sexta-feira, 28 de junho de 2024

 




Comunicações mediúnicas entre vivos

 

Ernesto Bozzano

 

Parte 21

 

Damos prosseguimento ao estudo do clássico Comunicações mediúnicas entre vivos, de autoria de Ernesto Bozzano, traduzido para o idioma português por J. Herculano Pires e publicado pela Edicel.

Esperamos que este estudo sirva para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.

Cada parte do estudo compõe-se de:

a) questões preliminares;

b) texto para leitura.

As respostas às questões propostas encontram-se no final do texto indicado para leitura.

Este estudo será publicado sempre às sextas-feiras.

 

Questões preliminares

 

A. A quem se deve a primazia de haver narrado o primeiro exemplo de “correspondência cruzada” obtida espontaneamente? 

B. É certo que a telepatia implica a existência de duas pessoas em ação? 

C. Por que o fenômeno chamado de “correspondência cruzada” não pode ser explicado simplesmente pela telepatia? 

 

Texto para leitura

 

302. O primeiro exemplo de “correspondência cruzada” obtida espontaneamente, isto é, sem que ninguém a tivesse desejado ou nela houvesse pensado, é narrado pela Sra. De W.:

Ao principiar a sessão, às escuras, de 22 de agosto, a Sra. T. apanha papel e lápis e logo observa: “Parece-me que algum espírito já se apoderou do lápis, pois sinto a mão como que morta”, respondendo eu: “Tanto melhor. Então me abstenho de acender a luz.” Passada meia hora, ilumino a sala e percebo, traçadas numa folha de papel, algumas linhas escritas, mas ao lê-las, verifico que se trata de duas frases tão incoerentes que, se não tivesse lido, no fim delas, um aviso para guardá-las cuidadosamente, eu as teria rasgado, sem mais exame. No dia seguinte, recebi de Wimereux a seguinte carta, na manhã de um sábado: “Apenas duas palavras para acompanhar a comunicação da noite de ontem. Sinto-me muito cansada, porque não dormi a noite inteira. É a primeira vez, desde que me acho em férias, que me acontece semelhante fato e pergunto a mim mesma se a causa não seria uma experiência tentada por “Rodolfo”. Observo, porém, que no começo da sessão, tinha uma forte dor de cabeça que já no fim desapareceu; todavia, hoje de manhã sinto-me esgotada.” (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)

303. Eis a comunicação de “Rodolfo”, dirigida à Sra. De W.:

“Eis-me aqui, minha amiga. Esta noite proponho-me a ir e vir de um grupo ao outro, por meio dos filamentos fluídicos que teci, de maneira que escreverei a minha mensagem ora com a mão da médium R. e ora com a mão da médium T., subtraindo fluido da primeira para adicionar à segunda, a fim de chegar a escrever com a mão desta última.

Estou muito satisfeito com o bom êxito de nossas experiências e devo participar-vos que aqui se encontram condições bem favoráveis para tentá-las. A senhorita R. vive em um ambiente completamente... (Aqui a mão se detém e eu espero muito tempo. Depois “Rodolfo” recomeça.)

... próprios deveres quotidianos e dificuldades a vencer. Se assim não fosse, eu não teria tentado estas experiências. “Carlos” ajuda-me. Seu fluido tão doce e tão calmo... (Aqui se dá nova interrupção, que também dura muito tempo, e depois “Rodolfo” recomeça.)

... que poderiam perturbá-la. Por esta noite basta, senhorita R., e, portanto, me proponho a restabelecer a corrente. Boa noite aos amigos dos dois grupos. Rodolfo.” (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)

304. As duas frases interrompidas, recebidas no grupo de Paris pela Sra. T., eram estas:

“... diferente do seu. Toda preocupação é deixada de parte e ela não é mais afligida pelo pensamento penoso dos ...

... isola a nossa preparação fluídica contra as correntes perniciosas, ...” (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)

305. Nota-se, portanto, que, intercalando essas duas frases nos pontos em que se deram as interrupções na mensagem escrita pela senhorita R. em Wimereux, obtemos a seguinte mensagem completa: “A senhorita R. vive em um ambiente completamente diferente do seu. Toda preocupação é deixada de parte e ela não é mais afligida pelo pensamento penoso dos próprios deveres quotidianos e dificuldades a vencer. Se assim não fosse, eu não teria tentado estas experiências. “Carlos” ajuda-me. Seu fluido tão doce e tão calmo isola a nossa preparação fluídica contra as correntes perniciosas, que poderiam perturbá-la.” (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)

306. Tais são os fatos. Acrescento que no começo da sessão do dia 22 de agosto a Sra. T. havia dito à Sra. De W.: “A Srta. R. está-me escrevendo, mas deve estar sofrendo dor de cabeça, porque leva constantemente a mão esquerda à testa e tem os cabelos soltos.”, o que lhe foi inteiramente confirmado posteriormente. (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)

307. Eis um segundo exemplo deste gênero:

Na sessão de 16 de setembro, a médium Sra. T. assinala um ir e vir de dois “núcleos luminosos”, que representam os espíritos, e sente que se preparam para fazê-la escrever. E, de fato, escreve ela as seguintes frases destituídas de sentido aparente:

... prudentes como um convento de jovens educandos ... (longa interrupção).

... seus grandes olhos tão doces estão habituados a ver passar ... (nova interrupção).

... a moderna cortesã, cujos olhos ... (outra interrupção, e nada mais).

Encerramos a sessão, pouco satisfeitos com seu resultado, porque o significado do que fora escrito era indecifrável; mas no dia seguinte recebemos de Wimereux algumas grandes folhas cobertas de escrita mediúnica da Srta. R., escrita à mesma hora em que a Srta. T. escrevia as frases também interrompidas. Tais folhas continham uma espécie de apólogo ditado mediunicamente por “Rodolfo”, no qual a significação dos períodos ficava suspensa em três pontos. (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)

308. Intercalando as interrupções às três frases incoerentes, obteve-se a seguinte narração com o título “As cervas do bosque”:

“Atravessando as densas moitas dos nossos parques, nunca vos encontrastes com as cervas que ali habitam por entre as densas folhagens, ora prudentes, como um convento de jovens estudantes bem comportadas, ora tímidas, medrosas, fugindo aos saltos, em bandos compactos, porém mais graciosas, mais sedutoras do que nunca? Nunca vos perguntastes em que pensam essas belas criaturas e qual é o destino que as espera? Longe de mim a ideia de traçar-lhes o horóscopo, do qual não saberiam elas o que fazer, mas me parece que a sua mentalidade deve ser muito diversa da que anima as cervas selvagens das matas. Seus grandes olhos tão doces estão habituados a ver passar estranhos carros que voam sem cavalos e, dentro dos carros ou pelas veredas dos bosques, estão acostumadas a divisar mulheres de grandes olhos semelhantes aos seus, mulheres delicadas, lânguidas, elegantes. Quem nos poderia dizer se a moderna cortesã, cujos olhos parecem desmesuradamente grandes pela obra genial de um pincel, não seria uma cerva da mata que já não se recorda do passado?”

“Cara amiga, tive alguma dificuldade em levar a cabo esta minha experiência porque a Srta. R. a buscava compreender, porém creio que o consegui. Rodolfo.” (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)

309. Da mesma fonte, eis outro exemplo:

No dia 5 de setembro, antes de se apagarem as luzes, a Sra. T. e eu pegamos juntas o lápis, como nos havia sido indicado fazer, de modo que a mão esquerda da Sra. T. se sobrepôs à minha direita, que escreveu a seguinte frase: “Designa, em uma folha de papel, com uma só palavra, o tema que deseje que eu vá imediatamente desenvolver com a Srta. R.” em Wimereux.

Tiro uma folha do caderno que se acha em minha frente, reflito um instante e depois escrevo a palavra “sonho”.

Nesse ínterim a Sra. T. havia saído da sala e ficara fora todo o tempo que eu levara a pensar no tema a escolher. Quando voltou, eu já havia fechado no cofre a folha de papel em que escrevera a palavra “sonho”, folha que ninguém mais viu até chegar de Wimereux a carta correspondente.

Reentrando, nota a Sra. T. que desaparecera um dos “núcleos luminosos”. No dia seguinte, chega de Wimereux um grande envelope contendo algumas folhas, com a seguinte comunicação:

“Tenha paciência, Srta. R. Era preciso que eu arranjasse todas as coisas para a nova experiência. Espere um pouco. Neste momento estou muito ocupado. Não me faça perguntas. Quando estiver pronto, partirei.” (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)

310. Depois de algumas garatujas do lápis, a comunicação continua:

“Cara amiga, não te direi com que sonham as meninas, pois isto não poderia interessar-te muito, tanto mais que já o disse De Musset em forma um tanto leviana, como era usual na literatura de seu tempo. Dir-te-ei antes que, por volta da meia-noite, quando adormeces, o espírito levanta voo para regiões mais ou menos encantadas, segundo os casos. Um de nós te estende a mão para ajudar-te a transpor a fronteira fluídica que separa o estado consciente do estado de sonho e empregamos o nosso melhor esforço a fim de auxiliar-te a transpor rapidamente a região de nevoeiro que não te poderia proporcionar prazer. Em outros termos, conduzimos-te a nós, às regiões encantadas, cuja lembrança se apaga logo de tua memória. Não te deves, porém, queixar da lacuna que fica, pois que, para recordar os sonhos de tal natureza é necessária uma têmpera muito mais impressionável do que a tua. Se conservasses a recordação das belezas entrevistas em nossa morada, a existência terrena se tornaria repulsiva a ti. Quando algumas vezes te levantas pela manhã, triste e desanimada, é porque, no fundo de tua consciência, persiste uma lembrança inconsciente de um país encantado, que, com as sombras da noite, desaparece de ti.

Cara amiga, não te parece que “Rodolfo” se torna um literato de fundo terrestre, embora trate de assunto astral? Sou eu mesmo quem dita as reflexões expostas, porque “Carlos” neste momento não está aqui em Wimereux e sim junto de ti, em Paris. Tudo isto eu escrevi para limitar-me ao tema que me propuseste. Até outra vez. Rodolfo.” (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)

311. Ao relato dos fatos, o Dr. Geley faz considerações muito interessantes, das quais extraio o trecho seguinte:

O que se depreende destas experiências? Um fato primordial, cujas consequências filosóficas são discutíveis, mas que se impõe à atenção. O fato é o seguinte: Nas “correspondências cruzadas” tudo concorre para presumir que uma inteligência autônoma, independente do médium e dos assistentes, tenha tomado a iniciativa das experiências no sentido de prepará-las, dirigi-las e levá-las a bom termo.

Toda vez que se refletir convenientemente sobre as experiências em exame reconhecer-se-á que tais conclusões se impõem irresistivelmente. Poder-se-ia talvez manter conclusões ilusórias? Não! De qualquer modo reconheço que não poderia excluir, sem reservas, a hipótese telepática e isto pela boa razão de não conhecermos, ou melhor, de não podermos estabelecer limites à telepatia. De qualquer modo, na circunstância do caso exposto, tal hipótese acha-se à frente de dificuldades insuperáveis.

Convém observar, a propósito, que as duas médiuns nunca haviam feito experiências juntas e que as relações existentes entre elas, puramente de conhecimento, não implicavam uma simpatia particular entre si, o que, de resto, não basta para excluir-se a hipótese telepática. Mas eis o que torna o caso mais grave: esta hipótese, na aparência tão simples, impõe, ao contrário, excessivas complicações ao nosso caso. Procuremos, portanto, analisar praticamente, de que modo se deveria ter desenvolvido uma ação telepática nas circunstâncias em exame.

Como se sabe, a telepatia implica a existência de duas pessoas em ação: uma ativa, outra passiva; uma transmissora, ou melhor, emanadora, se nos permitirem este neologismo, outra receptora. De que forma, então, se realizaram tais atribuições nas experiências de Wimereux?

Nos casos das “correspondências cruzadas” ou simultâneas, parece logicamente impossível atribuir-se o papel de agente ativo a uma ou outra das médiuns, visto que ambas ignoravam a ideia, a natureza, o conteúdo das mensagens que escreviam e que ambas eram incapazes de compreender, isoladamente, o sentido e o fim de tais mensagens. Na realidade, ambas se portavam literalmente como duas máquinas postas em ação por uma direção única e por uma inteligência independente. (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F) (Continua no próximo número.)

 

Respostas às questões preliminares

 

A. A quem se deve a primazia de haver narrado o primeiro exemplo de “correspondência cruzada” obtida espontaneamente? 

Segundo Bozzano, devemos o relato à Sra. De W. O autor da comunicação teria sido “Rodolfo”, nome com que se apresentava determinado Espírito. A explicação do fenômeno pode ser deduzida por esta informação prestada por ele à Sra. De W.: “Eis-me aqui, minha amiga. Esta noite proponho-me a ir e vir de um grupo ao outro, por meio dos filamentos fluídicos que teci, de maneira que escreverei a minha mensagem ora com a mão da médium R. e ora com a mão da médium T., subtraindo fluido da primeira para adicionar à segunda, a fim de chegar a escrever com a mão desta última”. Vê-se que as lacunas existentes numa mensagem e supridas na outra não foram fruto do acaso, mas criadas de caso pensado. (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)

B. É certo que a telepatia implica a existência de duas pessoas em ação? 

Segundo o Dr. Geley, citado por Bozzano, sim. A telepatia implica a existência de duas pessoas em ação: uma ativa, outra passiva; uma transmissora, ou melhor, emanadora, outra receptora. É isso que caracteriza o fenômeno telepático. (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)

C. Por que o fenômeno chamado de “correspondência cruzada” não pode ser explicado simplesmente pela telepatia? 

Bozzano cita neste livro as considerações feitas pelo Dr. Geley, que entende que nas “correspondências cruzadas” por ele examinadas tudo concorre para presumir que uma inteligência autônoma, independente do médium e dos assistentes, tenha tomado a iniciativa das experiências no sentido de prepará-las, dirigi-las e levá-las a bom termo. Nas experiências em causa, ambas as médiuns ignoravam a ideia, a natureza, o conteúdo das mensagens que escreviam e eram, portanto, incapazes de compreender, isoladamente, o sentido e o fim de tais mensagens. Na realidade, elas portavam-se literalmente como duas máquinas postas em ação por uma direção única e por uma inteligência independente. (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo F)

 

 

Observação:

Para acessar a Parte 20 deste estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2024/06/comunicacoes-mediunicas-entre-vivos_01589987253.html

 

 

 

  

 

 

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