terça-feira, 1 de agosto de 2017

Contos e crônicas



Como a branca flor que desperta na primavera

CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@gmail.com
De Londrina-PR

E a menina queria apenas uma companhia para brincar, mas ninguém ali naquele rico casarão percebia isso. Os empregados, com tantos afazeres, mal conseguiam tempo para algo que não fosse os afazeres. As pessoas da família mal observavam outra coisa que não fosse o destaque social e o aumento do dinheiro em suas graúdas contas.
A menina queria apenas uma companhia para brincar. Ela sempre estava com vestidinho claro, meias curtas brancas e sapatinhos pretos de verniz, mesmo em dias mais frios. Andava pela casa, talvez alguém lhe desse atenção, mas todos tinham seu próprio interesse. E numa manhã de primavera, a menina, surpreendentemente, quando foi à cozinha, deparou-se com um garoto de quase a mesma idade. Ela ficou estática, mas um sorriso lindo logo surgiu em seu rosto. O menino também sorriu.
‒ Olá! Quem é você?
‒ Sou Marcus, sobrinho de Louise, a cozinheira.
‒ Nunca o vi aqui.
Ele sorriu.
‒ Você quer brincar? ‒ a menina lhe perguntou.
‒ Sim. Vamos!
E os dois foram para o belo campo de grama verdinha em frente da casa. Havia um imenso e muito bem cuidado jardim ao redor com um raio de alguns quilômetros, na verdade, uma bela fazenda no sul da Europa.
O sol estava o seu puro dourado; o céu, anil; o vento tão agradável como o afago de quem se ama; e as duas crianças, felizes como próprias crianças. As risadas demoradas e verdadeiras, risadas de quem tem, puro, o coração.
Corriam sem pressa de chegarem a nenhum determinado lugar, alegria simplesmente por estarem ali, um com o outro. Descobriam novas flores no jardim e insetos delicados, uns mais bonitos do que outros; as joaninhas eram as preferidas. Compartilhavam cada descoberta.
E os donos da casa continuavam sem tempo para observarem a vida; o tempo era somente para o aumento de lucro, posições de destaque na sociedade e a tristeza os acompanhava. E os empregados tinham de servir, com o rigor exigido, seus patrões.
Mesmo na primavera, o sol não demorava tão mais das seis para começar a descer. Esse foi o sinal para as crianças voltarem para a casa. Entraram pela porta da cozinha, lavaram as mãos numa pia própria para essa higiene e sentaram-se à mesa a fim de saciarem fome e sede. Louise estava na cozinha, mas sempre triste nem os percebeu. Outra senhora empregada lhes serviu suco com uma fatia de bolo. E os olhinhos das crianças brilhavam felizes.
Depois de comerem, as crianças se levantaram e foram em direção a um quarto de estudo onde havia livros interessantes para essa idade. Entraram e a menina foi direto ao seu favorito. Pegou-o para mostrar a Marcus que sorriu por também dele gostar.
Sentaram-se no grande tapete do cômodo e o menino começou a ler suas partes preferidas em voz alta. A menina sorriu por também serem essas as suas partes preferidas. Leram mais um pouco.
E a noite chegou.
As crianças se levantaram e sorrindo saíram pelo corredor.
Foram até o quarto da menina que sempre estava arrumado.
Entraram e a porta ficou semiaberta. A mãe passou pelo corredor e estranhou. Olhou o quarto, tudo estava impecável. Mais uma vez os olhos da mãe se encheram e ela encostou a porta. Seguiu pelo corredor; o marido ainda não havia chegado. Ela estava só. Lembrou-se tanto de quanto podia ter brincado mais com a filha e lhe dado amor e carinho. Tanto deixou de observar que a filha adoeceu sem a mãe perceber. A mãe começava a compreender a importância das pessoas, da vida. A importância do que é real e não da efemeridade, materialidade, orgulho.
O marido chegou tarde da noite. Pensava ser necessário a cada dia mais dinheiro e destaque. E a esposa estava adormecida na fria poltrona.
Ainda no quarto a menina foi embalada pelo carinho de Marcus e de outros amigos que lhe explicaram sua condição atual e que no lugar que a esperava haveria muita atenção, amor e companhia para brincar. Ela sorriu. Seguiram para o local onde o que realmente valerá é o sentimento de amor no coração e o de bondade no olhar.

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