GEBALDO JOSÉ DE SOUSA
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De Goiânia-GO
“De tudo o que plantaram, nada
lhes restou... nem da terra, nem dos frutos. Apenas a liberdade.” - Benedito
Ruy Barbosa.
(Novela Sinhá Moça, capítulo final.)
(Novela Sinhá Moça, capítulo final.)
Portugal, desde 1526, praticou o
tráfico negreiro para a América do Norte, Antilhas e Brasil. No livro Lázaro
Redivivo (1), Humberto de Campos diz-nos que, segundo Rio Branco, o
primeiro contrato de introdução de escravos no Brasil ocorreu em 1583.
A escravatura no Brasil, de dores
intensas, que ainda perduram nos planos físico e espiritual – pela crueldade
inconcebível de alguns ‘senhores’ de escravos –, é mancha que muito pesa sobre
nossa gente e nossa pátria! Ignorar as Leis da Vida conduz ao sofrimento, à
irresignação e à revolta, por séculos, até que nos arrependamos e reparemos
nossas faltas! É uma dívida coletiva.
Cremos que as duas longas ditaduras;
o período inflacionário; muitas doenças físicas e mentais, atuais e futuras,
são sequelas dessas atrocidades – eis que a abolição formal não muda mentes de
encarnados e desencarnados, a cultivar ódios recíprocos.
Em Brasil, Coração do Mundo, Pátria
do Evangelho (2) lemos:
“O elemento indígena foi chamado
a colaborar na edificação da pátria nova; almas bem-aventuradas pelas suas
renúncias se corporificaram nas costas da África flagelada e oprimida e, juntas
a outros Espíritos em prova, formaram a falange abnegada que veio escrever na
Terra de Santa Cruz, com os seus sacrifícios e com os seus sofrimentos, um dos
mais belos poemas da raça negra em favor da humanidade.”
(...)
“Os filhos da África foram
humilhados e abatidos (...) e, do manancial de humildade de seus corações
resignados e tristes, nasceram lições comovedoras (...), dotando-se a alma
brasileira dos mais belos sentimentos de fraternidade, de ternura e de perdão.”
À p. 68, afirma que Ismael
(Mentor do Brasil), autorizado por Jesus, convidou à reencarnação, na raça
negra, para que se redimissem:
“(...) antigos batalhadores das
cruzadas, senhores feudais da Idade Média, padres e inquisidores, espíritos
rebeldes e revoltados, (...).”
O livro Memórias de um Suicida (3)
amplia essas notícias:
“(...) Sabei que entre os
escravos que, sob os céus do Cruzeiro Sublime, choraram (...) Grandes falanges
de romanos ilustres, do império dos Césares; de patrícios orgulhosos, de
guerreiros altivos, autoridades das hostes de Diocleciano, como de Adriano e Maxêncio,
dolorosamente arrependidas (...) expungiram, sob o cativeiro africano a mancha
que lhes enodoava o Espírito!
(...)
“Daí (...) a doce, mesmo sublime
resignação dessa raça africana digna, por todos os motivos, da nossa admiração
e do nosso respeito, a passividade heroica que nem sempre se estribou na
ignorância (...) mas também no desejo ardente e sublime da própria reabilitação
espiritual!”
Sofriam eles os efeitos da Lei de
Ação e Reação! Mas a crueldade a que foram submetidos, no Brasil colonial, não
fora autorizada por Jesus. Com essas ações desumanas, homens bárbaros, brancos
e negros, assumiram para eles próprios futuro de dores imensas; porque “(...)
não perceberam que a evolução se processa pela prática do bem (...).” – p. 51.
*
Brasil afora, campanhas
libertárias antecederam a abolição da escravatura.
Na Regência Trina Permanente, em
07.11.1831, uma Lei declarava livres todos os negros que a partir daí viessem
para o Império. Mas o tráfico ilegal prosseguiu.
Em 04.09.1850, a Lei Eusébio de
Queirós, proibia, taxativamente, o tráfico negreiro.
Gente do povo aderiu à campanha
abolicionista e, em atos comoventes, revelaram grandeza d’alma, sentimento
fraternal. No Ceará, jangadeiros negaram-se a transportar escravos para os
navios que os trariam aos Estados do sudeste brasileiro, na triste prática do
tráfico interno. Nesse Estado, em 25.03.1884, a escravidão foi extinta. Nesse
mesmo ano, o Amazonas abole a escravidão; e, no sul, Porto Alegre.
Ao longo do século XIX, Leis –
além das indicadas – e outras decisões contribuíram para suavizar a vida dos
escravos, no Brasil:
– Em 1866, foram libertados os
escravos que lutaram na Guerra do Paraguai;
– Em 1869, uma lei proibia a
venda de escravos em leilões públicos e a separação da família;
– Em 28.09.1871, aprovou-se a Lei
do Ventre Livre: nascituros seriam livres;
– Em 28.09.1885, a Lei dos
Sexagenários;
– Outro fato notável: a partir de
1887 o Exército Imperial negava-se a capturar escravos fugidos;
– Esse processo libertador
culmina, afinal, em 13.05.1888, com a promulgação da Lei Áurea, pela Princesa
Imperial Regente, Isabel!
Lei que levou a família imperial
ao exílio, com a proclamação da República, em 15.11.1889 – não obstante a
generosidade de D. Pedro II, amado pela população brasileira até os dias de
hoje, por quem conhece sua vida e o amor que dedicou à pátria!
*
Benefícios perenes sobrevieram ao
Brasil, com essa participação da raça negra: a miscigenação racial; o
sentimento fraternal; a doçura e a humildade; hábitos alimentares; a musicalidade;
as palavras – com imensa riqueza vocabular –, arraigaram-se em nossa sociedade,
de tal forma que todos trazemos no sangue essa herança bendita, com marcas da
origem africana!
E essa presença está na
literatura, na toponímia, na culinária, na religião – cujas crenças devemos
respeitar! –, nas artes em geral, especialmente na música (no samba e em outros
ritmos).
Por falar nesse tema, outra “das
mais lindas canções que ouvi” é a dolente, melancólica música Sinhá, de João
Bosco e Chico Buarque, lançada em 2011 – que nos remete, em belíssima poesia, à
escravidão!
Para ouvi-la basta clicar em https://www.youtube.com/watch?v=T4CP6aCXq9I
Eis sua letra:
Sinhá
Se a dona se banhou,
Eu não estava lá!
Por Deus Nosso Senhor,
Eu não olhei Sinhá!
Estava lá na roça;
Sou de olhar ninguém!
Não tenho mais cobiça,
Nem enxergo bem.
Pra que me pôr no tronco?
Pra que me aleijar?
Eu juro a vosmecê
Que nunca vi Sinhá!
Por que me faz tão mal,
Com olhos tão azuis,
Me benzo com o sinal
Da santa cruz!
Eu só cheguei no açude
Atrás da sabiá;
Olhava o arvoredo!
Eu não olhei Sinhá!
Se a dona se despiu,
Eu já andava além:
Estava na moenda;
Estava pra Xerém!
Por que talhar meu corpo?
Eu não olhei Sinhá!
Pra que que vosmincê
Meus olhos vai furar?
Eu choro em iorubá,
Mas oro por Jesus!
Pra que que vassuncê
Me tira a luz?
E assim vai se encerrar
O conto de um cantor,
Com voz de pelourinho
E ares de senhor.
Cantor atormentado,
Herdeiro sarará
Do nome e do renome
De um feroz senhor de engenho;
E das mandingas de um escravo,
Que no engenho enfeitiçou Sinhá!
*
Homenageamos aqui a mãe índia e a
mãe preta – de seios fartos e coração rico de nobreza, de generosidade –, ora a
alimentar, com terna doçura e belo sorriso de bondade, tanto o pretinho sofrido
da senzala quanto o filho do ‘senhor’; a cantar, saudosa, canções africanas; a
embalá-los para que adormeçam! Duas raças nobres, às quais tanto devemos e cujo
sangue corre em nossas veias; queiramos, ou não!
Foram as primeiras e são, ainda,
mães forjadoras da raça brasileira. Sem falar no legado primoroso da graça, da
beleza e da doçura da mulher de nossa terra, que a todos nos encanta, a
brasileiros e a estrangeiros!
Orgulhemo-nos de todas elas!
Referências:
1. XAVIER, Francisco C. Lázaro Redivivo. Pelo Espírito Irmão X. 6.
Ed., Rio de Janeiro: FEB, 1978. P. 25 e
54, cap. 34. p. 263.
2. XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do
Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 12. ed., Rio de Janeiro: FEB,
1979, p. 238;
3. PEREIRA, Yvonne A. Memórias de um Suicida. 8ed., Rio de Janeiro:
1979, p. 568.
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