O Espiritismo
perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 4
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de Gabriel Delanne, conforme
tradução da obra francesa Le Spiritisme
devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa servir para o leitor
como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do
texto abaixo.
Questões preliminares
A. As questões metafísicas entram no campo de estudo dos
positivistas?
B. Podemos explicar, de modo preciso, o que se chama senso
íntimo?
C. No tocante ao estudo do cérebro, que contribuição
devemos ao fisiologista J. Luys?
Texto para
leitura
92. Os positivistas têm por objetivo o estudo da natureza
pelos sentidos, pela observação e pela análise. Tudo o que se afasta dessa
ordem de coisas é para eles o desconhecido, o porquê ao qual renunciam,
deliberadamente, pesquisar. As realidades dos metafísicos podem existir, não as
negam; mas, como não entram no domínio dos fatos sensíveis, acham inútil e
perigoso querer defini-las; em suma, elas são incognoscíveis, isto é,
inteiramente fora do alcance do entendimento.
93. Além da esfera dos fenômenos comprovados, existe um
desconhecido que o espírito procura em vão penetrar; assim, Littré, traçando o
programa da escola, recomendou absoluta neutralidade em todas as questões
dogmáticas relativas à essência das coisas. Ele o afirma nitidamente nesta
passagem:
“Não se conhecendo nem a origem nem o
fim das coisas, não há motivo para negar que haja algo além dessa origem e
desse fim (isto é contra os materialistas e os ateus), assim como não há razão
para o afirmar (isto agora é contra os espiritualistas, os metafísicos e os
teólogos). A doutrina positiva põe de lado a questão suprema de uma inteligência
divina, pelo fato de reconhecer sua absoluta ignorância nesse sentido, como
aliás acontece às ciências particulares, que lhe são afluentes, no que toca à
origem e ao fim das coisas, o que implica necessariamente que, se a doutrina
positiva não nega a inteligência divina, não a afirma; conserva-se
perfeitamente neutra entre a negação e a afirmação, as quais se valem, no ponto
em que estamos. Não é preciso dizer que ela exclui o materialismo, que é uma
explicação daquilo que ninguém pode explicar. Não busca mais o que o
naturalismo tem de exorbitante, pois exclama, como De Maistre, falando da Natureza:
quem é esta mulher?” [1]
94. Vê-se, está bem claro, que o verdadeiro positivista não
se deve inclinar para nenhum sentido; é-lhe absolutamente interdito meditar
sobre os problemas que não se podem resolver pelo método direto da análise e da
observação. Mas, em que pese isso, o mais ilustre representante da ciência
positiva é materialista, senão em princípio, pelo menos efetivamente. Contrário
ao seu programa e à realidade, afirma que a matéria pensa e crê que a Natureza
se governa por si mesma. São estas conclusões que nós denunciamos como falsas,
em virtude das razões que expusemos no capítulo precedente.
95. O método positivo rejeita todo instrumento de estudo
que não os sentidos; mas existe em nós essa propriedade de nos conhecermos que
se chama senso íntimo, e que tem seu valor, pois é por ele que somos informados
da existência do pensamento. Sem dúvida, não se pode precisar em que consiste;
é impossível encontrar o órgão que lhe corresponda; entretanto, ninguém
recusará sua manifestação, que se afirma por um exercício ininterrupto.
96. Esse declive, por onde escorregam os positivistas,
leva-os, fatalmente, ao materialismo, do qual, teoricamente, têm a pretensão de
se afastarem. O desdém que mostram por tudo que não é diretamente mensurável
denota a negação antecipada das realidades espirituais. Apesar de toda a sua
ciência, não podem explicar o pensamento; ele se produz em condições
determinadas que têm, sem dúvida, certa relação com estados especiais do
cérebro; mas, como sucede com Moleschott, não lhes é possível afirmar que esse
pensamento seja produto do cérebro.
97. O cérebro, sua composição, seu modo de funcionamento,
tal é o campo de batalha atual onde se concentram os esforços dos partidos
opostos. É penetrando nas profundezas de sua constituição íntima, perscrutando
com tenacidade os recônditos desse órgão, que um sábio fisiologista, Luys,
espera dar ganho de causa aos positivistas. Ele quer mostrar que a atividade
intelectual é produzida simplesmente pelo jogo das forças naturais das células
do córtice cerebral, estimuladas pelas excitações do exterior e trazidas pelos
nervos centrípetos.
98. É consequente com suas doutrinas, porque, hoje, a maior
parte dos discípulos de Littré professa injustificável horror pela antiga
filosofia; repele em bloco todos os fatos certos, aos quais se tinha chegado
pelo estudo atento dos estados de consciência, para adotar uma psicologia nova,
que absolutamente não participa de qualquer filosofia, antes constitui outra
ciência.
99. Essa psicologia não se ocupa da alma e de suas
faculdades, consideradas em si mesmas, senão dos fenômenos pelos quais se
manifesta a inteligência e das condições invariáveis das leis que regem a sua
produção. Ela não pede só à consciência que lhe faça conhecer o espírito; não
se limita à ação interna, que julga, muitas vezes, ilusória, mas apela para o
método das ciências naturais e dispõe, por vezes, apesar da delicadeza do
assunto e do temor respeitoso que a domina, da própria experimentação, graças à
patologia.
100. Seu primeiro princípio, seu ponto de partida, é o
fato, admitido há pouco tempo pela ciência oficial, de que o cérebro é o órgão
do pensamento, do espírito, ou melhor, que a inteligência, a alma – se
quisermos compreender sob esse vocábulo o conjunto das ideias e dos sentimentos
– é uma função do cérebro.
101. Retomemos, ainda uma vez, o estudo do cérebro, não
mais o encarando, com Moleschott, sob o ponto de vista de sua composição
química, mas em sua estrutura anatômica e em sua vida fisiológica. Seguiremos,
passo a passo, o livro O Cérebro e suas
funções, do fisiologista J. Luys, e poremos ainda aí, em evidência, todos
os artifícios empregados para falsear as conclusões naturais dessas
investigações, que são todas a favor dos espiritualistas.
102. J. Luys é um experimentador de primeira ordem;
aperfeiçoou os métodos de investigação da substância cerebral, empregando uma
série de cortes metodicamente espaçados, de milímetro em milímetro, quer no
sentido horizontal, quer no vertical, quer no anteroposterior; e esses cortes,
praticados segundo as três direções da massa sólida que se trata de estudar,
foram reproduzidos pela fotografia.
103. O sistema nervoso do homem apresenta 3 grandes
divisões:
1 - O cérebro e o cerebelo [2]
2 - A medula espinhal
3 - Os nervos.
104. Não trataremos aqui da medula espinhal nem dos nervos;
o que nos interessa é o cérebro, que é constituído por dois hemisférios - A e C
- reunidos por meio de uma série de fibras brancas transversais - B -, que
fazem comunicar as partes semelhantes de cada lobo, de modo que as duas metades
façam um só corpo, cujas moléculas estão todas em relação umas com as outras.
105. Cada lobo, tomado separadamente, apresenta por seu
turno: 1 - Massas de substância cinzenta; 2 - Aglomerações de fibras brancas,
que fazem comunicar duas partes semelhantes de cada hemisfério.
106. A substância branca, inteiramente composta de tubos
nervosos justapostos, ocupa os espaços compreendidos entre a superfície dos
lobos e os núcleos centrais. As fibras que a constituem representam traços de
união entre tal ou qual região do córtice cerebral e tal ou qual dos núcleos
centrais.
107. Podem ser consideradas como uma série de fios
elétricos estendidos entre duas estações e em duas direções diferentes. As que
reúnem os diversos pontos da superfície dos hemisférios aos núcleos centrais
são comparáveis a uma roda, cujos raios ligam a circunferência ao centro; as
outras se dirigem transversalmente e juntam duas partes semelhantes de cada
hemisfério.
108. A substância cortical cinzenta se apresenta sob a
aparência de uma lâmina cinzenta, ondulosa, dobrada muitas vezes sobre si
mesma, e formando uma série de sinuosidades múltiplas, cujo fim é aumentar-lhe
a superfície.
109. Pensou-se que havia nessas dobras certas disposições
gerais; seu maior número, porém, toma as mais variadas formas, conforme os
indivíduos. A espessura da camada cerebral é em média de 2 a 3 milímetros; em
geral, é mais abundantemente repartida nas regiões anteriores do que nas
regiões posteriores. A massa varia conforme a idade e a raça. Gratiolet notou
que nas espécies de pequena estatura a massa da substância cortical é pouco
abundante.
110. Quando se toma uma fatia delgada dessa matéria
cinzenta do córtice cerebral e a comprime entre duas lâminas de vidro, nota-se
que ela se divide em zonas de desigual transparência e que estas zonas se
dispõem em uma estriação regular e fixa.
Notas:
[1] Revue de
Philosophie Positive, jan. 1880.
[2] Embora o autor refira apenas o cérebro e o cerebelo, é
mais correto dizer: o cérebro e o cerebelo, a protuberância anular e o bulbo
raquidiano, a menos que se prefira dizer simplesmente o encéfalo. Em verdade,
podemos, com Testut, considerar o sistema nervoso do homem formado de duas
classes de órgãos, grupados em duas grandes divisões: 1) órgãos centrais -
centros nervosos - que constituem o sistema nervoso central; 2) órgãos
periféricos - nervos - que constituem o sistema nervoso periférico. O sistema
nervoso central é formado por um eixo de substância nervosa, que ocupa integralmente
a cavidade óssea constituída pelo crânio e pela coluna vertebral; é o
neuro-eixo, eixo encéfalo-medular ou cerebrospinal ou ainda mielencéfalo. Dois
órgãos proeminentes formam esse eixo nervoso: o encéfalo e a medula espinal,
aquele de forma ovoide, ocupando a cavidade craniana, esta de forma
tronco-cônica alongada, enchendo a cavidade ou canal existente na coluna
vertebral, formada pelo empilhamento das vértebras. Deixando de lado, como faz
o autor, a medula espinal e os nervos periféricos, encaremos apenas o encéfalo,
pois é deste que faz parte o cérebro, a que o autor empresta interesse todo
particular. (Nota da Editora.)
Respostas às
questões preliminares
A. As questões
metafísicas entram no campo de estudo dos positivistas?
Não. Os positivistas têm por objetivo o estudo da natureza
pelos sentidos, pela observação e pela análise. Tudo o que se afasta dessa
ordem de coisas é para eles o desconhecido, o porquê, ao qual renunciam,
deliberadamente, pesquisar. As realidades dos metafísicos podem existir, não as
negam; mas, como não entram no domínio dos fatos sensíveis, acham inútil e
perigoso querer defini-las. (O
Espiritismo perante a Ciência, Primeira Parte, Cap. II, O materialismo
positivista.)
B. Podemos
explicar, de modo preciso, o que se chama senso íntimo?
Não se pode precisar em que consiste essa propriedade de
nos conhecermos, que se chama senso íntimo; é impossível encontrar o órgão que
lhe corresponda; entretanto, ninguém recusará sua manifestação, que se afirma
por um exercício ininterrupto. (Obra citada, Primeira Parte, Cap. II, O
materialismo positivista.)
C. No tocante
ao estudo do cérebro, que contribuição devemos ao fisiologista J. Luys?
Autor do livro O
Cérebro e suas funções, Luys aperfeiçoou os métodos de investigação da
substância cerebral, empregando uma série de cortes metodicamente espaçados, de
milímetro em milímetro, quer no sentido horizontal, quer no vertical, quer no anteroposterior;
e esses cortes, praticados segundo as três direções da massa sólida que se
trata de estudar, foram reproduzidos pela fotografia. (Obra citada, Primeira
Parte, Cap. II - O cérebro e suas funções.)
Observação:
Para acessar a 3ª Parte deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/04/o-espiritismoperante-ciencia-gabriel.html
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