CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR
Ele não
conhecia a boa vida nem imaginava uma diferente da que levava; porém, tinha um
desejo: fazer uma refeição pelo menos uma vez, com mesa posta rodeada de uma
família ou de seres que o amassem e que ele, reciprocamente, o sentisse.
Esse
desejo se despertou quando Aiko completara seus treze anos nas ruas de
Kanazawa, província de Ishikawa, localizada no litoral do Mar do Japão. O menino
vivia pelas ruas mais simples e sem a família que tanto sonhara. É o tipo de
situação que, de repente, ocorre, e simplesmente já é.
O nome
Aiko traz em sua significação o que ele era em sua essência: criança amorosa.
De certa forma, poderia ser imensamente contraditório, mas se sabe que o amor
pode ser presenciado de múltiplas maneiras e ocasiões. E Aiko, mesmo sozinho,
ou melhor, com um gato acinzentado, era feliz e fazia quem com ele estivesse
por algum momento, também muito feliz.
A sua
valorização era sensível quanto à natureza. E numa sexta-feira de primavera, o
menino se encontrava num dos cuidados e maravilhosos parques, como é comum em
todo o Japão, e sua mão ainda pequena e delicada tocava carinhosamente nas
folhas, ainda com mais cuidado, nas flores que da planta floresciam.
Quanto
respeito e amor! Reverenciava as “pequeninas”, assim como as chamava.
Encantadoramente as admirava. Seu gato Cinza, realmente era o nome, observava
seu companheiro em total silêncio; tanto um aprendia com o outro.
E naquela
tarde, o sol tão brilhante se irradiava como ouro, com seus raios amarelo-ouro,
pelo parque. O menino anotava informações. Desde tenra idade, aprendera a ler e
a escrever, talvez trouxera a bagagem de outro tempo. Conhecia importantes
histórias; admirava o movimento do vento, a sua variação, dinâmica; silenciava,
respeitosamente, ao perceber a montagem do céu para, com a chuva, aguar a
terra.
Aiko não
guardava para si as anotações, mas as entregava em forma de pergaminho para o
porteiro de um laboratório renomado em sua cidade.
Ainda na
sexta à tarde, no parque, o menino anotou incontáveis observações como se
preenchesse um longo relatório. Também desenhava algumas flores visualizadas e
registrava as informações necessárias. Quando percebera, já era o horário para
o fechamento dos portões. Os guardas do lugar o conheciam e tinham muito apreço
por ele.
– Boa
tarde, Aiko!
– Boa
tarde, senhor guarda do parque! Bom descanso e até amanhã! – assim o menino os
saudava.
Normalmente,
as pessoas voltam para casa no fim de tarde, começo da noite; no entanto, Aiko
não tinha uma família para esperá-lo e nem uma casa comum para retornar. Muito
se ouve que a vivência padrão é a mais provável de se encontrar, porém, não
quer dizer a única forma adequada para se viver.
E Aiko
retornava para sua grande flor, assim ele nomeava sua casa. Uma construção com
tudo o que se pudesse imaginar de reciclável. Aiko e Cinza já estavam a uns dez
passos para chegarem ao lar quando um forte clarão abrilhantou os olhos do gato
e os do menino. O animal levou um grande susto e se escafedeu pelo espaço
encontrado. O menino parou, extasiado, com a surpresa do que lhe poderia
suceder.
Talvez
durara de cinco a dez segundos aquele brilho, um significativo tempo para
determinado e imprevisto acontecimento.
Quando o
menino foi capaz de abrir os olhos... não acreditava no que estava em sua
frente.
Dois
quadros se punham diante do olhar juvenil: o da esquerda trazia a imagem de um
ancião ocidental, com barba e cabelos longos brancos, túnica de cor clara,
chapéu com formato de cone e tantos vidros de vários tamanhos sobre uma mesa,
os quais o homem administrava num trabalho de grande necessidade e
responsabilidade.
O quadro
do lado direito exibia a imagem de um homem oriental voltado para uma mesa
repleta de aparelhos, microscópios, computadores de alta precisão para o
trabalho desenvolvido. O homem vestia um jaleco longo e branco, estava com os
cabelos curtos e com a barba feita. Demonstrava habilidade no manuseio de seu
material.
Aiko
atentava-se aos dois. Começou a associar o segundo ao primeiro. E nos dois, um
gato cinza.
– Seria a
sequência? – questionava-se o menino.
Refletia,
estupefato, procurando compreender a significação das duas telas no tempo. Era
fenomenal!
Esqueceu-se
de si e de seu redor. Queria insaciavelmente entender tudo aquilo. E tão
familiar eram os olhos.
Pôde mais
uma vez reparar com observância o quadro da direita e depois o outro.
Com a
mesma rapidez que se construiu a imagem também deixou de ser. E estava de volta
o cenário simples da rua japonesa. Com a calmaria presente, o gato Cinza veio
se aproximando, atento, do menino companheiro.
Aiko
percebeu o animal, um pouco desconcertado, mas retomando a ação comum. O
menino, maravilhado, ainda se encontrava na mesma posição na calçada, onde tudo
sucedera.
Buscou
uma vez mais os quadros; porém, já não eram visíveis aos olhos; eles existiam
no tempo e na vida. Dimensões simultâneas e distintas.
Restou,
então, a entrada para casa.
– Venha,
Cinza. Vamos, meu amigo!
O menino
olhou para o céu e quantas estrelas havia. Respirou fundo e foi para o lar.
Como
conhecia a construção de sua casa, abriu com cuidado a porta, mas antes de
abri-la totalmente, percebeu uma claridade incomum. E abriu, com calma, a porta
do lar.
Parados à
porta, o menino e o gato, de bocas abertas, se deslumbraram com o cenário: uma
mesa posta com todos os detalhes dignos de um sonho agora realizado.
Em cada
extremidade da mesa havia um homem. O lado esquerdo estava ocupado pelo ancião;
o direito, pelo jovem homem oriental. Aiko sentou-se ao meio da mesa: entre um
e outro. Cinza deitou-se no chão, ao lado do menino.
Na
sexta-feira à noite, Aiko realizou o grande desejo. E os três possuíam o mesmo
olhar: do que foi, do que é e do que pode vir a ser. A responsabilidade com a vida
é, incontestavelmente, imprescindível, pois há muito por fazer para o
progresso. O futuro sempre aguarda, mas depende da conduta do presente. E o
espírito é eterno com sua multiplicidade de existência.
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crônica, poesia… minha literatura: http://contoecronica.wordpress.com/
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