A morte e os
seus mistérios
Ernesto Bozzano
Parte 3
Damos sequência ao estudo do clássico A morte e os seus mistérios, de Ernesto Bozzano,
conforme tradução de Francisco Klörs Werneck. O estudo será aqui apresentado em 24 partes. Nossa
expectativa é que ele sirva para o leitor como uma forma de iniciação aos
chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do
texto abaixo.
Questões preliminares
A. Os casos de aparição de defuntos no leito de morte são
comuns?
B. O fenômeno de transfiguração ectoplásmica se mostra
sempre combinado com outras modalidades de manifestação do mesmo fenômeno?
C. Durante o processo de transfiguração, pode o corpo do
médium tornar-se momentaneamente oculto à visão das testemunhas presentes?
Texto para
leitura
31. O Caso 5 foi tirado dos Annales des Sciences Psychiques e quem o relata é o Dr. Joseph
Maxwell, nome assaz conhecido no campo das investigações psíquicas. O diretor
da revista, Sr. Cesare de Vesme, esclarece: "O caso foi comunicado ao Dr.
Maxwell por um eminente magistrado seu colega, que não deseja seja revelado seu
nome; todavia, se houver investigadores sérios que desejem conhecer os nomes
dos dois percipientes, bem como o da cidade em que se produziu o fenômeno, o
Dr. Maxwell tudo revelará aos interessados".
32. Esta a narrativa do protagonista:
"Meu pai era doutor em medicina e sempre exerceu a
profissão numa vila do sul da França. Nascera em 1812; casara-se em 1843 e, a
partir dessa data, habitara na mesma casa até a morte, ocorrida em julho de
1903. Aos primeiros dias de janeiro de 1903, meu pai foi assaltado pelos
sintomas da moléstia que, seis meses depois, devia levá-lo ao túmulo. Cerca de
dois meses antes da sua morte, eu me encontrava no seu quarto às oito e meia da
noite. Ele dormia na sua poltrona ao lado da chaminé e eu me sentara diante
dele, vigiando-lhe o sono. Estávamos sós, e não tardei a perceber que sua
fisionomia ia gradativamente assumindo um aspecto que não era mais o seu, até
que chegou um momento em que verifiquei, positivamente, que seu rosto se
transformara no de minha mãe. Dir-se-ia que sobre o rosto de meu pai se
colocara a máscara de minha mãe. Note-se que, desde muito tempo, faltavam
inteiramente ao meu pai os supercílios; mas naquele momento, acima de seus
olhos fechados, se desenharam as vastas sobrancelhas negríssimas que minha mãe
conservara até os últimos dias de vida. As pálpebras, o nariz e a boca se
haviam tornado os de minha mãe. Não obstante, seu rosto parecia
consideravelmente maior, mas devo observar a respeito que, no período pré-agônico,
o rosto de minha mãe se hipertrofiara notavelmente, até atingir aproximadamente
as proporções assumidas pela efígie que aparecia diante de mim. Observo, além
disso, que a própria efígie reproduzia mais fielmente o semblante dela do que o
poderia ter feito se acaso houvesse reproduzido o seu rosto alterado pela
moléstia. Meu pai usava os bigodes e a barba em ponta muito curta. Barba e
bigodes permaneceram; mas, contrariamente ao que se poderia supor, contribuíam
eficazmente para completar os traços maternos. A aparição manteve-se intacta
por dez ou doze minutos; depois lentamente se dissipou e meu pai retomou os
traços normais. Cinco minutos depois despertou, e eu perguntei-lhe se sonhara
porventura com sua esposa; respondeu negativamente”.
33. Continuando, o protagonista disse que durante a
manifestação do fenômeno ele ficou imóvel, a observar o espetáculo que se lhe
deparava, abstendo-se de estender a mão para tocar a aparição, e isto por temer
que se dissipasse.
34. Segundo ele, outra pessoa também viu o que ele havia
presenciado: a criada de seu pai - uma moça de 31 anos - à qual sua mãe, no
leito de morte, recomendara velar por seu pai. Quando ela entrou no quarto, ele
lhe disse: "Joana, olha meu pai adormecido!" - Ela exclamou:
"Oh! Como se assemelha à pobre senhora! Estupefaciente!
Extraordinário!"
35. A respeito do assunto, a criada Joana fez-lhe a
seguinte declaração: "Recordo-me perfeitamente de que, cerca de dois meses
antes da morte de vosso pai, eu subi ao seu quarto e vos encontrei com ele. Vós
me dissestes: Joana, olha meu pai adormecido! - E eu logo exclamei: ‘Oh! como
se assemelha à pobre senhora! É estupefaciente! É uma coisa extraordinária!’
Confirmo que vosso pai, no curso da sua última enfermidade, repetiu-me muitas
vezes ter visto em várias ocasiões a aparição de sua esposa, acrescentando
ter-se arrependido de haver estendido as mãos para atraí-la a si, pois que,
assim agindo, provocara sempre a sua instantânea desaparição."
36. O caso exposto é de natureza espontânea e não
experimental ou mediúnica e, como se viu, realizou-se à aproximação da morte do
protagonista, o qual tivera, precedentemente, várias visões do fantasma daquela
que chegou a materializar a própria efígie, transfigurando o seu rosto,
circunstâncias estas todas a que não falta valor sugestivo, tendo em vista o
fato de que os casos de "aparição de defuntos no leito de morte" são
relativamente comuns e que entre eles são relativamente frequentes os casos
percebidos coletivamente ou sucessivamente por várias pessoas, circunstância
que confere certeza a respeito da sua objetividade. Daí resultaria que o caso
em apreço poderia ser classificado como um episódio de "aparições
reiteradas de uma defunta no leito de morte do marido", com o acréscimo de
uma manifestação física complementar, sob forma de transfiguração do rosto do
enfermo e isto, presumivelmente, com o objetivo de fazer-se notar também pelo
filho.
37. Do ponto de vista probatório é de notar no caso em
apreço a feliz circunstância de ter sido visto o fenômeno de transfiguração
coletivamente por duas testemunhas, e como a criada Joana não percebera a
efígie da defunta logo ao entrar no quarto, circunstância que exclui a
existência nela de estados passionais predisponentes de alucinação por
influência de circunstâncias, deve-se reconhecer que a objetividade do fenômeno
se mostra desta vez provada de maneira cientificamente adequada.
38. Sob um outro ponto de vista, manifesto é que o fenômeno
de "transfiguração" não poderia ser esclarecido com a hipótese por
demais simplista da contração e adaptação dos músculos faciais. Serve
especialmente para demonstrá-lo o fenômeno dos "nigérrimos supercílios
maternos" aparecerem sobre a cara do enfermo, desprovido de sobrancelhas.
Deve-se, portanto, concluir que, nesse caso, se está em presença de um fenômeno
de transfiguração com notáveis rudimentos de materialização e adaptação de
substância ectoplásmica ao rosto do indivíduo.
39. Além disso, preciso é considerar que tudo concorre para
demonstrar que o fenômeno de transfiguração ectoplásmica se mostra quase sempre
combinado com as outras modalidades de manifestação do mesmo fenômeno no
sentido de que, para completar a concretização da máscara ectoplásmica, tanto
podem contribuir o fenômeno da contração e adaptação dos músculos faciais,
quanto o outro fenômeno da subtração de substância viva aos tecidos do rosto e
isto com o escopo de reduzir-lhe ou remodelar-lhe alguns traços, adaptando-o de
tal forma à máscara do defunto que se deseja representar.
40. Ter-se-ia, portanto, de concluir que, nos casos de
completa transfiguração do rosto de um vivo, concorrem todas as modalidades de
manifestação que o fenômeno comporta, modalidades combinadas harmonicamente
umas com as outras, por uma vontade operante - subconsciente ou extrínseca -
servida automaticamente por aquela mesma misteriosíssima "força
organizadora" que preside, na natureza, a organização dos seres vivos.
41. Os Casos 6 e 7 têm ligação com a condessa Helena
Mainardi, nome fartamente conhecido pelos cultores de investigações psíquicas
de quarenta anos passados. Helena foi um poderoso médium. Ela enviou ao
Congresso Espiritualista de Londres, de junho de 1898, uma longa relação dos
fenômenos obtidos em seu próprio círculo familiar, com sua mediunidade
combinada com a da baronesa Rosenkrantz, também notável médium, círculo em que
eram frequentes os casos de "transfiguração".
42. O relato em apreço foi publicado integralmente pela Light, da qual faço o seguinte extrato
com base no que a condessa Mainardi escreveu:
"Numa noite de inverno do ano de 1898, obtivemos
fenômenos muito interessantes. Achavam-se presentes a baronesa Rosenkrantz; o
General Gugiani, com sua esposa; o Dr. Visam Scozzi, meu marido e eu. Uma
lâmpada vermelha, colocada sobre a mesa, iluminava nossos rostos. A baronesa
Rosenkrantz estava de pé, atrás da minha cadeira, fazendo ‘passes magnéticos’
sobre minha cabeça e ombros, quando, de repente, meu esposo, que estava sentado
defronte, exclamou: ‘Não vejo mais minha mulher!’ Por sua vez o General Gugiani
observou: ‘Dir-se-ia que a condessa desapareceu.’ O Dr. Visam Scozzi declarou
que também não me via, mas que percebia no meu lugar uma coluna de substância
escura. Eu ouvia perfeitamente suas exclamações, porém, por mais que tentasse,
não lograva articular uma palavra, embora não houvesse deixado um só momento de
ver os assistentes, os quais continuavam discutindo acaloradamente o fenômeno
da minha desaparição, quando repentinamente me viram reaparecer, mas com o
rosto de outra pessoa. Meu marido exclamou assustado: ‘Oh! esta não é minha
senhora!’ A baronesa Rosenkrantz inclinou-se para mim, olhou-me fixamente de
perto e disse: ‘Reconheço as feições de Helena Blavatsky!’ Pouco depois a
máscara da Blavatsky desapareceu e tornei a ser eu mesma, reconhecida como tal
por todas os assistentes, com grande satisfação”.
43. De acordo com o relato de Helena Mainardi, a baronesa
Rosenkrantz foi, logo em seguida, envolvida em um influxo mediúnico e,
sentando-se junto dela, exclamou: "Olha com atenção o meu rosto!" Transcorridos
uns breves instantes, todos viram transformar-se o seu semblante, que se tornou
muito jovem, ao passo que a baronesa é um tanto entrada em anos. O Dr. Visani
Scozzi disse então: "Este é o rosto de uma jovem a quem eu conheci
intimamente há vinte anos”.
44. Do ponto de vista da fidelidade da narrativa, o nome do
Dr. Visani Scozzi, autor de um livro clássico sobre mediunidade, e a quem foi
apresentado o relato antes de ser enviado ao seu destino, constitui um ótimo
testemunho a respeito.
45. Do ponto de vista da realidade objetiva das
transfigurações observadas, destaca-se a circunstância de sua natureza
coletiva, a cujo respeito convém insistir sobre o fato de que foram cinco os
experimentadores que observaram, coletivamente, os mesmos rostos nas
transfigurações ocorridas.
46. É de notar que, na produção do primeiro episódio,
sobressai o detalhe pouco comum da ocultação do médium dentro de uma nuvem de
ectoplasma, o que presumivelmente deve ser atribuído à poderosa mediunidade de
efeitos físicos da condessa Mainardi, potencialidade que permitiu uma emissão
abundante de substância ectoplásmica que logo se concretizou na máscara da
transfiguração.
47. Por último, observa-se que, em ambos os episódios, os
rostos que se materializaram foram identificados, e o caso do Dr. Visani
Scozzi, que reconheceu no semblante da jovem, que se manifestou, o de uma jovem
senhora que conhecera vinte anos antes, é um caso bastante notável no seu
gênero, porquanto a baronesa Rosenkrantz, que ele conhecera em casa da família
Mainardi, sem dúvida alguma ignorava por completo a existência da jovem dama
que se havia materializado por transfiguração do seu próprio rosto.
Respostas às
questões preliminares
A. Os casos de
aparição de defuntos no leito de morte são comuns?
Segundo Bozzano, sim, e além disso são relativamente
frequentes os casos percebidos coletivamente ou sucessivamente por várias
pessoas, circunstância que confere certeza a respeito da sua objetividade. (A Morte e os seus Mistérios, Caso 5.)
B. O fenômeno
de transfiguração ectoplásmica se mostra sempre combinado com outras
modalidades de manifestação do mesmo fenômeno?
Sempre, não; quase sempre, sim. Tudo concorre para
demonstrar que nesse fenômeno, para completar a concretização da máscara
ectoplásmica, tanto podem contribuir o fenômeno da contração e adaptação dos
músculos faciais, quanto o outro fenômeno da subtração de substância viva aos
tecidos do rosto e isto com o escopo de reduzir-lhe ou remodelar-lhe alguns
traços, adaptando-o de tal forma à máscara do defunto que se deseja
representar. (Obra citada, Caso 5.)
C. Durante o
processo de transfiguração, pode o corpo do médium tornar-se momentaneamente
oculto à visão das testemunhas presentes?
Sim. Foi o que ocorreu na transfiguração da médium Helena
Mainardi, caso em que se verificou a ocultação da médium dentro de uma nuvem de
ectoplasma, o que presumivelmente deve ser atribuído à poderosa mediunidade de
efeitos físicos da condessa, potencialidade que permitiu uma emissão abundante
de substância ectoplásmica que logo se concretizou na máscara da
transfiguração. (Obra citada, Caso 6.)
Observação:
Para acessar a Parte 2 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2019/10/a-morte-e-osseus-misterios-ernesto_11.html
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