Criança de futuro incerto
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília, DF
Quando criança, fui um dos sete filhos de família muito
pobre, como já relatei noutra ocasião. Ficamos órfãos de pai quando eu mal
completara 11 anos. Morávamos ao pé do morro da Igreja da Penha, no Rio de
Janeiro, e quase todos estudamos no Colégio Nossa Senhora da Penha,
administrado pela paróquia da igreja.
Embora muito pobres, pois nossa mãe ficara viúva aos 40 anos
e precisava alimentar e vestir sete crianças, das quais os mais novos eram
gêmeos com três anos de idade, vivíamos com dignidade, na pequena casa de
tijolos que foi construída por um mutirão de parentes piedosos. A pensão que
recebia a dona da casa era de apenas um salário mínimo e, com muita
dificuldade, ela completava a renda familiar com os trocados obtidos dos
trabalhos de costura, que fazia pedalando uma antiga máquina de costura da
marca Singer.
Entretanto, era envergonhados que recebíamos, de vez em
quando, auxílio de algumas pessoas religiosas, representado por leite em pó e,
talvez, um ou dois pacotes de fubá, farinha, feijão e arroz. Em nosso lar,
praticamente só havia uns poucos móveis antigos, bicamas para os irmãos, que
compartilhávamos com algumas pulgas, uma pequena mesa e fogão a gás, além de
uma prateleira para guardar pratos e talheres na cozinha. O material escolar
era repassado de irmão para irmão...
Ainda assim, lembro-me de certa ocasião ter recebido carnê
destinado a contribuição para a manutenção da igreja. Com ele, a solicitação
para, no domingo, antes da missa, arrecadar contribuição para as obras sociais.
Deveríamos destacar cada tíquete com o
nome da pessoa doadora, após anotar seu nome, endereço e, ao final da
arrecadação, entregar, na administração da escola, o valor total obtido. Saí
com dois irmãos e abordamos alguns fiéis aos quais solicitamos a doação para a
paróquia, em local abaixo do início das escadas de cimento que antecipavam a
subida da escadaria para a igreja. Uma senhora, penalizada de nós, descalços e maltrapilhos, fez uma doação extra de pequeno
valor, afirmando que era para pagar um lanche para nós. Quase sem entender
direito o gesto nobre daquela bondosa alma, recebemos envergonhados, mas
agradecidos, a pequena espórtula. Entretanto, jamais pedimos qualquer ajuda
financeira para uso pessoal na rua. O feijão e arroz, com bastante água no
feijão e farinha, eram-nos suficientes...
Com todas as dificuldades socioeconômicas, os sete filhos de
Seu Sebastião e Dona Cely, mineiros muito amados, cresceram, estudaram,
alcançaram modestos, mas dignos empregos, constituíram família e ainda hoje
estão todos vivos. Os caçulas gêmeos nasceram em 1960, mesmo ano da inauguração
de Brasília, para onde eu e minha família viemos 20 anos depois. Volto a este
assunto apenas para exemplificar o que ocorre com milhões de famílias dignas...
Hoje, fiquei sabendo da história de irmão de pessoa querida
que teve nove filhos e, mesmo com toda a dificuldade familiar financeira, estes
cresceram, estudaram, obtiveram razoáveis empregos, casaram e vivem bem em seus
modestos, mas dignos lares. A mãe, certo dia disse que, durante alguns anos,
receberam auxílio material de uma instituição espírita. Ao crescerem os filhos,
como ocorreu conosco, estes passaram a contribuir financeiramente com a família
e não mais precisaram dessa ajuda, muito comum em todo o país.
Algumas pessoas, porém, parece que estacionam, não digo na
pobreza, mas na dependência financeira de instituições socioassistenciais ou de
outrem para si e familiares. Consideram-se eternamente na condição de “vítimas
sociais”, entretanto, quando se fala em estudo, leitura edificante, trabalho
digno, não querem nem saber disso.
Fiquei ainda ciente, pela mesma pessoa citada acima, diretora
duma instituição espírita de assistência social, que ao longo de 30 anos de
trabalho com as pessoas sociovulneráveis, ela vê com prazer o crescimento
socioeconômico, pessoal e familiar, de alguns assistidos. Entretanto, salvo as
situações por nós mesmos comprovadas de famílias em expiação dolorosa, como é o
caso de crianças, idosos e jovens necessitados de cuidados permanentes, muitos
assistidos, de geração em geração, vivem basicamente do assistencialismo. É o caso
citado de avó que pedia enxoval de bebê para a filha que, por sua vez, vem
pedir enxoval para o neto daquela, e este também, ao crescer, já é “iniciado”
no peditório de avó e mãe. Esse é apenas um exemplo, mas há muitos,
infelizmente.
As políticas públicas precisam investir mais na autoestima
dessas pessoas. Não basta o socorro assistencialista, é preciso ver e ajudar as
criaturas em seu aspecto individual material e, sobretudo, espiritual, para que aproveitem suas vocações em trabalho digno
que as dispense do profissionalismo da esmola, salvo as situações
comprovadamente verdadeiras de extrema pobreza, que precisam da ajuda do Estado.
Citei em crônica passada o cuidado que devemos ter, nos dias
atuais, até mesmo para prestarmos um serviço caritativo a alguém, pois podemos
ser vítimas de pessoas cruéis que nos assaltem e matem. Foi o que ocorreu
recentemente com senhora espírita nossa conhecida e sua filha, assassinadas
barbaramente, assim como seus oito parentes dentre os quais gêmeos de 6 anos de
idade: uma menina e um menino lindos, além de seu irmão pouco mais velho e uma
adolescente dedicada à evangelização, tal como a mãe.
Flávia, nome fictício, havia vendido um modesto imóvel, e
uma quadrilha ficou ciente de que ela e outros familiares possuíam em conta cerca
de 400 mil reais. Sequestraram toda a família e obrigarem-na, sob tortura, a
lhes fornecerem as senhas bancárias para roubo. Em seguida, mataram todos, mas
acabaram sendo descobertos e, agora presos, respondem pelos crimes hediondos cometidos.
Um desses criminosos é um adolescente. Esses assassinos são cidadãos que
preferem viver do crime, apropriando-se do alheio, a executar qualquer trabalho
simples.
Pessoas há que infestam os semáforos, supermercados,
restaurantes e logradouros públicos de Brasília, pedindo esmolas. Algumas delas,
com esse objetivo, mostram cartazes aos motoristas parados, com informações de
que a mulher está grávida e tem filhos menores passando fome etc. Vemos, quase
diariamente, uma senhora que ostenta um cartaz onde se lê: “Sou diarista e
estou desempregada. Aceito qualquer valor”. Os dias e as semanas passam, e ela
não consegue emprego, o que é estranho, pois há muitas famílias necessitadas de
bons empregados, além de agências de emprego que cadastram os que as procuram...
A sofisticação chegou a tal ponto que hoje, em grande
supermercado, ao nos dirigirmos ao caixa com carrinho de compras, incluindo
nelas algumas cestas básicas para doação, fomos abordados por uma senhora com
um litro de óleo na mão. Então, pediu-nos para pagar seu óleo, alegando
dificuldade financeira. Assim que fizemos isso, ela ficou do lado de fora com o
óleo, de botuca numa menina de cerca de dez anos que, em seguida, procurou-nos
na fila do caixa também pedindo para lhe pagarmos diversos produtos
alimentícios trazidos num carrinho.
Ao lhe ser dito que já havíamos auxiliado sua mãe, ela disse-nos
que a senhora não era sua mãe. Em seguida afastou-se à procura de outra pessoa
que pagasse suas mercadorias. Ao
observar isso, perguntamo-nos intimamente:
— Que futuro aguarda uma criança como essa?
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