JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
A questão da autoestima do ser humano merece uma
nota deste caramujo que gosta dos teatros, bailes dos clubes e salões, da nobre
sociedade do Paço Imperial, de uns dedos de prosa ou poesia e de dança.
Os 49 anos do Segundo Reinado (1840 a 1889) abarcam os meus
50 junhos, pois, embora a República date de 15 de novembro de 1889, eu nasci em
21 de junho de 1839 e, portanto, já completara 50 anos. Mas para não confundir
a leitora e o leitor com datas, explico-lhes que, até o meu desenlace físico,
em 29 de setembro de 1908, para mim, todos os acontecimentos e enredos
transcorriam, predominantemente no tempo do Paço, do Passeio Público, do
Teatro, da praia do Flamengo e da Rua do Ouvidor como centros da agitada urbe
carioca.
Era tempo de festas. Uma das mais tradicionais
foi a festa da Glória, no Palácio Meriti, do marquês de Abrantes. Daí, talvez,
a expressão “Está tudo como dantes no quartel de Abrantes”. Trocaram o palácio
pelo quartel... Qual!
A Penha do meu tempo, amável leitora, estava no
auge de sua fama. Em suas festas de outubro, seus lindos fogos de artifício
eram apreciados dos quatro costados do Rio de Janeiro. Tanto é assim que, numa
de minhas crônicas comentei: “Esta festa da Glória é a Penha elegante do
vestido escorrido, da comenda do claque; a Penha é a Glória da rosca no chapéu,
garrafão ao lado, ramo verde na carruagem e turca no cérebro”.
E o que se fazia mesmo, nos salões cariocas, era
dançar. Havia verdadeira febre de bailes e festas, religiosas/profanas, na
primeira metade do Segundo Império. Em 1864, afirmei, em crônica, que o “teatro
entrou propriamente no salão com pequenos provérbios e charadas. A comédia
foi-lhes no encalço. A ópera vai entrando”.
Ah! você duvida que eu seja um saudosista do
tempo da Monarquia? Então veja as datas de meus três últimos romances. A
primeira é a do início das narrativas, a segunda a do ano de sua publicação.
Vejamos Dom Casmurro. Narrativa dos fatos iniciados em novembro de 1857, no
auge do II Reinado, e livro editado em 1900. Agora Esaú e Jacó. Início dos acontecimentos
narrados: 1871, e livro editado em 1904. Por fim, Memorial de Aires. Memórias
datadas de 9 de janeiro de 1888
a 30 de agosto de 1889. Livro publicado somente em 1908,
data de meu retorno à vida eterna.
E quando foi mesmo proclamada a República? Em 15
de novembro de 1889, repito. Ou seja, sendo homem do meu tempo, esse tempo não
é o do novo regime, e, sim, o do mais democrático regime que houve em nosso
país, o do período em que governava o Brasil um homem extremamente culto,
tolerante, bom e amigo do povo: Dom Pedro II. Por isso fiz questão de só situar
minhas narrativas nesse tempo mágico, até o dia em que minha alma subiu ao
encontro da de Carolina e outras almas amigas.
Em meu tempo, as pessoas de cor, como eu e o
André Rebouças, eram tratadas com muita dignidade, quando se destacavam
profissionalmente ou no meio artístico. Cito apenas dois casos:
No dia 4 de março de 1867, Rebouças (engenheiro
negro) narra sua felicidade em ter dançado, em sarau dançante orquestrado e com
cerca de cem convidados, com madame Taunay, com a viscondessa de Lajes e sua
sobrinha. Por fim, completa ele, “o conde d’Eu convidou-me a dançar a segunda
quadrilha de lanceiros com a Princesa Isabel”. Qual! Quanta vaidade!
É verdade que nem sempre o renomado engenheiro
tivera a mesma sorte. Em geral, quando convidava uma delicada e alva jovem da
aristocracia para dançar, a desculpa era sempre a de que ela já tinha par. Uma
noite, penalizada dele, a própria princesa Isabel dançou com ele uma quadrilha.
Dizem também que a iniciativa da dança com a princesa fora do conde d’Eu, que
convidou Rebouças dizendo-lhe que a princesa ficaria honrada em tê-lo como par.
Quanto reconhecimento! Mas pudera! O negro fora
o mais renomado engenheiro daquele tempo. Tanto é assim que, até hoje, no Rio,
há um túnel chamado Rebouças, em sua homenagem. Sem contar outras homenagens...
São coisas assim que me fazem tão saudoso da
Monarquia. Volta, Imperador! Volta! Princesa. Vem viver novamente ao meu lado.
Brindamos, pois, a leitora com esta bela canção,
de Lupicínio Rodrigues, grande compositor e cantor de minha nobre estirpe:
Volta
Quantas noites não durmo
A rolar-me na cama
A sentir tantas coisas
Que a gente não pode
explicar quando ama
O calor das cobertas
Não me aquece direito
Não há nada no mundo
Que possa afastar esse
frio em meu peito
Volta
Vem viver outra vez ao
meu lado
Não consigo dormir sem
teu braço
Pois meu corpo está
acostumado.
Quer ouvi-la? Acesse o link: http://www.vagalume.com.br/lupicinio-rodrigues/volta.html
Acesse, quando puder, o blog: www.jojorgeleite.blogspot.com
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