segunda-feira, 29 de janeiro de 2018




FEB dá sua versão sobre a polêmica acerca de "A Gênese"


A GÊNESE
OS MILAGRES E AS PREDIÇÕES
SEGUNDO O ESPIRITISMO

EDIÇÃO DEFINITIVA

A propósito das dúvidas levantadas ultimamente sobre qual seria a edição definitiva de A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, a Federação Espírita Brasileira, por meio de seu Conselho Diretor, vem externar oficialmente ao Movimento Espírita nacional o seu entendimento sobre o assunto.
Como é do conhecimento de todos, a 1ª edição da obra veio à luz, em Paris, no dia 6 de janeiro de 1868, seguindo-se, nesse mesmo ano, a publicação da 2ª e da 3ª edições, absolutamente idênticas, meras reimpressões da 1ª edição. A 4ª edição, embora contendo na capa e na folha de rosto o ano de 1868, só foi publicada no primeiro semestre de 1869, já desencarnado o Codificador, mas guardando as mesmas características das três primeiras edições, com as quais não se diferencia em ponto algum.
A 5ª edição de A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, diferentemente das quatro primeiras edições, não contém o ano de seu lançamento, nem na capa nem na folha de rosto, de modo que até recentemente não era possível saber-se com precisão a data em que fora publicada. Hoje, e para isso basta que se recorra ao site eletrônico da Biblioteca Nacional da França, fica-se a par da data exata do seu lançamento: 23 de dezembro de 1872, em sua versão revista, corrigida e ampliada.
Como também é do conhecimento de todos, a 5ª edição francesa, ou as que a ela se seguiram e que lhe são idênticas em todos os pontos, é a que tem servido de espelho para as traduções nas diversas línguas nacionais dos países do mundo inteiro, por ter sido a última edição revisada. Dela se têm utilizado os tradutores febianos para o português, inclusive o Dr. Guillon Ribeiro, sendo relevante observar que a 1ª edição brasileira da obra, publicada nos anos oitenta do século XIX e traduzida por Joaquim Carlos Travassos, o Fortúnio, também se baseou em edição revista, corrigida e ampliada.
Não é nova a polêmica de que o derradeiro livro da Codificação Espírita teria sido “adulterado” depois da morte de Allan Kardec, visto que suprime, modifica ou acrescenta palavras, frases e parágrafos inteiros que, no entender de alguns, não foram redigidos pelo seu autor, e isso desde 1884, quando, pela primeira vez e sobre o assunto, se manifestou o francês Henri Sausse, autor da mais antiga biografia de Allan Kardec, apontando e discordando das alterações que encontrou na 5ª edição francesa, ao confrontá-la com a existente em seu poder, publicada em 1868.
Antes de se entrar no mérito da questão, é importante frisar que nenhuma obra de Allan Kardec teve como definitiva a sua primeira edição, posto que todas sofreram alterações, ao longo de uma ou de várias edições, com vistas ao seu aperfeiçoamento. Só para tomarmos dois exemplos: O Livro dos Espíritos, publicado em 1857, passou por modificações substanciais em 1860 e, em menor escala, nas edições publicadas em 1861, 1862, 1863 e 1864, isto é, nas 2ª, 4ª e 5ª, 6ª, 10ª e 12ª edições, respectivamente, de modo que, para sermos rigorosamente exatos, a edição definitiva do livro não é a 2ª, de 1860, mas a 12ª, de 1864, porque não houve nenhuma alteração depois dessa data. O céu e o inferno, lançado em 1865, só teve como definitiva a sua 4ª edição, publicada em 1869.
Mas a questão principal, alegam os que pensam de modo diferente, é que a 5ª edição de A Gênese só foi publicada em dezembro de 1872, mais de três anos após a desencarnação de Allan Kardec; além disso, modificou-se, acrescentou-se ou suprimiu-se indevidamente palavras, frases e parágrafos inteiros, desfigurando a edição original...
Quanto à primeira objeção, cabe observar os seguintes aspectos:
A França da época achava-se imersa em dificuldades de toda ordem, nos campos político, econômico e social, culminando com as atrocidades cometidas durante a guerra franco-prussiana, declarada pelo regime de Napoleão III, mas vencida por Bismarck, em 1870, a que se seguiram a ocupação de Paris, da Alsácia e da Lorena pelas tropas invasoras, e à guerra civil, que resultou da repressão à chamada “Comuna” de Paris. Época de anarquia, verdadeira convulsão social; de desemprego, de fome, de frio, de miséria, enfim. Não teria sido um dos motivos pelos quais a 5ª edição, revisada por Allan Kardec antes da sua desencarnação, teve postergada a publicação?
Além disso, o sucesso inicial de A Gênese, que em três meses teve três edições sucessivas (reimpressões), não foi suficiente para esgotar todos os exemplares antes da morte do Codificador, ocorrida em 1869, conforme se depreende de anúncio publicado no feuilleton do “Journal Général de l’Imprimerie et de la Librairie”, de 30 de março de 1872, anunciando a promoção da venda de exemplares da 4ª edição do livro, ainda existentes naquela época! Por que, então, publicar nova edição, em meio a tantas dificuldades econômicas e sociais, e antes de esgotada a anterior?
Analisemos, agora, a segunda objeção, a de que o livro teria sido “adulterado”, e com propósitos inconfessáveis, pelos continuadores do trabalho de Allan Kardec, porquanto, quem, além deles, teria o poder de fazê-lo? E de publicar a obra sob os auspícios da Livraria Espírita, localizada à Rua de Lille e inaugurada em 1º de abril de 1869, estabelecimento para onde se transferiu, a partir de
então, o escritório de assinaturas e de expedição da Revista Espírita, fundada e dirigida pelo Codificador?
De fato, a 5ª edição de A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, de 1872, se comparada com a 1ª edição, de 1868, apresenta alterações na redação de muitas palavras e frases, além do acréscimo e da supressão de vários parágrafos, isolados ou sucessivos, sobretudo nos seus capítulos II, III, XV e XVIII. Mas o que importa saber é se tais modificações deturpam, desfiguram, desnaturam a Doutrina Espírita revelada pelos Espíritos superiores e codificada por Allan Kardec.
Atenta ao suposto problema, a Federação Espírita Brasileira, ainda na década de 60 do século passado, encarregou ao pesquisador e historiador espírita Zêus Wantuil a tarefa de confrontar, palavra por palavra, frase por frase, linha por linha, a 3ª e a 5ª edições francesas de A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, porque, então, a FEB não dispunha da 1ª edição da obra. Buscava-se, já naquela época, descobrir se as alterações, apresentadas na 5ª edição francesa e inexistentes nas anteriores, fugiam, ou não, aos princípios fundamentais exarados nas demais obras da Codificação Espírita, baseados na concordância e na universalidade do ensino dos Espíritos. O exemplar da 3ª edição francesa foi xerocado e transformado em dois volumes, cuidadosamente encadernados, os quais se encontram arquivados na Biblioteca de Obras Raras da Federação Espírita Brasileira, em Brasília, com as anotações do Zêus, feitas à margem de cada página que sofreu algum tipo de alteração. Chegou-se à conclusão de que as modificações havidas só poderiam ter sido realizadas pelo próprio Allan Kardec, no intuito de melhorar e tornar mais claras diversas passagens da obra, aí compreendidas a supressão e a inclusão de textos inexistentes nas edições publicadas em 1868.
Tais anotações demonstram, de maneira cristalina, o cuidado, o empenho, o compromisso de Allan Kardec em aperfeiçoar toda sua obra. Erros tipográficos e de francês foram corrigidos, palavras inadequadas foram substituídas, frases importantes foram destacadas em itálico, numerações repetidas de parágrafos foram sanados, alguns parágrafos foram deslocados de posição para melhor se adequarem ao encadeamento das ideias que estavam a ser expostas, passagens repetidas ou já desenvolvidas em outras obras foram suprimidas, inclusive algumas de certa extensão, subtítulos e novos itens foram acrescentados, mas tudo sem ferir a harmonia do conjunto e sem atentar contra o conteúdo doutrinário dos ensinamentos revelados pelos Imortais.
Mas isso ainda não é tudo.
Ensina-nos a Doutrina Espírita que os Espíritos desencarnados são reconhecidos pela linguagem de que se utilizam quando nos dirigem a palavra. Assim também sucede com os encarnados, não só quanto à justeza, moralidade ou impropriedade dos conceitos emitidos, quanto com relação ao estilo, não tendo sido outra a razão que terá levado Buffon, naturalista, matemático e escritor francês do século XVIII, a dizer que “o estilo é o próprio homem”, a manifestar-se de forma pessoal e inconfundível.
Estilo! Quem não reconhecerá o estilo peculiar de Allan Kardec nas alterações – e não adulterações! – existentes na 5ª edição francesa de A Gênese? A clareza, a concisão, a objetividade, o encadeamento lógico das ideias, a urbanidade e a elegância na forma de escrever são absolutamente os mesmos observados no conjunto de sua obra, aspectos que até podem ser imitados por outros, mas sem o brilho da sua mente privilegiada, sem o alcance nem a profundidade verificados nos demais livros da Codificação Espírita.
Não há, pois, na 5ª edição francesa, até prova definitiva em contrário, nada que contrarie os princípios espíritas, exarados nas obras precedentes do mesmo autor, de modo que as supressões que ocorreram, assim como os acréscimos a ela juntados, estão de pleno acordo com o pensamento de Allan Kardec, alguns dos quais já haviam sido publicados antes na Revista Espírita, a exemplo do texto “Alma da Terra”, incluído no capítulo VIII dessa edição, em complemento ao estudo acerca da “Teoria da incrustação”.
Por outro lado, há que se considerar também o depoimento de Armand Theodore Desliens, médium da Sociedade Espírita de Paris e secretário particular de Allan Kardec até a desencarnação do Codificador, publicado na Revista Espírita de março de 1885, em que ele afirma, com todas as letras, que somente Allan Kardec, e mais ninguém, introduziu as modificações existentes nas edições posteriores de A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo. As pequenas falhas contidas nesse depoimento, relativas ao processo técnico de impressão e reimpressão dos livros editados naquela época, em nada desmerecem ou invalidam o testemunho de Desliens.
Finalmente, não nos esqueçamos de que Amélie-Gabrielle Boudet, esposa de Allan Kardec, sobreviveu mais de dez anos à publicação da 5ª edição francesa da obra. Mulher inteligente, beletrista, alma profundamente sensível e perfeitamente alinhada com o pensamento e as ações do marido, por certo haveria de notar os acréscimos e supressões contidos na edição de 1872 e, mais ainda, teria se insurgido contra eles caso não estivesse convicta da sua autoria, da sua autenticidade. Nada disso aconteceu, o que vem reforçar as evidências de que tais alterações não partiram de outra pessoa, senão Allan Kardec.
Por que, então, exumar, por estéril e inoportuno, um assunto que o bom senso há muito tempo se encarregou de sepultar? Por que denegrir a imagem de pessoas respeitáveis, contemporâneas de Allan Kardec, a pretexto de defender teses que, por muito abundantes sejam os dados documentais apresentados, não passam de probabilidades, sem que uma só prova, uma sequer, venha confirmar, definitivamente, que as alterações encontradas no livro não foram realizadas pelo próprio Allan Kardec? De que autoridade moral nos achamos investidos para criticar os pioneiros do Espiritismo, justamente os que secundaram Allan Kardec na ingente tarefa de materializar, entre nós, a promessa de Jesus Cristo de permanecer eternamente conosco? Temos que ser cautelosos até ao externar nosso entusiasmo com relação à defesa das ideias que esposamos, por mais bem-intencionados que estejamos, a fim de que ilações descabidas não nos transformem em instrumentos de perturbação e de discórdia, consumindo nossas energias e nos desviando da tarefa essencial a que todos fomos convocados: a da nossa transformação moral, dos esforços que devemos empreender para domar nossas paixões inferiores. Busquemos, antes de tudo, a união, recordando, com Jesus, que os seus discípulos serão reconhecidos por muito se amarem.
Assim, e até prova cabal em contrário, que por ora não existe, a Federação Espírita Brasileira continuará divulgando e considerando como definitiva a 5ª edição, revista, corrigida e ampliada, de A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, publicada em 1872 e utilizada pelos tradutores dos livros que editamos.
A FEB Editora lançará, em novembro do ano em curso, durante a reunião ordinária do Conselho Federativo Nacional, edições bilíngues (português e francês) da 1ª e da 5ª edições francesas de A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, como parte das homenagens ao seu sesquicentenário de publicação.

Brasília (DF), 29 de janeiro de 2018.

Jorge Godinho Barreto Nery
Presidente da Federação Espírita Brasileira

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