sexta-feira, 27 de novembro de 2020

 



O Espiritismo perante a Ciência

 

Gabriel Delanne

 

Parte 37

 

Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.

Nosso objetivo é que este estudo possa servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.

Cada parte do estudo compõe-se de:

a) questões preliminares;

b) texto para leitura.

As respostas às questões propostas encontram-se no final do texto abaixo. 

 

Questões preliminares

 

A. Dentro da ciência existe alguma explicação plausível da alucinação?

B. Como saber se uma aparição não é, em verdade, uma alucinação?

C. Existe algum outro requisito importante para se admitir a veracidade de uma aparição?

 

Texto para leitura 

 

840. A Ciência tem-se ocupado com a alucinação. Lelut e Brièri de Boismont publicaram livros interessantes, mas que não explicam absolutamente o fenômeno. Eles acreditam que todas as ideias, mesmo as mais abstratas, se ligam sempre, por qualquer lado, aos sentidos, mas que a faculdade de perceber um objeto ou uma paisagem não é a mesma para todos os homens. Um pintor vê uma vez certa pessoa e conserva sua imagem durante muito tempo na memória. Um musicista ouvirá, interiormente, trechos complicados de música. Essa representação interior parece dar um passo fora da ilusão, e tal é a que nos faz ler palavras de modo diverso das que estão escritas, a que nos mostra o que não existe, ou não nos faz ver o que há, alterando tudo de mil maneiras. Esse estado de espírito pode ser determinado por causas diversas como a solidão, o silêncio, a obscuridade. Em suma, a ilusão transforma alguma coisa de real, enquanto a alucinação pinta no vazio; as coisas que se veem não existem, os sons que se ouvem não têm realidade. Algumas vezes, a alucinação não é reconhecida, porém não perturba a razão, não passa, por assim dizer, da razão excitada. “Crê-se que foi este o caso de Sócrates, de Joana d'Arc, de Lutero, de Pascal.” Segundo Lelut, esses grandes gênios seriam uma categoria de maníacos e as vozes de Joana, a Lorena, puras alucinações. Não sabemos se será verdade, mas se Lelut pudesse ser o joguete de uma loucura, que o fizesse, de repente, assemelhar-se a Sócrates, nós o felicitaríamos, e assim ficariam livres os nossos ouvidos de tais frioleiras.

841. Os sábios não deram, pois, até agora, uma explicação plausível, sob o ponto de vista fisiológico, da alucinação. Entretanto, parecem ter sondado todas as profundezas da ótica e da fisiologia. Como é, então, que não puderam explicar, ainda, a fonte das imagens, que se apresentam ao espírito em certas circunstâncias?

842. Real ou não, o alucinado vê alguma coisa; dir-se-á que acredita ver, mas que nada vê. Não é provável. Pode-se dizer que é uma imagem fantástica, seja; mas qual é a origem dessa imagem, como se forma, como se reflete no cérebro? Eis o que não nos dizem.

843. Certamente, quando o alucinado crê ver o diabo com seus cornos e suas garras, as chamas do inferno, animais fabulosos, o Sol e a Lua que se batem, é evidente que não existe nenhuma realidade; mas, se se trata de um fruto da imaginação, por que descrevem essas coisas como se fossem presentes? Há, pois, diante dele um quadro, uma fantasmagoria qualquer; em que espelho, então, se pinta essa imagem? qual a causa que dá a essa imagem a forma, a cor, o movimento?

844. Já que os sábios querem explicar tudo pelas propriedades da matéria, que apresentem uma teoria da alucinação, boa ou má; seria sempre uma explicação, mas não o podem fazer, porque, negando a alma, privam-se da causa eficiente do fenômeno.

845. Os fatos que observamos, diariamente, demonstram que há verdadeiras aparições e o dever do espiritista esclarecido é distinguir entre os fenômenos devidos às manifestações dos Espíritos e os que têm por causa os órgãos enfermos do indivíduo.

846. Em suma, a alucinação não apresenta nenhum caráter de positividade, ao passo que, para admitir-se a mediunidade vidente, é preciso que o indivíduo dotado dessa faculdade possa descrever suas visões, de forma a fazê-las reconhecer pelas pessoas presentes. Um médium que só visse desconhecidos, que não pudesse dar provas de que descreve seres que viveram na Terra, passaria, com razão, aos olhos dos espiritistas, por um alucinado.

847. No estado normal do organismo humano, as impressões produzidas pelos sentidos armazenam-se no cérebro, graças à propriedade de localização das células cerebrais. As diversas aquisições classificam-se segundo o gênero de ideias a que pertencem; são materiais de que o Espírito se serve quando deles tem necessidade.

848. A alma de um homem sadio tem ação preponderante e diretora sobre todos os elementos submetidos a seu império; mas se, por uma circunstância qualquer, a harmonia entre o corpo e a alma se torna menos perfeita, a desordem se introduz na organização cerebral e umas tantas ideias, formas ou odores têm tendência a predominar sobre as outras; são, em geral, as impressões que fortemente agem no indivíduo, as que o abalam, produzindo os fenômenos de alucinação, prólogo da loucura, na maior parte dos casos.

849. Diferente é o fenômeno espírita, em que o médium vê um objeto, uma pessoa real. O Espírito visto pode ser descrito minuciosamente; e só quando a visão é reconhecida como sendo a descrição exata de pessoa morta, estranha ao médium, é que admitimos a intervenção espiritual.

850. As verdadeiras aparições têm um caráter que, a um observador experimentado, não é possível confundir com um jogo de imaginação. Como sucedem em pleno dia, devemos desconfiar daquelas que julgamos ver à noite, para que não sejamos vítimas de uma ilusão de ótica. Dá-se, aliás, com as aparições o mesmo que com os outros fenômenos espíritas, onde o caráter inteligente é a prova de sua veracidade.

851. A aparição que não apresentar um sinal inteligente e não for reconhecida pode ser posta, ousadamente, no rol das ilusões. Como se vê, somos muito circunspectos na apreciação desses fenômenos, e queremos, antes de tudo, acentuar que os espiritistas, longe de aceitar as divagações dos cérebros doentios, são minuciosos observadores dos fatos, e positivistas, na plena acepção do termo.

852. Como dissemos, a mediunidade vidente pode exercer-se de duas maneiras: ou pelo desprendimento, ou pelos órgãos do corpo. Para dar um exemplo de cada gênero, vamos narrar os dois seguintes fatos, colhidos na Revue Spirite de 1861:

“Um de nossos colegas – diz Allan Kardec – contava-nos ultimamente que um oficial seu amigo estava na África, quando viu, inopinadamente, o quadro de um cortejo fúnebre. Era o de um de seus tios, que habitava em França, e que ele não via há muito tempo. Notou, distintamente, toda a cerimônia, desde a partida da casa mortuária, até a igreja e ao transporte ao cemitério. Chegou a reparar diversas particularidades de que não podia ter ideia. Estava acordado, no momento, mas em certo estado de prostração, de que só saiu quando tudo desapareceu. Impressionado, escreveu para França, pedindo novas de seu tio, e soube que este tinha morrido, subitamente, e havia sido enterrado na hora e no dia em que se deu a aparição, com as particularidades que ele tinha visto.”

É evidente aqui que foi a alma do oficial que se desprendeu; tendo o fato se passado na França, no dia e hora em que o oficial o via na África, era preciso que sua alma irradiasse à distância, para notar o que se passava ao longe.

853. Vamos à segunda história:

“Um médico de nosso conhecimento, Felix Malo, tratara uma jovem; percebendo, porém, que os ares de Paris lhe eram prejudiciais, aconselhou-a a passar algum tempo com sua família, na província, o que ela fez. Havia seis meses que ele nada sabia a seu respeito, nem nela pensava mais, quando uma noite, lá pelas dez horas, estava no seu quarto de dormir e ouviu bater à porta do gabinete de consulta. Supondo que alguém o vinha chamar para um doente, mandou que entrasse, mas ficou muito surpreendido por ver diante de si a moça em questão, pálida, com as vestes que lhe eram conhecidas, dizendo-lhe com grande sangue-frio:

– Senhor Malo, venho dizer-lhe que estou morta –, e desapareceu.

O médico assegurou-se de que estava bem acordado e que não havia entrado ninguém; tomou informações e soube que aquela moça falecera na noite em que lhe havia aparecido.”

Neste caso, foi o Espírito da moça que veio procurar o médico. Os incrédulos não deixarão de dizer que o doutor podia estar preocupado com a saúde de sua antiga doente e que não seria de admirar que lhe previsse a morte. Seja, mas como explicariam a coincidência de sua aparição com o momento da morte, quando havia muitos meses que o médico não ouvia falar em seu nome? Supondo, mesmo, que ele soubesse da impossibilidade de cura, como poderia prever que ela morreria em tal dia e em tal hora? O doutor viu com os olhos do corpo; a aparição era sensível, desde que ela bateu à porta do gabinete. É este caso de visão que vamos considerar agora.

854. Vejamos a vista medianímica pelos olhos da pessoa. Quando um médium vê um Espírito, pode-se, a priori, estabelecer a seguinte questão: é o médium que experimenta uma modificação ou o Espírito? Com efeito, no estado ordinário, não vemos os Espíritos, porque nossos órgãos são muito grosseiros para nos fazer perceber certas vibrações que lhes escapam. Mas quando se realiza a visão, ou nossos órgãos adquiriram maior sensibilidade ou o Espírito fez com que seu invólucro experimentasse certas modificações que, diminuindo a rapidez das vibrações moleculares perispirituais, pudesse torná-lo visível. Se este último modo de encarar o fenômeno fosse exato, o Espírito seria visto por todas as pessoas presentes: é o que se dá, no caso das materializações, que já estudamos com Crookes; mas, quando numa assembleia, só uma pessoa vê os Espíritos, é que esta experimenta uma variação orgânica do sentido da vista, que é interessante estudar.

855. O olho, como se sabe, é uma verdadeira câmara escura, no fundo da qual se desenham as impressões luminosas. A retina, formada pela expansão do nervo ótico, transporta ao cérebro as vibrações luminosas; aí elas se transformam em sensações. Os fisiologistas não se limitaram a estudar a participação da retina na função visual, remontando dos efeitos às causas, mas procuraram a explicação desses fatos.

856. Para explicar a sensação da cor, a do claro, a do escuro, eles admitiram velocidades diferentes nas ondas de um fluido (éter), que estivesse espalhado em todo o Universo. Essas ondas impressionariam a retina, de maneira diferente, e a natureza da percepção, de que a alma tem consciência, seria subordinada a essas impressões variáveis. Por esta teoria, admite-se que os fenômenos de visão sejam, simplesmente, o resultado da percepção, pelo sensorium, de um estado determinado da retina, e a sensação da obscuridade é explicada pela ausência de qualquer sensação, e pelo estado da própria retina.

857. Admitidas as sensações de luz como o resultado de uma alteração sobrevinda na retina, indagaram alguns fisiologistas onde esse estado era percebido pela alma. É evidentemente no encéfalo e não na retina. O que põe fora de dúvida a participação da retina no ato da visão é que os animais de vista mais penetrante são os que têm a retina mais desenvolvida. Sendo esta membrana a extremidade expandida do nervo ótico, e não apresentando uma sensibilidade igual em toda a sua superfície, as fibras que compõem o nervo ótico não vibram todas em uníssono. As mais sensíveis poderão ser impressionadas por ondas luminosas, que deixarão as outras em repouso. Tal fato é a consequência da especificação dos órgãos, ou seja da tendência que possuem as fibras para se acomodarem a um estado vibratório determinado.

858. Não esqueçamos que uma condição é indispensável ao bom funcionamento dos aparelhos sensoriais, a de que cada órgão tenha uma quantidade determinada de fluido nervoso à sua disposição; as sensações serão agudas ou nulas, conforme aquela quantidade aumenta ou diminui. Temos numerosos exemplos. Em certos estados patológicos o ouvido atinge uma agudeza notável; esse desenvolvimento é devido à acumulação momentânea do fluido nervoso no nervo acústico; o mesmo acontece com os outros sentidos.

859. Isto posto, vejamos, pelo estudo da luz, entre que limites de vibrações se pode exercer, no estado normal, o sentido da vista.

 

Respostas às questões preliminares

 

A. Dentro da ciência existe alguma explicação plausível da alucinação?

Não. Os sábios não deram, até agora, uma explicação plausível, sob o ponto de vista fisiológico, da alucinação, e, embora tenham sondado todas as profundezas da ótica e da fisiologia, não puderam explicar, ainda, a fonte das imagens que se apresentam ao espírito em certas circunstâncias. (O Espiritismo perante a ciência, Quinta Parte, Cap. III – Médiuns videntes e médiuns auditivos.)

B. Como saber se uma aparição não é, em verdade, uma alucinação?

A alucinação não apresenta nenhum caráter de positividade, ao passo que na mediunidade vidente o indivíduo dotado dessa faculdade pode descrever suas visões, de forma a fazê-las reconhecer pelas pessoas presentes. Um médium que só visse desconhecidos, que não pudesse dar provas de que descreve seres que viveram na Terra, passaria, com razão, aos olhos dos espiritistas, por um alucinado. (Obra citada, Quinta Parte, Cap. III – Médiuns videntes e médiuns auditivos.)

C. Existe algum outro requisito importante para se admitir a veracidade de uma aparição?

Sim. Dá-se com as aparições o mesmo que ocorre com os outros fenômenos espíritas, nos quais o caráter inteligente é a prova de sua veracidade. A aparição que não apresentar um sinal inteligente e não for reconhecida pode ser posta, portanto, no rol das ilusões. (Obra citada, Quinta Parte, Cap. III – Médiuns videntes e médiuns auditivos.)     

                                                                                         

 

Observação:

Para acessar a parte 36 deste estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/11/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel_20.html

 

 

 

 

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