno foi estudado por Gay Lussac e Regnault, que
operaram até 52° abaixo de zero. Certos corpos sólidos, como o iodo e a
cânfora, passam também diretamente ao estado gasoso. É fácil compreender que se
produz algo semelhante na desaparição súbita de um Espírito materializado.
670. Para que nossa demonstração fosse
completa, seria preciso que se pudessem fazer experiências que estabelecessem a
subministração do fluido vital ao organismo do Espírito. Nada ainda foi tentado
com esse objetivo e é difícil, em vista do pouco tempo em que esses fenômenos
são estudados cientificamente, determinando-lhes todas as leis. Mas, seja como
for, acreditamos que nossa teoria pode ser aceita para explicar os fatos e
seremos muito felizes se esses dados puderem servir ao esclarecimento dessas
questões, ainda tão pouco conhecidas.
671. Essa maneira de encarar o
perispírito permitir-nos-á compreender mais facilmente o papel que ele goza
durante a vida do Espírito. Vamos resumir, segundo Allan Kardec, o que sabemos
sobre o assunto.
672. Tomemos a alma ao sair deste
mundo e vejamos o que se passa depois dessa transmigração. Extinguindo-se as
forças vitais, o Espírito se desprende do corpo no momento em que cessa a vida
orgânica; a separação, porém, não é brusca e instantânea. Começa, algumas
vezes, antes da cessação da vida, e não é sempre completa no instante da morte.
673. Há entre o Espírito e o corpo um
laço semimaterial que constitui um primeiro invólucro; ele não se rompe
subitamente e, enquanto subsiste, o Espírito fica num estado de perturbação,
que pode ser comparado ao que sucede ao despertar; muitas vezes, mesmo, ele
duvida da morte; sente que existe e não compreende que possa viver sem o corpo,
de que se vê separado. Os laços que o unem à matéria o tornam, mesmo, acessível
a certas sensações físicas; dizia um deles que sentia os vermes lhe roerem o
corpo.
674. O Espírito só se reconhece depois
de completamente livre: até aí ele não conhece perfeitamente a sua situação. A
duração desse estado de perturbação é variável; pode ser de algumas horas ou de
muitos anos, mas é raro que, ao fim de alguns dias, ele não se reconheça, mais
ou menos bem. Falamos das almas chegadas já a certo grau de adiantamento moral,
porque, entre os selvagens, a vida espiritual não é suficientemente ativa para
que eles se identifiquem com a nova situação. Faz-se preciso que esses
Espíritos reencarnem rapidamente, a fim de apressar o momento em que, gozando
de seu inteiro livre-arbítrio, tornar-se-ão os únicos senhores de seus
destinos.
675. É solene o momento em que o
Espírito vê cessar a sua escravidão pela ruptura do laço que o retém ao corpo.
À entrada no mundo dos Espíritos ele é acolhido por amigos que o recebem, como
de volta de penosa viagem. Encontra os mortos amados, cuja perda lhe tinha sido
cruciante pesar, e se a travessia foi feliz, se o tempo de exílio foi empregado
de forma proveitosa, é por eles felicitado pelo combate corajosamente
sustentado. Aos pais juntam-se os amigos que ele conheceu outrora. Começa,
então, verdadeiramente, para ele uma nova existência.
676. O invólucro fluídico do Espírito
constitui uma espécie de corpo de forma definida, limitada e análoga à nossa.
Na Terra, a visão, a audição, o tato dependem de instrumentos cuja grosseria
não nos permite sentir as vibrações, em número infinito, que se estendem além
dos limites de nossas fracas percepções; mas essas vibrações existem e, para o
ser que as pode captar e lhes compreender a linguagem, devem elas ter uma voz
mais penetrante que o majestoso murmúrio do oceano e as queixas misteriosas do
vento através das florestas.
677. O Espírito sente tudo o que
percebemos: a luz, o som, os odores, e estas sensações não são menos reais, por
nada terem de material; elas possuem, mesmo, algo de mais claro, mais preciso e
mais sutil, porque chegam à alma sem intermediário e sem passar, como entre
nós, pela série dos sentidos, que as esmaecem.
678. A faculdade de perceber é
inerente ao Espírito; é um atributo dos seres; as sensações lhe chegam de toda
parte e não de certas partes determinadas. Um deles dizia, falando da vista: “é
uma faculdade do Espírito e não do corpo; vedes pelos olhos, mas não é o corpo
que vê, é o Espírito”.
679. Pela conformação de nossos
órgãos, temos necessidade de certos veículos para nossas sensações; é assim que
nos é preciso a luz para refletir os objetos, o ar para nos transmitir os sons.
Mas esses veículos se tornam inúteis, desde que não possuímos os intermediários
que os exigiam. O Espírito vê, pois, sem o socorro da luz, ouve sem necessidade
das vibrações do ar. Não há, por isso, escuridão para eles. Temos, assim, a
chave das notáveis propriedades dos sonâmbulos lúcidos, que veem e ouvem muito
além do alcance dos sentidos materiais. É que a alma, desprendida, goza de
parte das prerrogativas que possui em estado de desencarnação.
680. Como as sensações perpétuas e
indefinidas, por mais agradáveis que sejam, tornam-se fatigantes, tem o
Espírito a faculdade de suspendê-las. Ele pode, pois, à vontade, deixar de ver,
ouvir, sentir, ou só sentir, ouvir e ver o que quer. Essa faculdade está em
razão da superioridade do ser, porque há coisas que os Espíritos inferiores não
podem evitar, o que lhes torna a situação penosa.
681. Essa inaptidão para compreender o
que lhes está acima do entendimento, unida à jactância, companheira ordinária da
ignorância, é a causa das teorias absurdas que apresentam certos Espíritos, e
que a nós próprios induziriam em erro se aceitássemos sem controle e sem
assegurarmos, pelos meios fornecidos pela experiência e pelo hábito de
conversar com eles, o grau de confiança que merecem.
682. Há sensações que têm origem no
próprio estado de nossos órgãos; ora, as necessidades inerentes ao nosso corpo
não podem existir desde que esteja destruído o nosso invólucro carnal. O
Espírito não experimenta, pois, nem a fadiga, nem a necessidade de repouso, nem
a da nutrição, porque não há nenhum dispêndio a reparar; as enfermidades não o
afligem. Se, algumas vezes, os médiuns veem Espíritos corcundas ou coxos, é
porque eles tomam essa forma para se fazerem melhor reconhecidos pelas pessoas
com quem se relacionam na Terra.
683. As necessidades do corpo
acarretam deveres sociais que não têm razão de ser para os Espíritos; assim, as
preocupações dos negócios, as mil inquietações a que nos expõe a necessidade de
ganhar a vida, a procura das quimeras que nos lisonjeiam a vaidade, os
tormentos que criamos por superfluidades, não mais existem para eles. Sorriem
de pena, vendo o trabalho a que nos entregamos, para adquirir riquezas vãs ou
ridículas frioleiras.
684. É preciso, porém, certo grau de
elevação para contemplar as coisas dessa altura. Os Espíritos vulgares
interessam-se, principalmente, em nossas lutas materiais e nelas tomam parte,
como podem, e incitam-nos para o bem ou para o mal, conforme sua natureza boa
ou perversa.
685. Os Espíritos inferiores sofrem,
mas as angústias não deixam de ser menos dolorosas, por nada terem de físicas.
Eles têm todas as paixões, todos os desejos que os atenazavam em vida, e é seu
castigo o não poder satisfazê-los. É para eles uma verdadeira tortura, que
acreditam perpétua, porque a própria inferioridade não lhes permite ver-lhe o
termo, o que é ainda um castigo.
686. A palavra articulada é também uma
necessidade da nossa organização; os Espíritos não precisam de sons que lhes
vão ferir os ouvidos; compreendem-se pela transmissão do pensamento, como
acontece, aqui, nos compreendermos pelo olhar. Os Espíritos podem, entretanto,
produzir certos ruídos; sabemos que eles são capazes de agir sobre a matéria, e
esta nos transmite o som; é assim que eles fazem ouvir pancadas ou gritos e, às
vezes, cantos no vazio do espaço.
687. Enquanto arrastamos penosamente
nosso corpo material, na Terra, rastejando presos ao solo, os Espíritos,
vaporosos, etéreos, transportam-se sem fadiga de um lugar a outro, transpõem
incomensuráveis espaços, com a rapidez do pensamento, e penetram em toda parte,
sem encontrar obstáculos.
(1) Variedade de opala semitranslúcida
que se torna translúcida ou transparente quando imersa na água.
Respostas às questões preliminares
A. É certo dizer que no Universo tudo é movimento?
Sim. Tudo é movimento. Do átomo
invisível ao corpo celeste perdido no espaço, tudo é submetido ao movimento,
tudo gravita em uma órbita imensa ou infinitamente pequena. Mantidas a uma
distância definida, umas das outras, em razão mesma do movimento que as anima,
as moléculas apresentam relações constantes que só perdem pela aquisição ou
subtração de certa quantidade de movimento. Segundo a rapidez das vibrações dos
átomos as substâncias serão em estado sólido, líquido, gasoso ou radiante. (O Espiritismo perante a Ciência, Quarta
Parte, Cap. III – O perispírito durante a desencarnação – Sua composição.)
B. Que importância tem a vontade para os Espíritos?
Segundo os ensinos espíritas, a
vontade é uma força considerável, por meio da qual os Espíritos agem sobre os
fluidos. Eles podem, por sua ação, fazer todas as manipulações fluídicas que
lhes aprouver, mas para materializar essas criações fluídicas eles têm
necessidade de um agente essencial: o fluido vital, e só o encontram no
organismo humano. (Obra citada, Quarta Parte, Cap. III – O perispírito durante
a desencarnação – Sua composição.)
C. Podem os Espíritos sentir tudo o que os encarnados
sentem?
Sim. Podem sentir tudo o que
percebemos: a luz, o som, os odores, e estas sensações não são menos reais, por
nada terem de material; elas possuem, mesmo, algo de mais claro, mais preciso e
mais sutil, porque chegam à alma sem intermediário e sem passar, como entre
nós, pela série dos sentidos, que as esmaecem. A faculdade de perceber é
inerente ao Espírito; é um atributo dos seres; as sensações lhe chegam de toda
parte e não de certas partes determinadas. (Obra citada, Quarta Parte, Cap. III
– O perispírito durante a desencarnação – Sua composição.)
Observação:
Para acessar a parte 28 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/09/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel_25.html
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