O Espiritismo perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 37
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de
Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa
servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do
Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas
encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. Dentro da ciência existe alguma
explicação plausível da alucinação?
B. Como saber se uma aparição não é,
em verdade, uma alucinação?
C. Existe algum outro requisito
importante para se admitir a veracidade de uma aparição?
840. A Ciência tem-se ocupado com a
alucinação. Lelut e Brièri de Boismont publicaram livros interessantes, mas que
não explicam absolutamente o fenômeno. Eles acreditam que todas as ideias,
mesmo as mais abstratas, se ligam sempre, por qualquer lado, aos sentidos, mas
que a faculdade de perceber um objeto ou uma paisagem não é a mesma para todos
os homens. Um pintor vê uma vez certa pessoa e conserva sua imagem durante
muito tempo na memória. Um musicista ouvirá, interiormente, trechos complicados
de música. Essa representação interior parece dar um passo fora da ilusão, e
tal é a que nos faz ler palavras de modo diverso das que estão escritas, a que
nos mostra o que não existe, ou não nos faz ver o que há, alterando tudo de mil
maneiras. Esse estado de espírito pode ser determinado por causas diversas como
a solidão, o silêncio, a obscuridade. Em suma, a ilusão transforma alguma coisa
de real, enquanto a alucinação pinta no vazio; as coisas que se veem não
existem, os sons que se ouvem não têm realidade. Algumas vezes, a alucinação
não é reconhecida, porém não perturba a razão, não passa, por assim dizer, da
razão excitada. “Crê-se que foi este o caso de Sócrates, de Joana d'Arc, de
Lutero, de Pascal.” Segundo Lelut, esses grandes gênios seriam uma categoria de
maníacos e as vozes de Joana, a Lorena, puras alucinações. Não sabemos se será
verdade, mas se Lelut pudesse ser o joguete de uma loucura, que o fizesse, de
repente, assemelhar-se a Sócrates, nós o felicitaríamos, e assim ficariam
livres os nossos ouvidos de tais frioleiras.
841. Os sábios não deram, pois, até
agora, uma explicação plausível, sob o ponto de vista fisiológico, da
alucinação. Entretanto, parecem ter sondado todas as profundezas da ótica e da
fisiologia. Como é, então, que não puderam explicar, ainda, a fonte das
imagens, que se apresentam ao espírito em certas circunstâncias?
842. Real ou não, o alucinado vê
alguma coisa; dir-se-á que acredita ver, mas que nada vê. Não é provável.
Pode-se dizer que é uma imagem fantástica, seja; mas qual é a origem dessa
imagem, como se forma, como se reflete no cérebro? Eis o que não nos dizem.
843. Certamente, quando o alucinado
crê ver o diabo com seus cornos e suas garras, as chamas do inferno, animais
fabulosos, o Sol e a Lua que se batem, é evidente que não existe nenhuma
realidade; mas, se se trata de um fruto da imaginação, por que descrevem essas
coisas como se fossem presentes? Há, pois, diante dele um quadro, uma
fantasmagoria qualquer; em que espelho, então, se pinta essa imagem? qual a
causa que dá a essa imagem a forma, a cor, o movimento?
844. Já que os sábios querem explicar
tudo pelas propriedades da matéria, que apresentem uma teoria da alucinação,
boa ou má; seria sempre uma explicação, mas não o podem fazer, porque, negando
a alma, privam-se da causa eficiente do fenômeno.
845. Os fatos que observamos,
diariamente, demonstram que há verdadeiras aparições e o dever do espiritista
esclarecido é distinguir entre os fenômenos devidos às manifestações dos
Espíritos e os que têm por causa os órgãos enfermos do indivíduo.
846. Em suma, a alucinação não
apresenta nenhum caráter de positividade, ao passo que, para admitir-se a
mediunidade vidente, é preciso que o indivíduo dotado dessa faculdade possa
descrever suas visões, de forma a fazê-las reconhecer pelas pessoas presentes.
Um médium que só visse desconhecidos, que não pudesse dar provas de que
descreve seres que viveram na Terra, passaria, com razão, aos olhos dos
espiritistas, por um alucinado.
847. No estado normal do organismo
humano, as impressões produzidas pelos sentidos armazenam-se no cérebro, graças
à propriedade de localização das células cerebrais. As diversas aquisições
classificam-se segundo o gênero de ideias a que pertencem; são materiais de que
o Espírito se serve quando deles tem necessidade.
848. A alma de um homem sadio tem ação
preponderante e diretora sobre todos os elementos submetidos a seu império; mas
se, por uma circunstância qualquer, a harmonia entre o corpo e a alma se torna
menos perfeita, a desordem se introduz na organização cerebral e umas tantas
ideias, formas ou odores têm tendência a predominar sobre as outras; são, em
geral, as impressões que fortemente agem no indivíduo, as que o abalam,
produzindo os fenômenos de alucinação, prólogo da loucura, na maior parte dos
casos.
849. Diferente é o fenômeno espírita,
em que o médium vê um objeto, uma pessoa real. O Espírito visto pode ser
descrito minuciosamente; e só quando a visão é reconhecida como sendo a
descrição exata de pessoa morta, estranha ao médium, é que admitimos a
intervenção espiritual.
850. As verdadeiras aparições têm um
caráter que, a um observador experimentado, não é possível confundir com um
jogo de imaginação. Como sucedem em pleno dia, devemos desconfiar daquelas que
julgamos ver à noite, para que não sejamos vítimas de uma ilusão de ótica.
Dá-se, aliás, com as aparições o mesmo que com os outros fenômenos espíritas,
onde o caráter inteligente é a prova de sua veracidade.
851. A aparição que não apresentar um
sinal inteligente e não for reconhecida pode ser posta, ousadamente, no rol das
ilusões. Como se vê, somos muito circunspectos na apreciação desses fenômenos,
e queremos, antes de tudo, acentuar que os espiritistas, longe de aceitar as
divagações dos cérebros doentios, são minuciosos observadores dos fatos, e
positivistas, na plena acepção do termo.
852. Como dissemos, a mediunidade
vidente pode exercer-se de duas maneiras: ou pelo desprendimento, ou pelos
órgãos do corpo. Para dar um exemplo de cada gênero, vamos narrar os dois
seguintes fatos, colhidos na Revue
Spirite de 1861:
“Um de nossos colegas – diz Allan
Kardec – contava-nos ultimamente que um oficial seu amigo estava na África,
quando viu, inopinadamente, o quadro de um cortejo fúnebre. Era o de um de seus
tios, que habitava em França, e que ele não via há muito tempo. Notou,
distintamente, toda a cerimônia, desde a partida da casa mortuária, até a
igreja e ao transporte ao cemitério. Chegou a reparar diversas particularidades
de que não podia ter ideia. Estava acordado, no momento, mas em certo estado de
prostração, de que só saiu quando tudo desapareceu. Impressionado, escreveu
para França, pedindo novas de seu tio, e soube que este tinha morrido,
subitamente, e havia sido enterrado na hora e no dia em que se deu a aparição,
com as particularidades que ele tinha visto.”
É evidente aqui que foi a alma do
oficial que se desprendeu; tendo o fato se passado na França, no dia e hora em
que o oficial o via na África, era preciso que sua alma irradiasse à distância,
para notar o que se passava ao longe.
853. Vamos à segunda história:
“Um médico de nosso conhecimento,
Felix Malo, tratara uma jovem; percebendo, porém, que os ares de Paris lhe eram
prejudiciais, aconselhou-a a passar algum tempo com sua família, na província,
o que ela fez. Havia seis meses que ele nada sabia a seu respeito, nem nela
pensava mais, quando uma noite, lá pelas dez horas, estava no seu quarto de
dormir e ouviu bater à porta do gabinete de consulta. Supondo que alguém o
vinha chamar para um doente, mandou que entrasse, mas ficou muito surpreendido
por ver diante de si a moça em questão, pálida, com as vestes que lhe eram
conhecidas, dizendo-lhe com grande sangue-frio:
– Senhor Malo, venho dizer-lhe que
estou morta –, e desapareceu.
O médico assegurou-se de que estava
bem acordado e que não havia entrado ninguém; tomou informações e soube que
aquela moça falecera na noite em que lhe havia aparecido.”
Neste caso, foi o Espírito da moça que
veio procurar o médico. Os incrédulos não deixarão de dizer que o doutor podia
estar preocupado com a saúde de sua antiga doente e que não seria de admirar
que lhe previsse a morte. Seja, mas como explicariam a coincidência de sua
aparição com o momento da morte, quando havia muitos meses que o médico não
ouvia falar em seu nome? Supondo, mesmo, que ele soubesse da impossibilidade de
cura, como poderia prever que ela morreria em tal dia e em tal hora? O doutor
viu com os olhos do corpo; a aparição era sensível, desde que ela bateu à porta
do gabinete. É este caso de visão que vamos considerar agora.
854. Vejamos a vista medianímica pelos
olhos da pessoa. Quando um médium vê um Espírito, pode-se, a priori,
estabelecer a seguinte questão: é o médium que experimenta uma modificação ou o
Espírito? Com efeito, no estado ordinário, não vemos os Espíritos, porque
nossos órgãos são muito grosseiros para nos fazer perceber certas vibrações que
lhes escapam. Mas quando se realiza a visão, ou nossos órgãos adquiriram maior
sensibilidade ou o Espírito fez com que seu invólucro experimentasse certas
modificações que, diminuindo a rapidez das vibrações moleculares
perispirituais, pudesse torná-lo visível. Se este último modo de encarar o
fenômeno fosse exato, o Espírito seria visto por todas as pessoas presentes: é
o que se dá, no caso das materializações, que já estudamos com Crookes; mas,
quando numa assembleia, só uma pessoa vê os Espíritos, é que esta experimenta
uma variação orgânica do sentido da vista, que é interessante estudar.
855. O olho, como se sabe, é uma
verdadeira câmara escura, no fundo da qual se desenham as impressões luminosas.
A retina, formada pela expansão do nervo ótico, transporta ao cérebro as
vibrações luminosas; aí elas se transformam em sensações. Os fisiologistas não
se limitaram a estudar a participação da retina na função visual, remontando
dos efeitos às causas, mas procuraram a explicação desses fatos.
856. Para explicar a sensação da cor,
a do claro, a do escuro, eles admitiram velocidades diferentes nas ondas de um
fluido (éter), que estivesse espalhado em todo o Universo. Essas ondas
impressionariam a retina, de maneira diferente, e a natureza da percepção, de
que a alma tem consciência, seria subordinada a essas impressões variáveis. Por
esta teoria, admite-se que os fenômenos de visão sejam, simplesmente, o
resultado da percepção, pelo sensorium,
de um estado determinado da retina, e a sensação da obscuridade é explicada
pela ausência de qualquer sensação, e pelo estado da própria retina.
857. Admitidas as sensações de luz
como o resultado de uma alteração sobrevinda na retina, indagaram alguns
fisiologistas onde esse estado era percebido pela alma. É evidentemente no
encéfalo e não na retina. O que põe fora de dúvida a participação da retina no
ato da visão é que os animais de vista mais penetrante são os que têm a retina
mais desenvolvida. Sendo esta membrana a extremidade expandida do nervo ótico,
e não apresentando uma sensibilidade igual em toda a sua superfície, as fibras
que compõem o nervo ótico não vibram todas em uníssono. As mais sensíveis
poderão ser impressionadas por ondas luminosas, que deixarão as outras em
repouso. Tal fato é a consequência da especificação dos órgãos, ou seja da
tendência que possuem as fibras para se acomodarem a um estado vibratório
determinado.
858. Não esqueçamos que uma condição é
indispensável ao bom funcionamento dos aparelhos sensoriais, a de que cada
órgão tenha uma quantidade determinada de fluido nervoso à sua disposição; as
sensações serão agudas ou nulas, conforme aquela quantidade aumenta ou diminui.
Temos numerosos exemplos. Em certos estados patológicos o ouvido atinge uma
agudeza notável; esse desenvolvimento é devido à acumulação momentânea do
fluido nervoso no nervo acústico; o mesmo acontece com os outros sentidos.
859. Isto posto, vejamos, pelo estudo
da luz, entre que limites de vibrações se pode exercer, no estado normal, o
sentido da vista.
Respostas às questões preliminares
A. Dentro da ciência existe alguma explicação plausível da
alucinação?
Não. Os sábios não deram, até agora,
uma explicação plausível, sob o ponto de vista fisiológico, da alucinação, e,
embora tenham sondado todas as profundezas da ótica e da fisiologia, não
puderam explicar, ainda, a fonte das imagens que se apresentam ao espírito em
certas circunstâncias. (O Espiritismo
perante a ciência, Quinta Parte, Cap. III – Médiuns videntes e médiuns
auditivos.)
B. Como saber se uma aparição não é, em verdade, uma
alucinação?
A alucinação não apresenta nenhum
caráter de positividade, ao passo que na mediunidade vidente o indivíduo dotado
dessa faculdade pode descrever suas visões, de forma a fazê-las reconhecer
pelas pessoas presentes. Um médium que só visse desconhecidos, que não pudesse
dar provas de que descreve seres que viveram na Terra, passaria, com razão, aos
olhos dos espiritistas, por um alucinado. (Obra citada, Quinta Parte, Cap. III
– Médiuns videntes e médiuns auditivos.)
C. Existe algum outro requisito importante para se admitir
a veracidade de uma aparição?
Sim. Dá-se com as aparições o mesmo
que ocorre com os outros fenômenos espíritas, nos quais o caráter inteligente é
a prova de sua veracidade. A aparição que não apresentar um sinal inteligente e
não for reconhecida pode ser posta, portanto, no rol das ilusões. (Obra citada,
Quinta Parte, Cap. III – Médiuns videntes e médiuns auditivos.)
Observação:
Para acessar a parte 36 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/11/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel_20.html
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