Os que dormem nas ilusões do ego
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
Todos os personagens desta história participavam duma
reunião espírita no salão da modesta casa de dona Isabel, viúva do Espírito
Isidoro, com quem ela havia iniciado esse trabalho quando o marido ainda estava
encarnado.[1]
Os Espíritos Aniceto, André Luiz e Vicente assistiam a interessante diálogo entre cavalheiro orgulhoso,
"rodeado de sombra", em especial, "ao longo do cérebro", e o
Sr. Bentes, dirigente da reunião:
— Há muito [...] frequento as reuniões espíritas, à procura
de alguma coisa que me satisfaça; no entanto — e sorriu irônico —, ou a minha
infelicidade é maior que a dos outros ou estamos diante de mistificação
mundial.
E, após breve pausa:
— Tenho estudado muitíssimo, não me furtando ao crivo da
razão rigorosa. Já devorei extensa literatura relativa à sobrevivência humana
e, todavia, nunca obtive uma prova. O Espiritismo está cheio de teses
sedutoras, mas o terreno se mostra cheio de dúvidas. A obra de Kardec,
inegavelmente, representa extraordinária afirmação filosófica; entretanto,
encontramos com Richet um acervo de perspectivas novas. A metapsíquica corrigiu
muitos voos da imaginação, trazendo à análise pública observações mais
profundas sobre os desconhecidos poderes do homem. No exame dessas verdades
científicas, o mediunismo foi reduzido em suas proporções. Precisamos dum
movimento de racionalização, ajustando os fenômenos a critério adequado.
Todavia, meu caro Bentes, vivemos em paisagem de mistificações sutis, distantes
das demonstrações exatas.
Bentes, sereno e confiante em sua fé, respondeu-lhe:
— Concordo, Dr. Fidélis, em que o Espiritismo não deva fugir
a toda espécie de considerações sérias; contudo, creio que a Doutrina é um conjunto
de verdades sublimes, que se dirigem, de preferência, ao coração humano. É
impossível auscultar-lhe a grandeza divina com a nossa imperfeita faculdade de
observação, ou recolher-lhe as águas puras com o vaso sujo dos nossos raciocínios
viciados nos erros de muitos milênios. Ao demais, temos aprendido que a
revelação de ordem divina não é trabalho mecânico em leis de menor esforço.
Lembremos que a missão do Evangelho, com o Mestre, foi precedida por um esforço
humano de muitos séculos. Antes de morrerem os cristãos nos circos do martírio,
quantos precursores de Jesus foram sacrificados? Primeiramente, devemos
construir o receptáculo; em seguida, alcançaremos a bênção. A Bíblia, sagrado
livro dos cristãos, é o encontro da experiência humana, cheia de suor e
lágrimas, consubstanciada no Velho Testamento, com a resposta celestial, sublime
e pura, no Evangelho de Nosso Senhor.
O Dr. Fidélis, do alto de sua cultura e orgulho desmedido,
sorriu ironicamente, enquanto o Sr. Bentes prosseguiu com seus argumentos, dizendo
por fim:
— [...] não poderemos ajuizar, com precisão, as correntes
generosas de um rio caudaloso, observando tão somente as gotas recolhidas no
dedal das nossas limitações.
O pesquisador, seguro de seus conhecimentos teóricos com
explicação para tudo, não perdeu tempo em rebater seu contraditor:
— Você fala como homem de fé, esquecendo que meu esforço se
dirige à razão e à ciência. Quero referir-me às ilações inevitáveis da consulta
livre, às farsas mediúnicas de todos os tempos. Você está informado de que
cientistas inúmeros examinaram as fraudes dos mais célebres aparelhos do
mediunismo na Europa e na América. Ora, que esperar de uma doutrina confiada a
mistificadores continentais?
O Sr. Bentes ouviu o amigo e, tranquilo, após lhe dizer que
não podemos colocar em todos os médiuns a culpa pela irresponsabilidade de
alguns, ponderou:
— Os médiuns são simples colaboradores do trabalho de
espiritualização. Cada um responderá pelo que fez das possibilidades recebidas,
como também nós seremos compelidos a contas necessárias, algum dia. Não
poderíamos cometer o absurdo de atribuir a concentração de todas as verdades
divinas somente na cabeça de alguns homens, candidatos a novos cultos de
adoração.
A essa ponderação retrucou o Dr. Fidélis, como ainda hoje
ocorre com aqueles que se fiam exclusivamente nas cabeças férteis dos teóricos
terrenos, influenciados pelos inimigos da verdade e do bem:
— Vamos ver, vamos ver... Espero a mensagem dos meus com os
sinais iniludíveis da sobrevivência, após a morte...
Ouvindo isso, o Espírito Aniceto falou:
— Repararam como este homem traz a mente enfermiça? É um dos
curiosos doentes, encarnados. Tem vasta cultura e, todavia, como traz o
sentimento envenenado, tudo quanto lhe cai nos raciocínios participa da geral
intoxicação. É pesquisador de superfície, como ocorre a muita gente. Tudo
espera dos outros, examina seu semelhante, mas não ausculta a si mesmo. Quer a realização
divina sem o esforço humano; reclama a graça, formulando a exigência; quer o
trigo da verdade, sem participar da semeadura; espera a tranquilidade pela fé,
sem dar-se ao trabalho das obras; estima a ciência, sem consultar a
consciência; prefere a facilidade, sem filiar-se à responsabilidade, e, vivendo
no torvelinho de continuadas libações, agarrado aos interesses inferiores e à
satisfação dos sentidos físicos, em caráter absoluto, está aguardando mensagens
espirituais...
A conclusão de Aniceto é a de que o Dr. Fidélis é um dos
doentes da alma enlaçados nos abusos das paixões e distantes do esforço em
superar as atrações da matéria. Grande quantidade de pessoas jaz sob forte
influência dos Espíritos provenientes das trevas, como lemos em diversas obras
espíritas. Essas são criaturas que estão tendo suas últimas oportunidades de
permanência na Terra, após todas as tempestades físicas e morais a que se
submete nosso mundo desde a atualidade.
Quem faz das teorias materialistas estilo de vida ainda está
no estágio evolutivo dos que ainda não conhecem as verdades eternas do Cristo,
que o Espiritismo, Consolador prometido por Ele, veio confirmar.[2]
Oremos por eles e pelos que os seguem. "São cegos conduzindo cegos",
e quem os acompanha cairá com eles "num buraco", como nos disse Jesus.[3]
[1] LUIZ, André
(Espírito). Os Mensageiros, psicografia de Chico Xavier. Brasília: FEB,
cap. 45.
[2] João, 14:16, 15:26 e 16:7-13.
[3] Mateus, 15:14.
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