Irmão X
Eram
doentes desiludidos que vinham rogar esperança, velhinhos sem consolo que
suplicavam abrigo. Mulheres de lívido semblante traziam nos braços crianças
aleijadas, que o duro guante do sofrimento mutilara ao nascer, e, de quando em
quando, grupos de irmãos generosos chegavam da via pública, acompanhando
alienados mentais para que ali recolhessem o benefício da prece.
Numa
sala pequena, Simão Pedro atendia, prestimoso.
Fosse,
porém, pelo cansaço físico ou pelas desilusões hauridas ao contato com as
hipocrisias do mundo, o antigo pescador acusava irritação e fadiga, a se
expressarem nas exclamações de amargura que não mais podia conter.
—
Observa aquele homem que vem lá, de braços secos e distendidos? — gritava para
Zenon, o companheiro humilde que lhe prestava concurso — aquele é Roboão, o
miserável que espancou a própria mãe, numa noite de embriaguez… Não é justo
sofra, agora, as consequências?
E
pedia para que o enfermo não lhe ocupasse a atenção.
Logo
após, indicando feridenta mulher que se arrastava, buscando-o, exclamou,
encolerizado:
—
Que procuras, infeliz? Gozaste no orgulho e na crueldade, durante longos anos…
Muitas vezes, ouvi-te o riso imundo à frente dos escravos agonizantes que
espancavas até à morte… Fora daqui! Fora daqui!…
E
a desmandar-se nas indisposições de que se via tocado, em seguida bradou para
um velho paralítico que lhe implorava socorro:
—
Como não te envergonhas de comparecer no pouso do Senhor, quando sempre
devoraste o ceitil das viúvas e dos órfãos? Tuas arcas transbordam de maldições
e de lágrimas… O pranto das vítimas é grilhão nos teus pés…
E,
por muitas horas, fustigou as desventuras alheias, colocando à mostra, com
palavras candentes e incisivas, as deficiências e os erros de quantos lhe
vinham suplicar reconforto.
Todavia,
quando o Sol desaparecera distante e a névoa crepuscular invadira o suave
refúgio, modesto viajante penetrou o estreito cenáculo, exibindo nas mãos
largas nódoas sanguinolentas.
No
compartimento, agora vazio, apenas o velho pescador se dispunha à retirada, suarento
e abatido.
O
recém-vindo, silencioso, aproximou-se, sutil, e tocou-o docemente. O conturbado
discípulo do Evangelho só assim lhe deu atenção, clamando, porém, impulsivo:
—
Quem és tu, que chegas a estas horas, quando o dia de trabalho já terminou?
E
porque o desconhecido não respondesse, insistiu com inflexão de censura:
—
Avia-te sem demora! Dize depressa a que vens…
Nesse
instante, porém, deteve-se a contemplar as rosas de sangue que desabotoavam
naquelas mãos belas e finas. Fitou os pés descalços, dos quais transpareciam,
ainda vivos, os rubros sinais dos cravos da cruz e, ansioso, encontrou no
estranho peregrino o olhar que refletia o fulgor das estrelas…
Perplexo e desfalecente, compreendeu que se achava diante
do Mestre, e, ajoelhando-se, em lágrimas, gemeu, aflito:
—
Senhor! Senhor! Que pretendes de teu servo?
Foi então que Jesus redivivo afagou-lhe a atormentada
cabeça e falou em voz triste:
—
Pedro, lembra-te de que não fomos chamados para socorrer as almas puras… Venho
rogar-te a caridade do silêncio quando não possas auxiliar! Suplico-te para os
filhos de minha esperança a esmola da compaixão…
O rude, mas amoroso pescador de Cafarnaum, mergulhou a face
nas mãos calosas para enxugar o pranto copioso e sincero, e quando ergueu, de
novo, os olhos para abraçar o visitante querido, no aposento isolado somente
havia a sombra da noite que avançava de leve.
Do livro Contos e apólogos, obra psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.
Como consultar as matérias deste
blog? Se você não o conhece, clique em Espiritismo Século XXI e verá como utilizá-lo e seus vários recursos. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário