Hipocrisia e humildade
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
Amigo Joteli, vou contar-lhe uma
história, muito repetida por tolos, que não gostam ou não tiveram oportunidade
de estudar, quando encontram outro tolo um pouco mais letrado que eles, como
você, por exemplo. Ei-la:
Havia um barqueiro que atravessava as
pessoas de uma margem a outra de rio muito largo e fundo, o qual, certo dia,
transportava um advogado metido a sabido.
Em determinado momento, o rábula
perguntou-lhe:
— Amigo, você sabe ler e escrever?
— Não, dotô, sou anarfabeto.
Respondeu-lhe o barqueiro.
— Que pena! você perdeu metade da sua
vida.
Nisso, uma onda mais forte virou o
barco, e o barqueiro perguntou ao advogado:
— Dotô,
o sinhô sabe nadar?
Desesperado,
pouco antes de se afogar, o advogado respondeu-lhe:
— Não... glub, glub, glub...
— Qui
pena, dotô, o sinhô perdeu a vida intera. E deixou-o morrer...
Com todo o respeito às pessoas simples
que, muitas vezes, arremetem essa história contra os que têm algum
conhecimento, tal aleivosia demonstra, principalmente, impiedade e sadismo. Por
si só, essa história não justifica a afirmativa de que “não há saberes
melhores, mas, sim, diferentes”. Ora, se por algum motivo o advogado não
aprendera nadar, o dever do barqueiro era esforçar-se para não o deixar morrer
afogado. Sua omissão foi criminosa!
Nesse momento, o amigo leitor pode
apoiar a conduta do barqueiro por este ter sido humilhado etc. Mas a questão
aqui é outra: inda que o advogado quisesse menosprezar o barqueiro, se este
houvesse manifestado desejo de aprender a ler e escrever, aquele teria plenas
condições intelectuais para socorrê-lo em sua ignorância; entretanto, à vítima
do naufrágio não foi dada oportunidade de salvação no momento de seu naufrágio.
Pior que humilhação, isso é crueldade,
vingança torpe contra a classe intelectual da sociedade, pelo tratamento
econômico e elitista discrepantes que há entre os operários e os doutos. Mas
pode ser também que o remador tenha optado por continuar sua vida simples, mas
cômoda, e nunca haja manifestado interesse em aprender a ler e escrever.
— Amigo Machado, o que me causa
indignação, como cidadão brasileiro, é observar a absurda diferença entre os
rendimentos do humilde barqueiro e os do orgulhoso advogado. Nesse sentido,
nossa Carta Magna também morreu
afogada pelos legisladores.
Nela, prevê-se uma série de direitos ao
cidadão que na vida prática não vêm sendo contemplados. Há imensa disparidade
entre o que ganham uns em relação à maioria dos servidores públicos e
particulares de profissões consideradas desprezíveis no Brasil.
— Perfeitamente, Joteli. Na próxima
semana, contarei outra história mal contada, nas rodas populares, que nos
demonstra a hipocrisia de algumas pessoas que se fazem de palmatória do mundo,
mas não veem o próprio umbigo.
— É verdade, Bruxo. Deles, já dizia
Jesus: “Veem um cisco no olho do vizinho, mas não retiram a trave dos seus
olhos”.
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Obrigado, amigo. Bom domingo!
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