A morte e os
seus mistérios
Ernesto Bozzano
Parte 20
Continuamos o estudo do clássico A morte e os seus mistérios, de Ernesto Bozzano,
conforme tradução de Francisco Klörs Werneck. O estudo foi aqui dividido em 24 partes. Nossa expectativa
é que ele sirva para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados
Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de: a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do
texto abaixo.
Questões preliminares
A. A 2ª categoria dos casos tratados neste livro refere-se
a que tipo de ocorrências?
B. As manifestações de “visão panorâmica” são sempre
rápidas?
C. À vista dos fatos relatados nesta obra, podemos concluir
que a ocorrência da “visão panorâmica” independe dos estados de saúde e de alma
do indivíduo?
Texto para
leitura
310. A 2ª categoria dos casos tratados neste livro
refere-se às ocorrências em que a "visão panorâmica" se verificou com
pessoas sadias e não havia no caso a sensação do perigo de morte. Tais casos,
diz Bozzano, são bem raros e ele só apresenta no livro quatro exemplos.
311. Na verdade, esta categoria não oferece valor teórico
particular, porque, se o despertar da "memória sintética" se produz
na crise que precede a agonia ou nas circunstâncias de acidente que põem a vida
em perigo, não se diz que, por exceção, o mesmo fenômeno não possa acontecer
com pessoas que estão de boa saúde, real ou aparente. Casos iguais excepcionais
podem ser observados em não importa qual categoria de manifestações
metapsíquicas de ordem intelectual. Dão-se fenômenos de telepatia, de
telestesia, de clarividência no passado, no presente e no futuro entre pessoas
aparentemente normais. Seria, pois, de admirar que não se encontrassem pessoas
normais às quais não acontecesse terem "visões panorâmicas", visões
que têm a origem - como os outros fenômenos supracitados - em um súbito impulso
de faculdade supranormal subconsciente.
312. Caso IX – O
episódio a seguir relatado foi extraído do vol. XI, pág. 355 dos Proceedings of the Society for Psychical
Research. Não se trata precisamente de "visão panorâmica", mas,
sim, de brusca revivescência de um grupo de recordações remontando a anos da
infância (hipermnésia) e com tal vivacidade que a percipiente se sentiu reviver
em um passado esquecido.(1)
313. A este propósito, a Sra. Clarkson Manning escreveu,
nos seguintes termos, ao Professor William James: "Quando era ainda
pequena, residia em Rochester (Estado de New York), e estava confiada aos
cuidados de minha irmã mais velha. À noite, quando ia para a cama, ficava ela
sentada na cabeceira até que eu adormecesse. Muitas vezes, porém, acontecia-me
acordar e, como tivesse grande medo do escuro, eu a chamava com todas as minhas
forças: - ‘Jessie! Jessie!’ Ela acorria apressadamente, acalmava-me e
permanecia junto de mim todo o tempo em que eu não reconciliasse o sono. Em
1875, fui residir com o meu marido, oficial do exército, em Fort Hartsuff, no
Nebraska. Minha irmã residia, então, em Omaha, a uma distância de 300 milhas de
minha casa. Certa noite de novembro, acordei durante um sono sem sonhos, com o
sentimento de ser a filhinha que fora muitos anos antes. Parecia-me residir
ainda na casa paterna e estar ainda no meu quartinho e de me sentir sozinha no
escuro. Levantei-me e sentei-me na cama, chamando em alta voz: - ‘Jessie!
Jessie!’ Meu marido, então, acordou e me perguntou o que me acontecera.
Lentamente, dificilmente, custou-me reconhecer o ambiente em que me achava,
mas, para readaptar-me ao presente, tive que fazer um esforço mental
considerável. Nesse momento, eu havia literalmente revisto toda a minha
existência de criança, na casa de meus pais, e essa sensação era tão verídica,
tão natural, tão real, que me vi desprovida de vocabulário conveniente para o
descrever”.
314. Continuando o relato, a Sra. Manning disse que durante
vários dias não conseguiu libertar-se da estranha concepção de que era a menina
de outrora, o que lhe parecia legítimo pelo fato de lhe ser possível recordar,
nos mínimos detalhes, a visão de sua existência de criança, visão que ela havia
há muito esquecido até esse dia. Na manhã do dia seguinte, ela escreveu à sua
irmã contando-lhe a curiosa experiência, mas a carta cruzou com outra que a
irmã lhe enviara com a mesma data que a sua. Nela, a irmã lhe narrou uma
experiência pessoal, não menos extraordinária: na mesma noite do sonho, ela
também havia acordado, em sobressalto, pela voz da Sra. Manning, que a chamara
por duas vezes: - Jessie! Jessie! A realidade do fato era indubitável e seu
marido foi abrir a porta, supondo que, de fato, a irmã estivesse lá. Na carta,
a irmã acrescentou que não se tratava de um sonho, pois que havia distintamente
reconhecido sua voz e estava absolutamente certa de que ninguém, em volta dela
e de sua família, a havia chamado naquela noite.
315. O marido da Sra. Manning, o Sr. W. C. Manning, sua
irmã, Sra. Jessie Clarkson Thrall, assim como o marido dela, Sr. George Thrall,
escreveram para confirmar o relato que acabamos de ler.
316. Embora confirmado, esse caso não diz respeito a
"visão panorâmica", mas trata-se de um caso de hipermnésia.(1)
Contudo, a identidade fundamental de ambos os fenômenos parece de todo evidente,
pois que nas duas circunstâncias trata-se de revivescência de recordações do
passado, recordações inteiramente esquecidas. Em outros termos, está-se na
presença de uma reaparição parcial da "memória sintética", com a
existência de um período determinado do passado e a ressurreição muito vivaz de
todos os acontecimentos colocados nesse período. A sensação persistiu alguns
dias na consciência da percipiente.
317. Era isso a consequência de um sonho? Não, certamente,
assim como atesta bem esse fato de o incidente ter provocado, à distância,
manifestação telepática na casa de sua irmã Jessie, principal companheira da
percipiente, em tempos recuados. Não podia tratar-se lá de sonho mais ativo que
os sonhos habituais, mas da aparição de faculdades subconscientes, pois que a
telepatia é função da subconsciência humana.
318. Caso X - O
Dr. Justinus Kerner, em seu livro sobre a "Vidente de Prevorst", pág.
44 da versão francesa, assim se exprime: "As bolas de sabão, os copos de
vidro, os espelhos, provocavam a sua vista espiritual. Uma criança, tendo
inflado uma bola de sabão, fê-la exclamar: ‘Ah! meu Deus. Vi na bola de sabão
tudo o que eu havia passado, algo remoto que se foi, e não em breve momento,
mas em toda a minha vida, e isto me espanta.’ Neste caso, a vidente estava em
um estado absolutamente normal, se se pode falar de estado normal quando se
trata de uma sensitiva excepcional como a Vidente de Prevorst”.
319. Caso XI – O
professor Frederic Myers, em sua obra sobre a "Consciência
subliminal", narra este incidente: "Do mesmo modo, nos casos de
pessoas absolutamente sãs, podem acontecer subitamente irrupções de recordações
persistentes, com detalhes há muito tempo passados e bem mais completos que os
de que a percipiente teria podido, voluntariamente, fazer a recordação em sua
memória. Um jovem oficial da Marinha real conta esta experiência, de que foi
protagonista, quando ele lia deitado na cama, em estado de absoluta vigília e
na plena calma de seu espírito, assim: ‘Todo acontecimento, que me tinha
acontecido desde o dia em que embarquei pela primeira vez, me passou diante dos
olhos, como distribuído em um quadro: localidades, episódios, rostos e nomes de
pessoas conhecidas: tudo, absolutamente tudo. Essa manifestação se prolongou
por cerca de uma hora, depois da qual as imagens pictográficas se apagaram e
nada restou delas salvo uma impressão visual confusa. Esse fenômeno exerceu
sobre mim um efeito profundo, do qual experimentei como uma espécie de
mal-estar durante dois anos’." (Proceedings
of the S.P.R., vol. XI, pág. 354.)
320. Nesse episódio, é preciso salientar a circunstância de
duração da manifestação: cerca de uma hora. Este detalhe, na realidade, não
apresenta um significado teórico especial, pois que, uma vez admitida a
existência na subconsciência humana de uma "memória sintética",
pode-se presumir, a priori, que ela deveria emergir e se manifestar sob uma
forma panorâmica, seja de uma maneira cronológica mais ou menos rápida, seja
sob as aparências de um grupo orgânico de recordações.
321. Caso XII -
Este episódio figura em uma relação das mais interessantes, publicada pelo
Professor Hyslop (Journal of the American
S. P. R., 1913, págs. 406-421), na qual estão detalhadas as terríveis
peripécias por que passou o viajante Everts, extraviado, em pleno inverno, nas
florestas virgens dos Estados Unidos da América. Ele se alimentou de raízes
durante trinta e sete dias e sem fósforos, pelo que só podia conseguir fogo
concentrando, por meio de uma lente, os raios de sol em cima de gravetos de
madeira seca. Certo dia, aconteceu-lhe perder esse objeto tão precioso e foi no
desespero de tal perda fatal que experimentou o fenômeno da "visão
panorâmica".
322. Eis o episódio em questão: "Dois ou três dias
antes de ser encontrado, quando subia uma colina com grande elevação, caí de
fadiga sobre pequena moita, sem ter energia para me levantar. Então desatei o
cinturão - como tinha o hábito de fazer - e logo adormeci. Não tenho ideia do
tempo que durou o meu sono, mas, acordando e reajustando a correia de meu
cinturão, esforcei-me, com dificuldade, para pôr-me de pé e continuei a marcha.
Como o sol descesse para o poente, escolhi um canto conveniente para me servir
de abrigo, reuni um ramo de galhos secos e procurei, no bolsinho do cinturão, a
lente para acender o fogo. Que surpresa desoladora! A lente não se achava mais
lá! Eu a tinha perdido. Se a terra se tivesse aberto para me engolir, eu não
ficaria mais aterrorizado. Minha última possibilidade de me salvar me fora
retirada! Minha suprema esperança morrera... Cobri-me o melhor que pude com
ramos de árvores e galhos de arbustos, guardando a terrível certeza de que a
minha luta pela vida chegara ao fim e que eu não acordaria mais... E, súbito,
com a rapidez de um raio, se apresentaram, diante de meu espírito, episódios de
minha vida. O poder de minha faculdade de pensar estava duplicado, triplicado,
tão bem que se apresentou, sob os meus olhos, como em visão, o panorama todo
inteiro de minha existência. Tudo aparecia, posto em boa ordem, como colorido
pelos raios do sol e depois, tudo desapareceu, logo após, como os fantasmas de
um sonho vivaz. Quando me voltou a calma, a razão retomou o seu curso. Por
felicidade, o frio ficara temperado. Procurei rememorar o incidente, refazendo
de memória cada passo que eu havia dado na floresta durante o dia e concluí que
a lente devia ter saltado do bolso do cinturão no momento em que havia
adormecido sobre a moita, lugar de meu desfalecimento. Para voltar a esse
local, devia percorrer cinco longas milhas na montanha, mas não havia outra
alternativa e, antes de surgir a aurora, havia caminhado, cambaleante, a metade
do caminho. Quando atingi o dito lugar, experimentei a grande alegria de achar
a lente na moita sobre a qual dormira."
323. Comentando este caso, Bozzano diz que, ainda que o
desenvolvimento dos fatos, nesta relação, pareça conforme o título desta 2ª
categoria de fenômenos, não se poderia afirmar que a substância da presente
narração corresponda plenamente a ela. Se é verdade que o percipiente estava em
estado normal de saúde e não se achava em perigo de morte acidental, não é
menos evidente que se inclinava para um estado de alma desesperado pelo fato de
ter perdido um objeto e que essa perda equivalia, para ele, a uma ameaça de
morte pelo frio, ameaça algo afastada.
324. Como quer que seja, se se considera o caso relatado em
conjunto com os outros três casos que o precederam e se reflete sobre os
diversos estados de saúde e estados de alma sob a influência dos quais se
realizam as manifestações de "visões panorâmicas", pode-se tirar daí
uma conclusão instrutiva, isto é, que as explicações dos fisiólogos
concernentes às causas que provocam as manifestações de que se trata parecem de
uma insuficiência mais ou menos pueril, tanto mais se se considerar que, com as
suas elucidações hipotéticas, eles não concorrem para lhes precisar as causas
nem ainda para dissipar o mistério que envolve tais fenômenos.
(1) Hipermnésia,
variedade de hipermnesia, diz respeito à capacidade extraordinária de evocação
das lembranças que algumas pessoas apresentam.
Respostas às questões
preliminares
A. A 2ª
categoria dos casos tratados neste livro refere-se a que tipo de ocorrências?
Ela refere-se às ocorrências em que a "visão
panorâmica" se verificou com pessoas sadias e não havia no caso a sensação
do perigo de morte. Esses casos, segundo Bozzano, são bem raros e, de fato, ele
só apresenta no livro quatro exemplos. (A
morte e os seus mistérios. Casos de "visão panorâmica"
acontecidos com pessoas sadias e sem a sensação de perigo de morte.)
B. As
manifestações de “visão panorâmica” são sempre rápidas?
Depende. Normalmente, são rápidas, mas pode haver
ocorrências como o relatado no Caso XI, em que a manifestação se prolongou por
cerca de uma hora, depois da qual as imagens pictográficas se apagaram e nada
restou delas salvo uma impressão visual confusa. Segundo Bozzano, este detalhe
não apresenta, na realidade, um significado teórico especial, pois que, uma vez
admitida a existência na subconsciência humana de uma "memória
sintética", pode-se presumir, a priori, que ela deveria emergir e se
manifestar sob uma forma panorâmica, seja de uma maneira cronológica mais ou
menos rápida, seja sob as aparências de um grupo orgânico de recordações. (Obra
citada, 3ª Monografia. Casos de "visão panorâmica". 2ª Categoria:
acontecidos com pessoas sadias e sem a sensação de perigo de morte. Caso XI.)
C. À vista dos
fatos relatados nesta obra, podemos concluir que a ocorrência da “visão
panorâmica” independe dos estados de saúde e de alma do indivíduo?
Sim. E é exatamente isso que comprova que as explicações
dos fisiólogos concernentes às causas que provocam essas manifestações são
claramente insuficientes. (Obra citada, 3ª Monografia. Casos de "visão
panorâmica". 2ª Categoria: acontecidos com pessoas sadias e sem a sensação
de perigo de morte. Caso XII.)
Observação:
Para acessar a Parte 19 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/02/a-morte-e-os-seus-misterios-ernesto.html
Como consultar as matérias deste
blog? Se você não conhece a estrutura deste blog, clique neste link: https://goo.gl/ZCUsF8, e verá como utilizá-lo.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário