O golpe de vento
Hilário
Silva
Ali,
na solidão do quarto de estudo, Joanino Garcia descerrara a grande janela, à
procura de ar fresco.
Repousara
minutos breves. Agora, porém, acreditava ter chegado ao fim.
Julgara
haver lido numa obra de clínica médica a própria sentença de morte. Facilmente
sugestionável, há muito vinha dando imenso trabalho ao médico. E, não obstante
espírita convicto, deixava-se levar por impressões.
Em
menos de dois anos, sentira-se vitimado por sintomas diversos. A princípio,
dominado por bronquite rebelde, compulsara um livro sobre tuberculose e
supusera-se viveiro dos bacilos de Koch. Tempo e dinheiro foram gastos em
exames e chapas.
Entretanto,
mal não acabara de se convencer do contrário, quando, numa noite, ao sentir-se
trêmulo, sob o efeito de determinada droga, começou a estudar a doença de
Parkinson e foi nova luta para que lhe desanuviassem o crânio.
Joanino
mostrara-se contente, por alguns dias; entretanto, uma intoxicação alterou-lhe
a pele e ei-lo crente de que fora atacado pela púrpura hemorrágica, obrigando o
médico e a família a difícil trabalho de exoneração mental.
Naquele
instante, contudo, via-se derrotado. Experimentando muita dor, buscara o
consultório na antevéspera e o clínico amigo descobrira uma artrite reumatoide,
recomendando cuidados especiais.
No
grande sofá, depois de leve refeição, ao sentir pontadas relampagueantes no
ombro esquerdo, tomou o livro de anotações médicas e abriu no capítulo alusivo
à moléstia que lhe fora diagnosticada.
Antes
de iniciar a leitura, levantou-se, com dificuldade, para um gole d’água,
tentando aliviar as agulhadas nervosas, e não viu que o vento virara as folhas
do volume.
Voltando,
sobressaltado leu nas primeiras linhas da página:
—
“A moléstia assume a forma de dor pungente e agoniante. Geralmente a crise
perdura por segundos e termina com a morte. Sofrimento agudo e invencível. A
dor começa no ombro esquerdo a refletir-se na superfície flexora do braço
esquerdo até as pontas dos dedos médios.”
Joanino
rendeu-se. Quis gritar, pedir socorro, mas a “dor agoniante”, ali referida,
crescia, assustadora.
Pensou
na mulher e nos quatro filhinhos. Suava. Afligia-se como que sufocado.
Não
podendo resistir, por mais tempo, aos próprios pensamentos concentrados na
ideia da desencarnação, rendeu-se à morte.
Despertando,
porém, fora do corpo de carne, afogado em preocupações, ao pé dos familiares em
chorosa gritaria, viu o benfeitor espiritual que velava habitualmente por ele.
O amigo abraçou-o, emocionado, e falou:
— É
lamentável que você tenha vindo antes do tempo…
—
Como assim? — respondeu Garcia, arrasado.
—
Li os sintomas derradeiros de minha enfermidade.
—
Houve engano — explicou o instrutor —; os apontamentos do livro reportavam-se à
angina de peito e não à artrite reumatoide como a sua leitura fez supor. A
corrente de ar virou a página do livro. Você possuía, em verdade, um processo
anginoso, mas com catorze anos de sobrevida… Entretanto, com o peso de sua
tensão mental…
Só
aí Joanino veio a saber que morrera, de modo prematuro, em razão da
sensibilidade excessiva, ante a leitura alterada por ligeiro golpe de vento.
Do
livro Almas em desfile, mensagem de Hilário Silva psicografada pelo
médium Francisco Cândido Xavier.
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