A cruz nossa de cada dia
ASTOLFO O. DE OLIVEIRA FILHO
aoofilho@gmail.com
De Londrina-PR
Além dos vários significados que
apresenta, como por exemplo o madeiro em que Jesus foi pregado, a palavra cruz
é usada também, por extensão, para designar aflição, pena, infortúnio. É com
esse sentido que se diz: “Maria carrega uma cruz pesada”.
Em um planeta como a Terra, é óbvio que
quase todas as pessoas, com as exceções de praxe, chegam à existência corpórea
carregando determinada cruz, que pode ser leve ou pesada, mas, com certeza, é
proporcional às suas forças.
Comentando determinada passagem do
Evangelho, Kardec escreveu:
"Rejubilai-vos, diz Jesus, quando
os homens vos odiarem e perseguirem por minha causa, visto que sereis
recompensados no céu." Podem traduzir-se assim essas verdades:
"Considerai-vos ditosos, quando haja homens que, pela sua má vontade para
convosco, vos deem ocasião de provar a sinceridade da vossa fé, porquanto o mal
que vos façam redundará em proveito vosso. Lamentai-lhes a cegueira, porém, não
os maldigais".
Depois, acrescenta: "Tome a sua
cruz aquele que me quiser seguir", isto é, suporte corajosamente as
tribulações que sua fé lhe acarretar, dado que aquele que quiser salvar a vida
e seus bens, renunciando-me a mim, perderá as vantagens do reino dos céus,
enquanto os que tudo houverem perdido neste mundo, mesmo a vida, para que a
verdade triunfe, receberão, na vida futura, o prêmio da coragem, da
perseverança e da abnegação de que deram prova. Mas, aos que sacrificam os bens
celestes aos gozos terrestres, Deus dirá: "Já recebestes a vossa
recompensa”. (O Evangelho segundo o
Espiritismo, cap. XXIV, item 19.)
Certa
vez uma senhora procurou Chico Xavier, levando consigo uma criança ao colo. Ela
lhe disse: "Seu Chico, meu filho nasceu surdo, cego e sem os braços. Agora
está com uma doença nas pernas e precisa amputar as duas pernas para ser salvo.
Por que isso tudo?".
Chico, olhando fixamente aquela sofrida
mulher, respondeu-lhe: "Minha filha, Emmanuel, aqui presente, me diz que
nas dez últimas encarnações esse ser suicidou-se e pediu, antes de renascer
nesta atual existência, que lhe fossem retiradas as possibilidades de mais uma
tragédia. Porém, como agora, apesar de cego, surdo e sem braços, está ainda
procurando um lugar como um precipício, rio, avenida, para se matar..., aí só
cortando as pernas, não?".
Como analisar tão dura prova? O sofrimento
da criança, a angústia da mãe, um destino que se apresenta cruel são
justificados em face de um bem maior, que é a salvação de uma alma, a
recuperação de um ser que se complicou muito no passado e, no entanto, merece a
indulgência do Pai e uma segunda chance.
Examinado o fato sob a ótica
materialista, é claro que vicissitudes como essas são consideradas inteiramente
sem propósito. Mas nós somos espiritualistas e temos de, necessariamente, olhar
para a vida com um sentido mais largo e mais profundo, visto que o corpo é
transitório, mas a alma vive para sempre.
Das muitas histórias narradas por
Humberto de Campos, lembramo-nos do caso de uma pobre viúva que, assoberbada de
sofrimentos acerbos, apelara para Deus, a fim de que se modificasse a volumosa
cruz da sua existência. Tudo lhe havia falhado nas fantasias do amor, do lar e
da ventura.
– Senhor, exclamou ela, por que me deste
uma cruz tão pesada? Arranca dos meus ombros fracos esse insuportável madeiro!
À noite, mergulhada nas asas brandas do
sono, a alma daquela mulher foi conduzida a um palácio resplandecente. Um
Emissário do Senhor recebeu-a no pórtico, com sua bênção. Uma sala luminosa e
imensa lhe foi designada. Toda ela se enchia de cruzes. Viam-se ali cruzes de
todos os feitios e tamanhos.
– Aqui – disse-lhe ele – guardam-se
todas as cruzes que as almas encarnadas carregam na face triste do mundo. Cada
um desses madeiros traz o nome do seu possuidor. Atendendo, porém, à tua
súplica, ordena Deus que escolhas aqui uma cruz menos pesada que a tua.
A mulher, embora surpresa com o fato,
examinou as cruzes presentes e, após algum tempo, escolheu conscienciosamente
aquela cujo peso correspondia às suas possibilidades. Quando, porém, a
apresentou ao Mensageiro Espiritual, verificou que na cruz escolhida
encontrava-se insculpido o seu próprio nome, reconhecendo então a sua
impertinência e rebeldia.
– Vai – disse-lhe o Emissário do Senhor
– com a tua cruz e não descreias! Deus, na sua misericordiosa justiça, não
poderia macerar os teus ombros com um peso superior às tuas forças.
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